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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Coco antes de Chanel", embalagem vistosa de produto fora do filme: a vida real da estilista

"Coco antes de Chanel" vale pelo que mostra de mais evidente, como um bolo do qual só podemos experimentar a cobertura, impondo-nos a frustração de não ter acesso àquilo que sabemos encontrar-se oculto por trás da primera camada de açucar e confeitos. O roteiro se concentra em pinçar alguns episódios da biografia e alguns traços de personalidade da moça que se tornaria uma das mais importantes estilistas de moda no século XX, só para tentar justificar o seu futuro sucesso. Seria a mesma coisa que tentar explicar a vitória de um general numa batalha pelos planos que ele formulou e pelas técnicas militares que aprendera. Nesse caso imaginário, o historiador estaria se esquecendo de reparar que, no lado derrotado, existe outro general tão competente quanto e que tinha formulado estratégias igualmente engenhosas, ainda que derrubadas pela complexidade e pelo imprevisível dos fatos. No filme "Cartas de Iwo Jima", por exemplo, o diretor Clint Eastwood não comete esse erro e acerta em cheio. Mas nesse docudrama da experiente diretora e roteirista Anne Fontaine é tudo certinho demais, como se houvesse uma predestinação conduzindo a história da garota interpretada por Audrey Tatoo: o talento para o desenho, associado a um olhar crítico em relação à exagerada indumentária da belle-époque e a prática diária como costureira profissional. Tatoo se apoia na semelhança física com a personagem, mas é Emanuelle Devos quem rouba a cena, recriando com precisão a figura de uma mulher típica do "mundo artístico" daquela época. O roteiro chega até à ousadia de relacionar o que seria uma certa falha de caráter, segundo a moral daquele tempo, com a sua disponibilidade de inovar de modo radical. A jovem Coco vivia com um homem muito rico apenas por conveniência e interesse. Quantas outras jovens costureiras teriam feito o mesmo e continuaram no anonimato? E quantas outras, ainda que talentosas, permaneceram como operárias, exatamente por não tê-lo feito? Mesmo assim se percebe algo de timidez da roteirista em relação a esta personagem tão idolatrada e poderosa. A sua ambiguidade sexual, por exemplo, se mostra igualmente amenizada, mesmo com a atuação agressiva de Emanuelle Devos. Por outro lado, revela-se a permissividade reinante, com frases como "me empresta o seu amante?". E tenta-se a insinuação de um relacionamento a três, em momentos que lembram "Jules e Jim" (1962), escrito por Henri Pierre-Roche, um contemporâneo de Coco.
Notas de rodapé:
Vale ressaltar as boas idéias cinematográficas da diretora, como o uso da câmara subjetiva para sublinhar capacidade de observação da protagonista, tendo as roupas como objeto central. Esse procedimento tem como resultado a difícil tarefa de mostrar a gestação de um estilo no íntimo da personagem central, antes mesmo dela se tornar uma estilista. Outro mérito é a unidade psíquica da dramaturgia, feliz em apresentar a tese da associação entre carência afetiva e estímulos para a energia criadora. Note-se a sequência do primeiro dia de visita no orfanato, em que a menina alí abandonada pelo pai aguarda em vão a sua presença. Ninguém veio vê-la e não há frustração maior que essa para a alma de um artista. A tristeza dessa imagem se inverte e se completa no final do filme, quando Coco percebe a "casa cheia" na apresentação de seu primeiro desfile vitorioso.
Coco Antes de Chanel
Coco Avant Chanel
França (2009) – 110 minutos
Gênero drama / história
estréia 30 10 2009
Direção Anne Fontaine
Com Audrey Tautou , Benoît Poelvoorde ,
Alessandro Nivola , Emanuelle Devos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

“Bons Costumes”, irresistível comédia de Noel Coward, um dos melhores filmes do ano

"Bons Costumes” é adaptação de uma peça de Noel Coward por Stephan Elliott, o diretor australiano de “Priscilla - A Rainha do Deserto”. A primeira versão foi de Hitchcock em 1928. A obra foi escrita pelo dramaturgo londrino quando ele tinha apenas 25 anos e já era conhecido como “o mestre da esperteza”. Datado de 1925, o texto atualizava os romances sociais na linha de “A Dama das Camélias”, vertendo o drama para uma chave cômica. Em vez de vítima, a figura carimbada da “demi-mondane” desempenha a função de protagonista e desencadeadora dos acontecimentos
No papel de uma viúva rica que se casa com um jovem aristocrata de família ultra esnobe, Jessica Biel (“O Ilusionista”) representa a nova mulher do século 20 que veio para desafiar a hipocrisia das elites. Esta versão cinematográfica homenageia os artistas da canção e da palavra − como Cole Porter, Scott Fitzgerald e o próprio Coward − daquela primeira onda de contra-cultura no período entre as guerras. A direção se mostra atenta a detalhes insuspeitados, como um rato que aparece na biblioteca da matriarca vivida por Kristin Thomas.
A inversão de expectativas na seqüencia da caçada. Ou um latido de cachorro comentando a evolução da cena − assim como as melodias de Porter, às vezes executadas como num piano de cinema mudo. Além do requinte nos figurinos, destaca-se a atuação de Colin Firth e a sofisticação do diálogo: uma verdadeira luta de punhais afiados pelo humor e a ironia de Noel Coward.
Bons Costumes
Easy Virtue
gênero comédia / história / farsa
estréia 23/10/2009
Distribuição Sony
direção Stephan Elliott
Com Jessica Biel, Kristin, Scott Thomas, Colin Firth

Para Goiânia e redondezas, estarei lá lançando o "Melhores Filmes Novos", dia 21/10

Reforçando:
Data: 21/10/09
Horário: 19h
Local: Centro Cultural da Cara Vídeo.
Rua 83, n. 361, Setor Sul. Goiânia-GO.
Tel.: 62 32186895 (Falar com Delma)
62 84532568 (Luiz Felipe - cineclube Cascavel)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

"O Desinformante", o quarto Soderbergh em 2009: verdade como se fosse mentira

Neste que é um dos melhores filmes da temporada e, certamente, o melhor trabalho de Steven Sorderbergh nos últimos anos, temos uma comédia que lembra o estilo dos irmãos Cohen, mas é muito superior ao que essa dupla tem mostrado recentemente. Inclusive porque “O Desinformante” se fundamenta num caso real, tal como foi narrado por Kurt Eichenwald, repórter do New York Times. Vivido com brilhantismo por Matt Damon, Mark Withacre é um executivo em ascensão que resolve revelar para o FBI algumas falcatruas da emprese em que trabalha. Em seguida, se transforma em informante do governo e passa a gravar reuniões secretamente, brincando de agente secreto.
Porém, essa figura aparentemente ingênua tem muito mais aspectos do que podemos revelar para não estragar as surpresas do roteiro. Ao levar para o cinema esse inacreditável personagem de um livro de não-ficção, o diretor utiliza recursos narrativos da comédia com excelentes resultados. E o cineasta chega a brincar com o gênero de cinema documentário ao colocar na boca do protagonista a frase “eu queria ser uma mosca na parede para ver a cara dele”. A expressão "mosca na parede" se refere ao posicionamento da câmara nos documentários da linha "cinema direto", que se praticava nos anos 60 nos Estados Unidos. É como se Soderbergh nos dissesse: "já tratei histórias fictícias ("Bubble", "Confissões de uma garota de programa") como se fossem verdadeiras e agora filmo uma história real como se fosse uma comédia".
Na estrutura do roteiro, destaca-se a comicidade oferecida pela narração em off na primeira pessoa. Ela permite que observemos o que o passa pela mente do informante enquanto está agindo. E nem sempre o que ele pensa tem relação lógica com o que faz. Essas frases são tão absurdas e engraçadas que aparecem como ilustração sonora no site oficial do filme. Aliás, o compositor do fillme Marvin Hamlisch está em seu terreno preferido que é o humor. Foi ele o pianista que Croucho Marx convidou para acompanhar as suas históricas apresentações como "stand up comic" no Carnegie Hall. Ele se diverte pontuando a trilha sonora com impagáveis comentários musicais sobre a história, recorrendo a citações e paródias de melodias amplamente conhecidas. É um show à parte que, desde já, o credencia para um terceiro Oscar.
DESINFORMANTE
The Informant!
etreia 16 10 2009
EUA - 2009 – 108 min.
Gênero comédia / história
Distribuição Warner Bros.
Direção Steven Sorderbergh
Com Matt Damonm, Lucas McHugh Carroll e Eddie Jemison

Em sua ousadia, "Distrito 9" presta uma sutil homenagem ao gênio de Orson Welles

O filme “Distrito 9” é produzido por Peter Jackson, o responsável pela grife "O Senhor dos Anéis" e pela versão mais recente de "King Kong". Numa linha totalmente oposta àqueles épicos fantásticos, este imagina uma verdadeira cidade de alienígenas vivendo como favelados na África do Sul. Uma nave descomunal estacionou sobre a cidade de Johanesburgo e seus quase dois milhões de ocupantes, famintos e desnorteados, foram alojados num campo de concentração. Sua aparência repulsiva provoca total aversão dos habitantes que, depois e 20 anos de convivência, decidem transferi-los para fora da cidade.
Tudo se complica quando um funcionário do governo é contaminado com um misterioso material genético e começa a se transformar fisicamente num alienígena. Esse processo é semelhante ao que vimos em "The Fly" (1986 - David Cronenberg) filme que nítidamente inluenciou o design destes ETs de Jackson. Provavelmente para ampliar a impressão de realidade, o filme adota o formato de um documentário ou noticioso. Ou seja, tudo é narrado por meio de entrevistas falsas em que atores desconhecidos respondem para a câmara como se fossem cientistas, policiais transeuntes e o próprio personagem central, antes de ser infectado.
Acima, o alienígena de Peter Jackson.
Abaixo "A Mosca" de David Cronenberg
A encenação procura seguir essa linha de modo radical, mas não consegue. Assim como aconteceu com Orson Welles, em sua histórica adaptação radiofônica de "A Guerra dos Mundos" transmitida em 1938 que, só na primeira parte, tinha o formato de um noticiário. Quando, por exemplo, o personagem central de “Distrito 9” está se escondendo, não há ali nenhuma câmara de reportagem e, ainda assim, acompanhamos a sua movimentação – isso, portanto, que não chega a ser um defeito do filme. Mas um lembrete de que em cinema não vale considerar apenas o que se vê na tela, mas principalmente a maneira como aquilo se mostra. A metáfora com a desumanidade do apartheid sul-africano é evidente. Mas, o drama não se limita a isso e, por meio desse herói que lembra o clássico Prometeu, discute a fragilidade da condição humana.

DISTRITO 9
District 9
Nova Zelândia/África do Sul 2009 – 112 min
estreia 16/10/2009
Gênero Fantasia / Ficção Científica
Distribuição Columbia
Direção Neill Blomkamp
Com Sharlto Copley, Jason Cope,
Nathalie Boltt e Sylvaine Strike

terça-feira, 13 de outubro de 2009

"Os rumos do cinema contemporâneo" em debate na Livraria Saraiva da Paulista

Eu e Ricardo Dias (autor do documentário "Um Homem de Moral") estivemos na Saraiva para um debate que funcionou também como um evento em torno do livro "Os Melhores Filmes Novos". Mais do que uma discução polêmica, porém, o encontro resultou num animado bate-papo sobre algumas tendências que têm se manifestado no cinema atual como, por exemplo, uma nova linha de integração entre o cinema ficcional e o gênero documentário.
Alguns dos cineastas citados: Griffith, Eisenstein, Cavalcanti, Grierson, Flaherty, Wiene, Renoir, Buñuel, Rosselini, Watkins, Soderbergh, Coutinho, Salles, Leacock, Rouch, Bodanzski, Jabor, Rocha, Drew, Brant...
É incrível como tanta gente e tantos filmes podem caber numa única mesa.
Na prática, a apresentação fluiu como uma espécie de aula em dupla, realizada totalmente sem preparação e sem ensaio, na base do puro improviso. Não sei se os demais participantes também gostaram, mas Ricardo e eu tivemos tanto prazer nessa inesperada parceria que estamos dispostos a repetir a dose. Só que agora de um modo mais profissional e planejado. Estamos aceitando convites...

"Os Melhores Filmes Novos" foi lançado no Festival do Rio, durante um acalorado debate.

Reproduzimos aqui uma matéria publicada
no dia 4 de outubro no site do Festival do Rio


Dramas da realidade
O professor e crítico paulista Luciano Ramos recebeu para o lançamento de seu livro “Os Melhores Filmes Novos” a professora Cintia Fernandes e os cineastas José Joffily, Eliane Caffé, Gustavo Roa e Beto Brant. Para escolher as produções que integram o livro,o professor analisou cinco aspectos: argumento, roteiro, elenco, produção e direção. O resultado foi uma seleção variada que inclui filmes europeus, como "O pequeno italiano" e "A Vida dos outros", blockbusters, caso de "Batman Begins", e brasileiros de destaque, como "Crime Delicado" e "Se eu fosse você".

Luciano Ramos autografa exemplar de "Os Melhores Filmes Novos"
Ramos discutiu no Cine Encontro os caminhos que tem seguido o cinema contemporâneo. Segundo ele, a tendência mais forte atualmente á de obras que fundem o real e a ficçao. Citou como exemplos docudramas nacionais e internacionais, casos de "Zuzu Angel", de Sergio Rezende, e "Che II", de Steven Soderberg. Além de experiências como as de Eduardo Coutinho, em filmes como “Jogo de Cena”. Essa mistura também está em obras presentes no Festival do Rio desse ano, um exemplo é “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, de Karin Ainouz e Marcelo Gomes.
Posted by Cine Encontro Filed in cineencontro
José Joffily, Beto Brant, Gustavo Roa, Luciano Ramos,
Eliane Caffé e Cíntia Fernandes

domingo, 11 de outubro de 2009

“9 – A salvação”, metáfora da humanidade perplexa diante de sua autodestruição

O que faz de “9 – A salvação” um filme tão fascinante não é apenas o profissionalismo e a complexidade tecnológica das seqüências de ação – correrias, perseguições e combates construídos com a verossimilhança necessária para despertar plena credibilidade no espectador. O que impressiona é a singularidade das representações e dos seres inventados para desempenhar os papéis de protagonistas e antagonistas nessa batalha puramente conceitual, nessa guerra de signos travada num plano não histórico, ou seja, num imponderável ponto qualquer de um tempo imaginário, após a extinção do último ser humano da planeta.
Na superfície desse mundo que já foi industrial não resta inteiro um só objeto, tal como foi concebido por seu fabricante. Nenhum artefato completo: apenas cacos, trapos, retalhos, fragmentos, parafusos, peças soltas. Desse material são feitos os nove bonecos que ali se movimentam, sempre fugindo de uma máquina militar que procura destruí-los. São todos dotados de consciência e livre arbítrio, diferenciando-se entre si com arremedos de personalidade: um mais autoritário e conservador, outro mais ousado, um grosseiro e outro feminino e assim por diante.
Para quem se pergunta “por que nove e não sete, como os samurais? Ou doze como os apóstolos”: 9 são as casas que formam o chamado “quadrado mágico”, que os pensadores chineses conceberam antes mesmo da escrita. Um dos bonecos coloca um disco de vinil num gramofone enferrujado e dele emana a canção “Over the rainbow”. Temos então uma data, 1939, e uma referência − “O Mágico de Oz”, que conduz à tragédia das criaturas em confronto com a criação. No meio da narrativa, esses encantadores pinóquios de guerra se percebem como “emanações da alma” do cientista que os inventara – o mesmo, aliás, que criara a máquina sem alma que os persegue.
O fascínio do roteiro apenas se inicia nesse ponto ficcional que é a personalidade desse indivíduo − a rigor o único personagem do filme − um sábio que trabalhou para um ditador dos anos 30, parecido com Hitler. Talvez um de seus sucessores, se os nazistas tivesse vencido a Segunda Guerra. O visual de antecipação do filme corresponde ao futuro, tal como seria imaginado naquele tempo. Muito anterior, portanto, aos transistores, aos chips e às demais conquistas da eletrônica e da informática.
O quebra-cabeça proposto por “9 – A Salvação” torna-se tão mais empolgante quanto cada dado novo é acrescentado à trama. Até remeter à metaforicamente ao vazio metafísico de seres que, apesar de criarem outras formas de vida, sentem-se tristemente desamparados por quem os teria criado. Ao longo do filme, julgamos acompanhar a luta de um herói liderando um grupo nove guerreiros contra um monstro maligno. Até perceber que tudo não passava de um monólogo fictício recitado para ninguém.
9
9 - A Salvação
estreia em 09/10/2009
EUA - 2009 – 79 min
gênero animação / ficção científica / fantasia
distribuição Play Arte
Direção Shane Acker

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A semana 09/10/2009 é marcada pela diversidade de gêneros e temas.

Da Itália, por incrível que pareça, vem um desenho animado baseado num livro peruano e, é claro, dublado em português. Trata-se de O GOLFINHO – A HISTÓRIA DE UM SONHADOR, lançado para tentar acompanhar o atual campeão de bilheteria, Tá chovendo hambúrguer. O desenho é até razoável, mas vai ser difícil chegar perto de outro longa de animação que estréia hoje.
É o sensacional "9 - A SALVAÇÃO" (nas duas fotos acima), produzido pelo doentiamente criativo Tim Burton, de "A Noiva Cadáver". Trata-se de uma incrível estilização para ficção científica da história de Pinóquio. Um boneco de pano ganha vida e descobre que no planeta não existem mais seres humanos e as máquinas que restaram tentam destruí-lo.
Do Brasil, vem FLORDELIS – BASTA UMA PALAVRA PARA MUDAR, um docudrama amadorístico sobre uma professora carioca que nos aos 90 adotou 50 crianças de rua. E agora elas são interpretadas por astros globais que dão falsos depoimentos sobre ela. Sinceramente, não dá... Não dá pra perder HERBERT DE PERTO, documentário sobre o líder dos Paralamas do Sucesso, no qual ele se confronta com imagens do passado antes de se tornar paraplégico.
Mas temos que reconhecer o melhor lançamento é de Quentin Tarantino (abaixo com Brad Pitt e o resto do elenco), essa genial brincadeira com a História que é BASTARDOS INGLÓRIOS, sobre um comando de soldados americanos judeus que decidem espalhar o terror entre os nazistas. É humor de alto nível, com a elegância germânica de Diane Krueger (acima)

“Bastardos Inglórios” de Quentin Tarantino é um raro caso de comédia histórica.

Poucos humoristas tentaram essa modalidade, sem cair no surrealismo do grupo Monty Pithon, (“A busca do cálice sagrado”), ou no pastelão linha irmãos Marx de Mel Brooks (“História do Mundo Parte 1”) – ambos filmes dos anos 70. O humor de Tarantino lembra o de Mario Monicelli, no clássico “O incrível exército de Brancaleone”. Ou o de Carla Camurati, no igualmente clássico “Carlota Joaquina a princesa do Brasil”.
A narrativa tangencia os fatos reais dos últimos dias de Hitler ao ar livre, antes dele se enfurnar em um bunker, do qual só sairia morto, no fim da guerra. Se antes disso, em julho de 1944, como vimos em “Operação Valkíria” com Tom Cruise, generais dissidentes tentaram explodir o fuhrer e não conseguiram, por que não imaginar outro atentado?
É o que faz Tarantino brilhantemente, com um leve sotaque caricatural, mais acentuado em personagens como o de Brad Pitt (acima) e quase realista no de Christoph Waltz (abaixo) que, aliás, ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes por este papel de um general conhecido como “o caçador de judeus”. Brad Pitt comanda um grupo de combatentes americanos judeus que se infiltra nas linhas alemãs para espalhar o terror. Mas Tarantino não abandona o seu gosto pela violência explícita e, assim, um desses americanos é um ex-jogador de baseball que trouxe seu bastão para a guerra, só para estourar crânios nazistas.

O filme imagina dois atentados que teriam como alvo o próprio Hitler, enquanto ele estava assistindo um filme na Paris ocupada pelos nazistas. Dito isso, pode-se imaginar que o filme seja apenas uma paródia ao famoso "Operação Valkíria", mas ele faz uma sofisticada caricatura de gêneros inteiros, brincando com própria linguagem e a história do cinema. Na sangrenta cena inicial, por exemplo, ele expande artificialmente a duração da cena, exatamente como fizera Eisenstein no massacre de Odessa, em "O Encouraçado Potenkin", contando apenas com o diálogo e o brilho de Christoph Waltz. Nos momentos finais, esse mesmo ator comanda uma sangrenta paródia da Cinderella, contracenando com a bela e talentosa Diane Krueger (abaixo), no papel de agente dupla, assim como era aquela personagem de conto de fadas.
O filme se divide em capítulos, imitando os episódios de uma revista em quadrinhos e, num deles, vemos um crítico inglês especialista em cinema alemão convertido em agente secreto, só porque conhece um pouco do idioma germânico. Aquele filme que Hitler vai assistir seria uma produção do próprio Goebbels, empenhado em vencer os judeus de Hollywood em seu próprio território, ou seja, a indústria cinematográfica. Chegamos até a ver imagens deste filme que, por sua vez não passava de uma paródia alemã do célebre "Sargento York", feito por Howard Hawks em 1941, sobre um herói americano da 1ª Guerra, outro impiedoso matador de alemães.

BASTARDOS INGLÓRIOS
Inglourious Basterds
EUA / Alemanha - 2009 – 153 min.
Gênero: Ação / História / Comédia
estréia 09/10/2009
Distribuição: Paramount
Direção Quentin Tarantino
Com Brad Pitt, Christoph Waltz,
Diane Krueger e Mélanie Laurent

O cinema brasileiro coloca na tela fenômenos marcantes da nossa cultura.

Todos devem se lembrar da novela “Roque Santeiro”, exibida com grande sucesso na Rede Globo nos anos 80. Com direção e produção de Daniel Filho ("Se Eu Fosse Você") o filme “Roque Santeiro” começará a ser rodado em maio de 2010. Sinhozinho Malta – que foi vivido por Lima Duarte – será interpretado na versão cinematográfica por Antônio Fagundes. E a Fernanda Torres será a viúva Porcina, que Regina Duarte criou para a versão televisiva. Quem fazia o coroinha Roque Santeiro era o José Wilker. Agora o papel vai ser de Lázaro Ramos. Mas a principal ponte entre os dois produtos áudio-visuais será o roteiro de Aguinaldo Silva, que foi ele mesmo o autor da novela. Aí é que mora o perigo, porque escrever roteiro para cinema e para novela são dois ofícios completamente diferentes. O Daniel Filho deve saber muito bem disso. Mas vejam só: em vez de pedir para o próprio Fernando Morais que escreveu a biografia de Paulo Coelho elaborar o roteiro de outro filme que começará a ser produzido em 2011, o escritor de "O Alquimista" contratou Carolina Kotscho, que foi a roteirista de "Dois filhos de Francisco", em 2007. Isso porque o escritor, que não é bobo, gostou daquele filme que conta a história de Zezé Di Camargo e Luciano. E tomou essa providência de escolher a roteirista antes do diretor e do elenco do filme.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Nos anos 50, havia Victor Mature. Agora em "Gamer", quem luta é Gerard Butler

O título brasileiro do filme é “Gamer”, que quer dizer “jogador”. Mas o título original é “Citizen Game”, ou seja, uma pretensiosa referência a “Citizen Kane”, a célebre obra de Orson Welles. Aliás, o filme é inteiramente pretensioso, uma interminável carnificina que pretende alcançar um nível equivalente ao já clássico “Matrix”. O tema é o mesmo de “Golpe Baixo”, que Robert Aldrich fez com Burt Reynolds em 1974. O roteiro é mais parecido ainda com “O Sobrevivente” de 1987, baseado numa história de Stephen King, com Arnold Schwarzenegger fazendo o papel de um presidiário obrigado a participar de um jogo mortal: um game show de televisão. Desta vez o prisioneiro é vivido pelo brutamontes Gerard Butler, essa espécie de Victor Mature do nosso tempo que ficou famoso como o Leônidas de “300”.
A pretensão se acentua ao transferir o cenário de um estúdio de TV para o ambiente virtual de um vídeo game, ou seja, um jogo de computador, em que os lutadores são pessoas e carne e osso, só que manipuladas pelos outras que manejam os controles. Essa trama, porém, é complicada demais para as cabecinhas doentias da dupla de realizadores Neveldine e Taylor, que viraram meras caricaturas deles mesmos. Esses são aqueles espertinhos que, em 2006, nos ofereceram “Adrenalina”, um corajoso filme marginal, quase “underground”, estrelado pelo cão raivoso inglês Jason Statham, que por coincidência no ano passado trabalhou numa refilmagem de “O Sobrevivente”, chamado “Corrida Mortal”. Resumindo, o filme é derrotado pelas próprias regras do jogo que seus realizadores tentaram inventar: Neveldine e Taylor arrasam com Taylor e Neveldine.
GAMER
Citizen Game
EUA - 2009 – 95 min
estréia 02/10/2009
Gêneros ação / ficção científica
Distribuição Imagem Filmes
Direção Mark Neveldine e Brian Taylor
Com Alison Lohman, Gerald Butler e Logan Lerman

O melodrama ainda vive e prospera em filmes como “Algo que você precisa saber”

O melodrama é um modo de narrativa que o cinema tomou emprestado da literatura e do teatro, e que nas novelas de TV encontrou terreno até mais fértil para se desenvolver. Para boa parte da crítica de cinema, essa linha foi considerada indício de baixa qualidade, provavelmente por buscar o exagero nos efeitos emocionais das reviravoltas e situações dramáticas. Manifesta-se quando, por exemplo, um personagem descobre que seu grande inimigo é na verdade seu irmão e a única pessoa que pode salvá-lo da desgraça. A rigor, no entanto, o melodrama é um procedimento de ênfase para o desenvolvimento da uma trama, ou seja, um recurso como qualquer outro. E é assim que ele é tratado pela diretora e roteirista Cécile Telerman, uma belga que fez carreira no cinema francês, como advogada e administradora. Mas, que num lance melodramático, passou a dirigir filmes com extrema competência.
Neste engraçado e comovente “Algo que você precisa saber”, ela mostra que tem consciência absoluta do artificialismo com que trabalha as trajetórias de cada personagem, fazendo-as convergirem todas para um final de fábula. Como as linhas melódicas de diversos instrumentos que o compositor clássico reúne no acorde final do concerto. No caso, os instrumentos são atrizes bem afinadas, como Charlotte Rampling e Mathilde Seigner (acima), e as melodias são as frustrações e incertezas de uma família que, para sobreviver, preferiu trocar a franqueza dos sentimentos, por um simulacro de estabilidade – até que todas as pulsões e segredos reprimidos explodissem ao mesmo tempo, num lance... melodramático.
Algo que você precisa saber
Quelque chose à te dire
França 2009 – 100 min
gêneros drama / melodrama / comédia
estreia em 02/10/2009
distribuição Imovision
direção Cécile Telerman
com Mathilde Seigner, Pascal Elbé,
Olivier Marchal, Charlotte Rampling

"Deixa ela entrar" é um filme de vampiros inovador e também fiel ao gênero

A história do cinema está repleta de vampiros. Mas, o sueco Tomas Alfredson de “Deixa ela entrar” consegue surpreender com esta história, que é ao mesmo tempo inovadora e fiel à toda a tradição iniciada pelos romances góticos do século XIX. O protagonista é menino de doze anos, tímido e introvertido, cheio de dificuldade de se relacionar com os colegas de escola. Sua solidão se interrompe quando uma menina da sua idade se muda para o prédio. A princípio ele não nota a palidez da garota e nem estranha o seu cheiro azedo, ou o fato de nunca sentir frio e só sair de casa à noite. Aos poucos percebe que ela é uma vampira com mais de 400 anos de idade e, mesmo assim, aceita a nova amizade.

O mais curioso é o registro, digamos, “realista” da encenação. A personagem é construída sem o grotesco, ou a glamurização que costumam circundam os filmes com esse tema, como por exemplo, os blockbusters da série “Crepúsculo”. A jovem morta viva é sem graça, mal vestida, antipática e mal cheirosa. Mora num apartamento imundo e sem móveis que, em lugar de cortinas, tem o vidro da janela coberto por jornais. Por outro lado, tem a mesma força física e os pontos fracos do Conde Drácula, além de uma mala cheia de dinheiro. Não se pode dizer que “Deixa ela entrar” seja agradável, ou edificante. Mas é inegável o pulso firme de seu diretor, que nos oferece uma sensação de permanente estranhamento, mesmo caminhando por um terreno em que os sustos e calafrios sejam geralmente previsíveis.
Deixa ela entrar
Let the Right One In
Suécia - 2008 – 114 min
estreia 02/10/2009
Gênero drama / horror
Distribuição: Filmes da Mostra
Direção Tomas Alfredson
com Kåre Hedebrant, Lina Leandersson