Encontre o que precisa buscando por aqui. Por exemplo: digite o título do filme que quer pesquisar

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Irmãos de sangue: "A Deriva", de Heitor Dhalia, e "Menina Santa" de Lucrecia Martel

O título deste filme de Heitor Dhalia (“O Cheiro do Ralo”) coincide com um conceito atualmente usado pela semiótica e pelos estudos de arquitetura e urbanismo na análise das cidades. A noção de “a deriva” surgiu no âmbito da chamada psicogeografia, formatada pelo criador da Internacional Situacionista, fundada por Guy Debord em 1972. Em resumo, para captar a essência da realidade urbana, o pesquisador deveria se colocar “a deriva” no ambiente que observa, sem um mapa previamente desenhado, deixando-se levar pelos ventos do acaso.

Coincidência ou não, assim se movimenta a personagem central do filme, que foi exibido em Cannes (foto acima): uma adolescente de 14 anos, que presencia a falência do casamento dos pais. Observando fiapos de conversa e retalhos de acontecimentos, ela vai construindo uma narrativa própria que acaba se tornando uma meia-verdade sobre a crise do casal, vivido por Vincent Cassel e Déborah Bloch. “A Menina Santa” (2004) do filme da argentina Lucrécia Martel faz a mesma coisa e, dessa forma, ambos os cineastas elaboram uma crítica ao realismo − ainda que possa ser interpretada como um drama adolescente e banal.
Durante o filme inteiro, a câmera acompanha a personagem da novata Laura Neiva (acima). Ou seja, só vemos aquilo que ela vê, mas, aos poucos vamos desconfiando de que as coisas sejam mais complexas do que lhe parecem. Ela acredita piamente que a mãe está se separando do pai porque este começara um caso com uma beldade da vizinhança interpretada por Camila Belle. Mas, no final, mudamos de idéia − sobre aquele caso e sobre o próprio filme.

A Deriva
Brasil 2009 – 103 min
estreia 31/07/2009
Gênero Drama
Distribuição: Paramount
Direção: Heitor Dhalia
Com Camilla Belle, Vincent Cassel,
Déborah Bloch, Laura Neiva, Cauã Reymond.

Outra semana fraca em lançamentos... Por quê? Perguntemos a Harry Potter.

Nesta semana 31/7/2009), novamente as estréias se limitam a apenas dois títulos. Isso se explica parcialmente pelo fato de ainda estarmos em férias escolares. Mas, na verdade, acontece que 80% das salas disponíveis no mercado estão tomadas por 5 títulos de Hollywood: "A Era do Gelo 3", "Harry Potter 6", "Inimigos Públicos", "A Proposta" (com Sandra Bullock em pelo) e "Transformers: A Vingança dos Derrotados".
Em outras palavras, os verdadeiros derrotados são os filmes feitos no Brasil, na Europa e na Ásia, que precisam se contentar com as sobras de espaço e agenda que os chamados blockbusters nos deixam. Assim, além de um filme americano de segunda, linha temos o lançamento bem interessante do último trabalho de Heitor Dhalia, o diretor do bem sucedido “O Cheiro do Ralo”. O americano é "Efeito Borboleta: A Revelação" (foto abaixo), terceiro exemplar da série iniciada em 2004 e que é considerado um “filme cabeça”, porque o protagonista tem a habilidade de viajar no tempo. Mas pode ser uma mera paródia do original. A conferir...

Já Heitor Dhalia surpreende com o seu "A Deriva", que tem a aparência de uma historinha fútil sobre adolescentes, mas é um curioso exercício de linguagem cinematográfica: a narrativa em primeira pessoa de uma moça de 14 anos, que passa para o filme todas as suas limitações afetivas e intelectuais. Na foto abaixo, diretor e elenco se apresentando em Cannes. Bem produzido, com música de Antonio Pinto e a belíssima fotografia de Ricardo Della Rosa, o filme tem um elenco afiado e foi exibido no último Festival de Cannes. É ambientado em Búzios nos anos 80, apresentando Vincent Cassel (Senhores do Crime), Débora Bloch (Bossa Nova) e a meio brasileira Camila Belle (abaixo, no filme 10.000 aC).

domingo, 26 de julho de 2009

“Confissões de uma Garota de Programa”, um exercício de ironia de Steven Soderbergh

O título original do filme é “The Girlfriend Experience” e corresponde a uma expressão usual nos anúncios americanos para acompanhantes que tem um sentido bem preciso: uma moça se oferece para “namorar” o interessado. O sexo se acha implícito no serviço a ser prestado, mas o essencial é a companhia, o bate papo íntimo e, talvez, uma dose de romantismo e cumplicidade. É como diz o crítico Roger Ebert, o “sucedâneo de uma ligação amorosa” e que, eventualmente, pode até apresentar efeitos terapêuticos. No limite, a profissional está vendendo o simulacro de uma relação humana autêntica e espontânea.
Para discutir esse assunto num contexto (a crise econômica de 2008 e a campanha presidencial) em que tudo se acha à venda, Steven Soderbergh (acima)adota a aparência de documentário, recorrendo a alguns maneirismos do gênero: iluminação natural, câmeras com baixa definição, imagens desfocadas e música incidental funcionando como trilha sonora. Quando não são enquadrados aos pedaços, como se fossem flagrados por uma filmadora indiscreta, os atores se colocam na postura hierática de entrevistados num programa de TV. Acima de tudo são rostos desconhecidos: não atores, ou profissionais que até hoje só apareceram em papéis secundários ou figurações. Menos a protagonista, que é interpretada por uma atriz veterana de 21 anos. Apesar da carinha de anjo, de 2006 até agora Sasha Grey já atuou em 160 filmes pornográficos e é conhecida naquele meio como especialista em perversões e extremamente ousada. Inclusive do ponto de vista comercial, porque mantém um site de negócios e dirige uma agência de “modelos”. Para a revista Rolling Stones, ela pode ser considerada “the dirtiest girl in the world”. (acima e abaixo, imagens de reportagem na revista)
Provavelmente do traquejo nos sets de filmes pornô, ela mostra um olhar de quem jamais leva nada a sério e que sugere um excesso de autoconfiança. Mas não há sexo explícito no filme e sua escolha para a personagem talvez tenha sido para explorar o contraditório: diante de uma jovem, bonita, particularmente despudorada e conhecedora de todos os truques eróticos (como o atesta o personagem do companheiro) seus clientes se mostram mais interessados em namorar. Dão conselhos sobre marketing e investimentos, querem que ela lhes conte detalhes sobre a vida particular, se queixam da família e, sobretudo, pedem colo e atenção. Com tanta voracidade e insistência, que ela chega a se contaminar em contato com tamanha carência afetiva. Porque, afinal, ela não é psicanalista, mas uma garota de programa que cobra 2 mil dólares por noite. Talvez por isso, nem pense que, se alguém quisesse um experimentar relacionamento verdadeiro, não pagaria tanto por um sucedâneo, como ela oferece.
E talvez nesse ponto se encontre a o maior interesse desse trabalho de Soderbergh, um novo exercício de refinada ironia, que faz ponte com os demais experimentos de “Full Frontal” (2003), “Bubble” (2005) e até com “O Segredo de Berlim” (2006). Filmes em que ele parece fazer de tudo para aparentar despojamento, apenas para afirmar a inevitável opacidade do cinema – um meio em que a paródia é por vezes mais forte que a própria criação. Aqui, o alvo do escárnio é norte americano atingido em sua auto-estima pela crise e, por meio dela, percebendo que assim, como as ações da bolsa, ele próprio não valia tanto quanto se pensava. A mídia também é atingida por meio do personagem do “erotic conaisseur”, um comentarista de garotas de programa, interpretado por Glenn Kenny, um conhecido crítico de cinema. Na foto abaixo, que não faz parte do filme, ele exibe o cotonete que marca o papel por ele desempenhado na trama.

Confissões de um Garota de Programa
The Girlfriend Experience
EUA, 2009,
distribuição Paris Filmes
estréia 14 agosto de 2009
Direção Steven Soderbergh
com Sacha Grey, Chris Santos, Glenn Kenny

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Esta é a semana do docudrama: três filmes desse gênero estreiam em São Paulo

Segundo o Compact Oxford English Dictionary docudrama é "um filme dramatizado baseado em eventos reais e incorporando aspectos de documentário". Já a Wikipédia prefere o termo docuficção para este gênero que se situa entre a ficção e o documentário. Porque, afinal, poderíamos pensar num filme histórico cômico, como foi "Carlota Joaquina" (1994), de Carla Camurati. Na foto acima, Marieta Severo, no papel da princesa do Brasil (abaixo).
É frequente o uso da docuficção em emissões de televisão destinadas a ilustrar um fato real com atores. A mais recente foi "Maisa", de Jaime Monjardim, ainda que a mais popular tenha sido "Dois Filhos de Francisco" (2005), de Breno Silveira. É nesse sentido que o termo docudrama é mais usado. É por vezes usado também para designar um documentário encenado, com objetivos didáticos, ou uma narrativa de ilustração histórica. Em ordem crescente de qualidade, são estes os docudramas da semana:
O Guerreiro Ghengis Khan

Os Inimigos Públicos

O Grupo Baader-Meinhof


Falando em docudrama, ainda é tempo de assistir "Jean-Charles" dos cinemas. Se baseia na história do mineiro que foi assassinado por policiais no metrô de Londres, após ter sido confundido, com um terrorista procurado pelas autoridades. Faz exatamente 4 anos que o fato aconteceu. O filme já foi visto por mais de 250 mil pessoas e deixa claro que o incidente não foi resultado de uma confusão de identidades, mas apenas de uma pista falsa que a polícia vinha seguindo, em meio à paranóia coletiva provocada pelos atentados que aconteciam seguidamente na cidade. O endereço do prédio em que Jean-Charles vivia (e onde também funcionava uma academia de ginástica) foi encontrado no bolso de um terrorista de verdade que fora preso alguns dias antes.

Para atribuir dramaticiade a essa narrativa, o diretor Henrique Goldman, se concentrou na luta do brasileiro para se estabelecer profissionalmente como eletricista naquela cidade. No dia em que foi executado, ele iria dar início a um novo serviço, capaz de lhe trazer o alívio financeiro de que necessitava. Na noite anterior, tinha se reconciliado com sua própria auto-estima ferida num malogro profissional, participando de um show com Sidney Magal, que valeu como um ritual festivo de encontro com suas raízes culturais. Nas semanas que antecederam o seu fim, tinha introduzido uma prima no cotidiano londrino, ajudando-a a superar a insegurança. Vivida com delicadeza por Vanessa Giácomo, que vimos em "Canta Maria" (2006), essa personagem funciona como "escada", ou seja uma coadjuvante com quem ele pode dialogar e mostrar seus pensamentos. E principalmente exibir os seus sentimentos nobres e altruistas, ainda que não fosse propriamente"um santo", como a habilidade de Selton Melo cuidou de deixar claro. Mas quem rouba a cena é Luis Miranda, no papel do primo com quem o protagonista morava. Na maior parte do filme, ele exibe uma impressionante capacidade de humor. Mas no final, a sua indignação comove de modo irressitível. Stephen Frears, que é produtor do filme chama-o de "black genious". Em seu segundo longa, o diretor brasileiro radicado na Inglaterra Henrique Goldman foi bastante hábil em integar a atuação de profissionais tarimbados com "não-atores", que de resto colaboraram muito para a impressão de realidade que o filme desperta.
Jean Charles
estreia 26/06/2009
Brasil, Inglaterra 2009, 90 min
Distribuição Imagem
Direção Henrique Goldman
Com Selton Mello, Vanessa Giácomo,
Daniel de Oliveira, Luis Miranda, Patrícia Armani

"O Guerreiro Gengis Khan" conta a saga do fundador do imenso império mongol

Lançado nos cinemas “O Guerreiro Gengis Khan”, uma supreprodução de 2007, dirigida pelo russo Sergei Bodrov, que há 10 anos filmava a aventura “Pura Liberdade”, produzida nos EUA pelo francês Jean-Jacques Annaud. Naquele mesmo ano de 2007, os japoneses filmaram outra biografia do conquistador mongol do século XIII Gengis Khan, com o título de “O Imperador do Medo” que, aliás, já foi lançada em DVD no Brasil (na foto abaixo).

Os dois filmes são bem realizados e muito desafiadores, para quem não tem intimidade com a história oriental. Mas, este do russo Sergei Bodrov é mais interessante como cinema, ainda que os dois, segundo o próprio público mongol, não sejam completamente fiéis à história. Que, aliás, se acha entremeada a mitos e lendas porque, até os 30 anos, Gengis Khan era apenas um guerreiro nômade chamado Temujin. Portanto, não existem crônicas e documentos escritos a seu respeito, ao contrário do que acontece com outros membros da aristocracia, como Cesar e Alexandre. Muito críticos, os mongóis reclamaram até dos cavalos de raças ocidentais que foram "contratados" para aparecer no filme.
Pode-se dizer que o Gengis Khan russo tem mais consistência antropológica, especialmente pelo desenho de um líder tribal que se torna um monarca e pela descrição do papel das mulheres. Nesse ponto a visão japonesa se mostra equivocada e perde a oportunidade de desenvolver um forte papel feminino, que serve de contraponto ao brutal protagonista de “O Guerreiro Gengis Khan”. Curiosamente, ele é interpretado por Tadanobu Asano (nas fotos acima e abaixo), artista japonês, considerado um dos maiores atores de seu país: uma mistura de Jonnhy Depp e Toshiro Mifune.

O Guerreiro Gengis Khan
Mongol
Rússia 2007 – 125 min
estreia 24/07/2009
Gênero: Histórico / Ação
Distribuição: Europa filmes
Direção Sergei Bodrov
Com Tadanobu Asano, Honglei Sun, Khulan Chuluun

"Os Inimigos Públicos" narra a origem do FBI e mostra os últimos dias de Dillinger

Chega aos cinemas “Inimigos Públicos”, o último trabalho de Johnny Depp. Ele faz o papel de John Dillinger − assaltante de bancos que, nos anos 30, junto com Baby Face Nelson, era considerado o mais perigoso “inimigo público”. Marion Cotillard, que ganhou Oscar pela personificação de Edith Piaff, interpreta a namorada dele, enquanto Christian “Batman” Bale faz o policial que o persegue até o fim.
Para os cinéfilos, entretanto, a garantia de qualidade para o filme é o nome de seu diretor Michael Mann que, há dez anos, lançava o célebre “O Informante”, com Al Pacino. Mas, que ninguém espere o mesmo impacto dramático de “Colateral” (2004) porque desta vez ele não é o dono da história. Ainda que adaptado para a ficção, o roteiro se baseia em fatos históricos, aliás, amplamente documentados e divulgados nos Estados Unidos. Mesmo assim, ele consegue se articular em torno de dois eixos: uma reflexão ético-política acerca da origem do FBI, em meio a uma mirabolante história de amor.
O filme é também uma homenagem ao cinema, diversão sem a qual o assaltante não podia ficar. A última coisa que fez em vida foi assistir "Vencido pela Lei" (1934) com Clark Gable. Abaixo, uma imagem do verdadeiro Dillinger. Não há propriamente uma semelhança física, mas Johnny Depp reproduz o mesmíssimo olhar cínico e debochado do personagem.

O filme é, na verdade, de Marion Cotillard e Johnny Depp. Ao criar um delinqüente sincero e simpático, ele mostra porque o delinquente era uma figura popular, mesmo sem tempo para compor um retrato psicológico. Quando Dillinger se declara apaixonado, por exemplo, a moça diz que nada sabe sobre ele. Numa resposta de 30 segundos, ele recita uma mini-biografia, para ela e para nós. Ou seja, o breve relato é tudo o que o diretor quis que soubéssemos sobre as origens do protagonista de “Inimigos Públicos”. Abaixo, uma foto famosa do assaltante, encenada com muita propriedade no filme. O personagem já foi tema de vários títulos, como o de John Millius, com Warren Oates, em 1973. Mas nenhum deles um elenco de craques como este e ou a acuidade de um diretor como Michael Mann.

Inimigos Públicos
Public Enemies
EUA 2008 - 140 min
Estreia 24/07/2009
Gênero policial/ docudrama/ histórico
Distribuição Paramount
Direção Michael Mann
Com Johnny Depp, Christian Bale,
Marion Cotillard, Billy Cudrup

domingo, 19 de julho de 2009

“O Grupo Baader-Meinhof”: docudrama que vem para recuperar o prestígio do gênero

Chega aos cinemas “O Grupo Baader-Meinhof”, que foi o grande favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Quem era universitário no começo dos anos 70, como eu e os realizadores do filme, víamos o mundo pegar fogo. Por aqui, Lamarca, Che, Allende e Marighella eram eliminados, enquanto a guerra do Vietnam e a morte de Luther King indignavam a todos. Parecia que este grupo alemão de guerrilheiros urbanos era indestrutível. Mesmo com seus líderes na prisão, eles continuavam agindo com uma agressividade e uma ousadia impressionantes, se comparados aos brasileiros VPR, ALN, MR8 e demais grupos clandestinos que atuavam na luta armada contra o regime militar.

Ninguém acreditou quando foi divulgado que eles se associaram aos palestinos em luta contra Israel. No ataque do Fatah à delegação israelense na olimpíada de Munique, em 1972, todo o mundo ficou de boca aberta ao ver os nomes dos cabeças do Baader-Meinhof na lista dos presos políticos a serem libertados. Dirigido por Uli Edel, o filme desvenda todos os mistérios do assunto. Por meio das personalidades de seus criadores, a jornalista Ulrike Meinhoff e o ex-presidiário Andreas Baader, por exemplo, pode-se entender melhor o estilo do grupo, ao mesmo tempo heróico e sanguinário. Ela era uma intelectual refinada que redigia os manifestos distribuídos após cada atentado. E ele era um deliquente que já tinha sido condenado antes de se tornar ativista político. (na foto abaixo, pelo ator Moritz Bleibtreu)
Com a precisão de uma cirurgia e a profundidade de um ensaio histórico, o filme foi produzido e escrito por Bernd Eichinger ("A Queda! – As Últimas horas de Hitler" – 2004), com direção de Uli Edel ("Eu, Christiane F - Drogada e Prostituída" – 1981). Os dois cineastas eram estudantes na Escola de Cinema em Munique, na época do chamado “setembro negro” de 1972. Naquele ano, após uma série de assaltos e atentados a bomba, o grupo alemão de guerrilheiros é preso. Em seguida, uma facção do palestino Al Fatah pratica um atentado terrorista na olimpíada de Munique e revela sua ligação com o Baader-Meinhof.

O filme pode ser considerado um docudrama de verdade, ainda que essa expressão tenha sido tão banalizada por filmes que não se mostram fiéis à documentação disponível e nem exploram plenamente as possibilidades dramáticas do acontecimento histórico. Muito menos oferecem, como este, uma interpretação, que ajude a entender melhor o tema abordado.
Acima, Moritz Bleibtreu e Johanna Wokalek, interpretando
Andreas Baader e Gudrun Ensslin, abaixo em foto de época

Com a ajuda de interpretes de primeira linha, como Martina Gedek (abaixo ainda como mãe de família burguesa) e Moritz Bleibtreu, é possível observar os fatos do ponto de vista dos guerrilheiros e compreender os meandros da sua constituição e de seu modo de agir. Em geral, a sofisticada argumentação de seus comunicados contrastava com a violência dos atentados. Se o roteiro de “O Grupo Baader-Meinhof” tivesse adotado outra perspectiva como, por exemplo, a do chefe de polícia – aliás, muito bem interpretado por Bruno Ganz – o filme teria uma estrutura diferente, e bem menos esclarecedora. Abaixo, a verdadeira Ulrich Meinhof, em foto de 1964.
Abaixo, a interpretação de Ulrich Meinhof por Martina Gedek
O Grupo Bader-Meinhof
Der Baader-Meinhof Komplex
Alemanha 2008
estréia 24/07/2009
distribuição Imagem
direção Uli Edel
Com Moritz Bleibtreu, Martina Gedek,
Johanna Wokalek, Bruno Ganz

terça-feira, 14 de julho de 2009

Corra: ainda dá pra ver o documentário "Um Homem de Moral" nos cinemas

Trata-se de um trabalho precioso do paulista Ricardo Dias sobre Paulo Vanzolini. A estrutura a um só tempo cartesiana e diversificada desse documentário poderia ser considerada “pós-moderna” – por lançar mão de diversos recursos estilísticos e harmonizar diferentes vozes, num todo integrado. Ainda que aparentemente simples, é primorosamente fotografado por Carlos Ebert, com estilos diversos. Cenas noturnas em que a câmara expõe a paisagem urbana da Avenida São João se misturam com outras passagens em que apenas captura momentos das gravações musicais e com situações em que o diretor, sutilmente, “arranca” declarações do entrevistado.

Os elementos empregados na feitura da obra mostram precisão e variedade. Por meio de uma narração em off, o próprio realizador explicita a sua ligação de amizade com o compositor que é tema do filme e utiliza fotos inéditas de Thomaz Farkas para sugerir o visual de São Paulo, no tempo em que Vanzolini começou a escrever canções. Mais adiante, recorre a registros brutos de ensaios e os combina com cenas da mesma música apresentada no palco de um show. Além disso, usa material de arquivo escolhido a dedo como, por exemplo, um impagável depoimento de Adoniran Barbosa e flagrantes de Vanzolini na selva, exercendo o seu ofício de zoólogo.
“A música dele é parecida com a minha, só que mais fina. Afinal ele é um cientista, um zoológico...” (Adoniran Barbosa)

Boa parte das 27 canções incluídas no filme é comentada pelo próprio autor, numa entrevista, e por meio de imagens que Ricardo Dias (na foto abixo com Vanzolini) foi captando e editando em função da “dramaturgia” implícita em cada uma. Assim, a interpretação de “Na Boca da Noite” é ilustrada por fotos de caminhoneiros e moças de estrada, enquanto “Volta Por Cima” é entoada coletivamente por cidadãos anônimos recrutados nas ruas. Em depoimento, o próprio diretor considera essa obra como pertencente a uma linha que ele chama de “o novo gênero de documentário musical”. Assim como "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders, que fundou esse "gênero", este filme é indispensável.

terça-feira, 7 de julho de 2009

"A Era do Gelo 3" cruza com Julio Verne e Moby Dick, em pleno centro da terra

O título original de “A Era do Gelo 3” é Dawn of the Dinosaurs – O Despertar dos dinossauros. Pra quem não tinha reparado, os protagonistas da série são um tigre dente de sabre, um mamute, uma preguiça gigante e uma espécie de esquilo que vive correndo atrás de uma avelã. Na “era do gelo”, ou seja, na última glaciação os dinossauros já se achavam extintos. Mas eles encontram e chocam três ovos imensos, dos quais surgem filhotes de tiranossauro.
Aliás, o tema principal de toda a série é a formação de uma espécie de família constituída daqueles seres tão biologicamente diferentes entre si. Dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, a Era do Gêlo parece um discurso em favor da aceitação da diversidade racial e cultural. Esse evidente anacronismo é superado por um absurdo ainda maior que é a presença dos dinossauros. A explicação é que os lagartos gigantes habitavam uma imensa caverna subterrânea, parecida com aquela imaginada por Julio Verne em “Viagem ao Centro da Terra”. Lá eles presenciam um conflito com um imenso réptil e uma doninha, que lembra a história clássiva de Moby Dick.

Quase que inteiramente ambientado nesse mundo ancestral e cheio de perigos, o filme é tão simpático e engraçado quanto os anteriores. Mas o melhor de tudo ainda são as participações especiais do esquilo Scrat, que obriga os realizadores a se exercitarem naquela comicidade direta, própria do cinema mudo e da animação puramente gráfica, quase abstrata de Chuck Jones (1912-2002), especialmente nos filmes do Papa Léguas sempre perseguido pelo Coiote.
A Era do Gelo 3
Ice Age: Dawn of the Dinosaurs
Distribuição Fox
estreia 10/07/2009
Direção: Carlos Saldanha