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sexta-feira, 21 de maio de 2010

A eterna Bahia de Jorge Amado está viva ainda, lá em “Quincas Berro d’Água”

Não há dúvida quanto ao esmero da produção de “Quincas Berro d’Água” e nem quanto ao conhecimento cinematográfico do diretor Sérgio Machado, extremamente hábil em manejar atores e locações. Tudo se inicia com uma citação visual de “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder, e uma narração em off por parte do protagonista − que diferencia o filme do texto original de Jorge Amado, narrado na terceira pessoa. Essa opção se mostrou bastante adequada à versão cinematográfica que, deve ter sido mais complicada do que a princípio pode parecer. Até porque se trata de acompanhar um morto sequestrado do velório pelos amigos: um grupo de bêbados que o carrega pelos becos e bordéis do centro velho de Salvador, até o cais do porto.
Com todo o seu talento, Paulo José teria pouco a fazer interpretando um defunto, se não pudesse contribuir com a sua voz na trilha sonora, comentando aqui e ali os acontecimentos. E também interpretasse uma ou outra passagem em flashback, como ele era em sua fase de farrista e um pedaço de sua vida de chefe de família e funcionário exemplar, antes de largar tudo para se tornar o maior beberrão do Pelourinho e adjacências. Para acrescentar mais material cinematográfico a essa singela trajetória, Sergio Machado ampliou a participação da filha, vivida com vitalidade por Mariana Ximenes, tornando-a a antagonista daquela turma de cachaceiros que arrastava o cadáver do pai pela noite baiana.
Com ajuda de um delegado encarnado por Milton Gonçalves, ela faz de tudo para recuperar os paternos restos mortais. Nesse afã de manter o tom de comédia, o clima e o ritmo do filme se aproximam um pouco das velhas chanchadas da Atlântida, contando inclusive com a indispensável pancadaria coletiva que era quase uma obrigação nos filmes de Oscarito e Grande Otelo. E como elas, “Quincas Berro d’Água” resulta num entretenimento familiar, sem uma única cena de nudez. Isto é, quase familiar, por conta do saboroso palavreado de baixa extração, que não poderia faltar numa história como esta. Mas, apesar dessa decisão racional, que vem da engenharia narrativa de Sergio Machado como roteirista, o espetáculo se sustenta pela carga emocional do conjunto.
Palmas para o mestre Adrian Cooper, o diretor de arte, que fez o espírito da eterna Bahia de Jorge Amado baixar como um orixá no set de filmagem. Aliás, poucas vezes no cinema uma casa de Candomblé foi representada tão viva e fielmente como ele conseguiu. E palmas para o elenco afiadíssimo, em que se destacam Irandhir Santos e Marieta Severo – atriz responsável pela cena carregada de ambigüidade, em que ela dança com o falecido, uma passagem desde já destinada a ocupar as futuras antologias de atuações memoráveis.
QUINCAS BERRO D’ÁGUA
estreia 21 05 2010
Brasil - 2010 – 104 min. - 14 anos
Gênero Comédia
Distribuição Columbia
Direção Sérgio Machado
Com Paulo José, Marieta Severo, Mariana Ximenes,
Luis Miranda, Irandhir Santos, Wladmir Brichta
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

domingo, 16 de maio de 2010

Ridley Scott apresenta um "Robin Hood" diferente de tudo o que o cinema já mostrou

Tudo bem quanto às liberdades que Ridley Scott tomou em relação à sua versão de “Robin Hood”. Elas partem de uma linha que ele vem seguindo em todos os seus espetáculos históricos. Ela consiste em dotar o protagonista de um determinado ponto de vista que coincide com o da classe a que pertence. Em “Gladiador” (Gladiator, 2000), a trama se organizava em função de um escravo, enquanto em “Cruzadas” (Kingdom of Heaven, 2005) a narrativa se construía a partir da visão de um senhor feudal, conforme o ideário cristão daquela época. Desta vez o herói é filho de um pedreiro, ou seja, de um artesão – categoria social que, junto com os mercadores, séculos mais tarde formaria o grupo chamado de burgueses. No século XII, em que se situa a lenda do aventureiro que “roubava os ricos para dar aos pobres”, eles constituíam um conjunto de pessoas quase marginais àquele modo de produção voltado para subsistência que se articulava basicamente em senhores feudais e camponeses
Como no campo da ficção história é lícito inventar, desde que não se contrarie o que esteja documentado, Scott fez do herói um arqueiro do exército com o qual Ricardo Coração de Leão foi lutar na Terceira Cruzada. Um personagem que esteve presente no cerco à fortaleza de Chalus-Chabrol, na França, onde o monarca morreu por meio de uma flecha disparada por um cozinheiro – mostrado, aliás, em close, porque o diretor costuma destacar a participação dos trabalhadores na ação dramática. Observado do ângulo em que Robin se situa, o cotidiano da batalha se assemelha à rotina dos operários numa fábrica. Em compensação, um letreiro comete a impropriedade de dizer que, após seu regresso do oriente, de passagem pela França e sem dinheiro, Ricardo resolveu saquear alguns castelos pelo caminho.
Na realidade ele estava sufocando uma revolta de seus vassalos na França, que aproveitaram a sua ausência da Europa para se rebelar. É que o rei da Inglaterra possuía vastos territórios no continente – quase um terço do que hoje é a França – de onde viera a sua família. Inclusive os cronistas afirmam que ele mal sabia falar inglês. Outra inexatidão de Scott é colocar o conflito com o rei Felipe II da França como se fosse uma guerra entre nações. Naquele tempo, os monarcas europeus eram quase todos parentes entre si e as guerras significavam imensas brigas de família.
Não existia o sentimento que hoje chamamos de patriotismo e que, ao final do filme, movimenta a batalha de defesa do litoral britânico contra um ataque de navios franceses comandado por Felipe II. Além de se parecer visualmente com a invasão dos aliados à Normandia em 1942, com os soldados desembarcando de barcaças muito parecidas, esse fato é inteiramente fictício. Felipe até chegara a se preparar para uma expedição invasora, mas foi seu filho Luis que conseguiu invadir a ilha em 1216. Igualmente imaginário é aquele grupo de centenas de terroristas franceses atacando os nobres na Inglaterra se fazendo passar por emissários do rei João.
Mas a par dessas ousadias que poderão irritar os puristas da historiografia, o filme oferece muitas qualidades. Em primeiro lugar, a fidelidade à história social e cultural: nada de roupinha verde ou bigodinho à lá Errol Flynn, por exemplo. Segundo o protesto de Lady Marion, majestosamente vivida por Kate Blanchet, o herói se vestia de cota de malha e cheirava mal. Além da aventura e do suspense, o filme apresenta uma forte acentuação dramática, na qual o personagem de Max Von Sidow, como uma espécie de pai adotivo de Robin, tem uma participação emocionante. Por sua vez, o componente visual do filme é irretocável, com destaque para os feudos, os palácios, as batalhas e a impressionante chegada da frota real àquilo que teria sido Londres daquele tempo. O aspecto mais curioso e imaginativo do roteiro, porém, é desenhar Robin Hood como o mentor intelectual da Magna Carta Libertatum, assinada por João Sem Terra em 1215. Há muito assassinado, o pai do protagonista teria sido o próprio redator do documento. Engrandecido como personagem, Robin chega proferir um discurso em prol da liberdade diante do monarca e seus barões. E nessa fala, Scott revela com clareza o horizonte ideológico daquele tempo, ao definir a essência política do que significava a palavra “liberdade”, que é o princípio tribal da reciprocidade – esse um forte legado tradicional das comunidades bárbaras. O documento exigia que o rei mantivesse reciprocamente o respeito e a lealdade aos seus vassalos. Assim como o cineasta que, mesmo se deixando levar pela imaginação, respeita e homenageia a inteligência de seu público.
ROBIN HOOD
Robin Hood
estreia 14 05 2010
Distribuição Paramount
EUA/Reino Unido – 2010 - 140 min. - 12 anos
Direção Ridley Scott
Gênero História / Ação / Política
Com Russell Crowe, Cate Blanchett e Max von Sydow
COTAÇÃO
***
BOM

terça-feira, 11 de maio de 2010

“O Desafio de Jean de La Fontaine”, um drama histórico sobre a monarquia absoluta

“O Desafio de Jean de La Fontaine” é um docudrama de primeira qualidade. Ou seja, trata-se da dramatização da um capítulo da vida daquele que foi um dos escritores franceses mais populares de todos os tempos. Trata-se de Jean de La Fontaine, contemporâneo dos dramaturgos Racine, Corneille e Molière, todos estimulados e comprometidos com a monarquia absolutista de Luis XIV. Assim como outros artistas da época, eles recebiam uma pensão da corte real. Menos La Fontaine que, durante um bom tempo, permaneceu refratário ao poder central. Enquanto Racine e Corneille escreviam tragédias, Molière fazia comédias, num momento cultural em que a literatura se achava associada ao espetáculo, porque era divulgada por meio da encenação teatral. Mas, mesmo fora do palco, o trabalho de La Fontaine se mostrava mais popular. Por isso mesmo, este filme que o elege como protagonista não poderia ser um relato sisudo ou circunspecto. É, de fato, uma aventura intelectual, política e amorosa, porque, na falta de correligiários que o apoiassem, La Fontaine se valeu das várias amizades femininas que cultivava.
Em suas fábulas, os animais simbolizavam os dramas humanos e, assim, podiam ser entendidas por todas as camadas da população. Até as crianças e os analfabetos tomavam conhecimento delas, contando-as uns para os outros, numa transmissão oral semelhante à das piadas. Algumas delas, usadas como panfletos políticos, como O Lobo e o Cordeiro ou A Cigarra e a Formiga. Ágil e divertido como uma fábula, e absolutamente fiel à história que retrata, “O Desafio de Jean de La Fontaine” ensina muito sobre os mecanismos políticos de um regime monárquico sem parlamentos ou partidos e sobre as relações entre a política e a arte na segunda metade do século XVII.
O Desafio de Jean de La Fontaine
Jean de La Fontaine – Le Défi
estréia 30 04 2010
2006 – França - 100min – Livre
Gênero História / drama / política / comédia
Distribuição Cine Sesc
Direção Daniel Vigne
Com Lorànt Deutsch, Philippe Torreton, Sara Forestier
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

“O Inferno de Georges Clouzot”: o "making off" de um filme que nunca foi terminado

“O Inferno de Georges Clouzot” é um precioso documentário sobre o filme que ele deixou inacabado desde 1964. Era um projeto de grande orçamento com dinheiro de Hollywood. Depois de “As Diabólicas” (1955) Clouzot se tornou o diretor francês mais famoso internacionalmente e aqui ele pretendia competir com Hicthcock em seu próprio terreno, ou seja, o suspense psicológico na linha de “Um Corpo que Cai”, lançado 5 anos antes. Mais que isso, a proposta era inovar radicalmente em termos de efeitos visuais numa linha então contemporânea, sob a influência da “optical art” e do concretismo de artistas como Vassarely.
No filme, por meio de um abundante material dos ensaios arquivados, vemos como essas trucagens foram idealizadas, recorrendo apenas a mudanças de luz e jogos de espelhos, com resultados impressionantes para aquele período muito anterior à computação gráfica. Curiosamente, muitas delas operando em continuidade com as experiências óticas inauguradas por Dziga Vertov nos anos 1920. Como a célebre sequência de "O Homem com Câmera" (1929) com uma locomotiva se aproximando em alta velocidade do cinegrafista e a câmera depositada sobre o trilho de trem.
Serge Reggiani interpreta um gerente de hotel alucinado de ciúmes pela esposa vivida por Romy Schneider. Depois de três semanas, Reggiani abandonou as filmagens, o projeto foi interrompido e as imagens permaneceram inéditas por mais de 40 anos. O documentário de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea investiga o que teria acontecido, por meio de cenas reconstituídas, entrevistas com artistas e técnicos que participaram daquela aventura e leituras dramáticas do roteiro. Em crise pessoal e profissional, depois disso Clouzot (na foto abaixo) ficou 4 anos sem filmar, até “A Prisioneira”, o seu derradeiro trabalho.
O Inferno de Henri-Georges Clouzot
L’enfer
estreia 07 05 2020
França (2009) – 94 minutos
Gênero Documentário
Direção Serge Bromberg e Ruxandra Medrea
Com Romy Schneider e Serge Reggiani
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

Exuberência visual e exagero criativo são os grandes atrativos de "Dr. Parnasus"

"O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus" é um filme para não ser perdido. Principalmente por quem está atento à chamada direção de arte, que é o componente visual do filme como um todo, ou seja, o a reunião de cenografia, figurinos e maquiagem. Concorreu ao Oscar dessa categoria, mas perdeu para "Avatar". Só que, do ponto de vista estético, o desafio aqui era bem maior e, por força do diretor Terry Gilliam (“Brazil, o Filme", 1985), as soluções em termos de desenho de produção exibiram muito mais ousadia e criatividade que o trabalho de James Cameron.
Vivido pelo veterano Christopher Plummer, o protagonista é um contador de histórias imortal porque há séculos fizera um pacto com o demônio. Este é interpretado pelo também cantor Tom Waits − numa atuação surpreendente e muito engraçada, sempre tramando para mandá-lo de vez para o inferno. Como exemplo de sofisticação visual, destaca-se o figurino que dá ao demônio a roupa ascética de Carlitos, com seu singelo chapéu-coco, enquanto veste o Dr. Parnassus com uma incrível mistura de trajes e adereços que ele teria trazido de todas as épocas e lugares do planeta.

Mas o destaque do elenco é Heath Ledger (Austrália, 1979 – 2005), o inesquecível Coringa de “O Cavaleiro das Trevas” (Dark Knight” - 2008) que lhe valeu o Oscar de coadjuvante. O ator (na foto acima) morreu durante as filmagens, mas, para não perder o que já tinha filmado, Gilliam resolveu a questão convocando outros três intérpretes para dar continuidade ao papel dele: Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell. E isso enriqueceu bastante o personagem, que tinha a função de representar o mundo real e prosaico, junto à surrealista caravana do Dr. Parnasus. Alguns críticos reclamam que o filme não tem uma unidade de estilo e cada uma das partes funciona como um espetáculo isolado. Mas, no meu entender, essa diversidade é mais um de seus muitos predicados. Depois de desfrutá-l0, é dicifil não se tornar "parnasiano".
O MUNDO IMAGINÁRIO DO DR. PARNASSUS
The Imaginarium of Dr. Parnassus
Direção Terry Gilliam
Canadá/França/Inglaterra
2009 – 117 min. - 14 anos
Gênero Aventura / fantasia
Distribuição Columbia
Direção Terry Gilliam
Com Johnny Depp, Heath Ledger,
Jude Law, Tom Waits e Colin Farrell
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"Viajo porque preciso, volto porque te amo": ousadia de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz

"Viajo porque preciso, volto porque te amo" é uma inacreditável experiência que bombardeia a fronteira entre o documentário e a ficção. Assinado por dois diretores Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, o filme ganhou os prêmios de Melhor Direção e Melhor Fotografia do Festival do Rio 2009 e também participou do Festival de Veneza. Foi quase inteiramente montado a partir de filmagens operacionais realizadas para a pesquisa de locações para “O Céu de Suely” ( exibido na mostra Orizzonti – Veneza 2006), de Karim Aïnouz, e de “Cinema, Aspirinas e Urubus” (premiado na mostra ‘Um Certo Olhar’ do festival de Cannes em 2005), de Marcelo Gomes. Trata-se de um caso talvez inédito de desenvolvimento de uma narrativa ficcional em função de um conjunto heterogêneo de imagens disponíveis.

O roteiro imagina um geólogo que estaria viajando pelo sertão nordestino, colhendo dados para o projeto de construção de um canal de irrigação. Esse personagem jamais aparece visualmente e só que temos dele é a voz em off, como se ele estivesse registrando um relatório de viagem num gravador portátil. Uma voz que interage com as imagens digitais, muitas vezes frias e precárias que ele mesmo vai captando: aqui uma moradia rural, ali uma feira, acolá um hotel paupérrimo. Há também algumas entrevistas, com famílias sertanejas e prostitutas de beira de estrada, por exemplo. E tudo isso passa a funcionar como se fossem tomadas subjetivas desse protagonista interpretado pelo competente pernambucano Irandhir Santos (“Besouro” e “Quincas Berro d’Água”). A história em si, não tem muita importância, mas pode-se dizer que, durante a viagem, o geólogo vai descrevendo as transformações mentais e afetivas que sofre, em contato íntimo com a aridez daquele ambiente e a tormenta da solidão. Ele não viaja para se divertir e nem o filme tem esse propósito. Espanto e estranhamento, junto com o prazer de observar algo absolutamente novo são algumas das sensações que ele pode provocar. Podemos entendê-lo como a rebeldia de uma coleção imagens digitais confinadas num disco rígido que exigiram para si um drama e um ator para lhes atribuir um novo sentido. E, como criadores sacudidos por esses simulacros de criaturas sepultadas num arquivo morto, Marcelo e Karim foram os médiuns que as trouxeram de volta à luz e à vida nas telas.
Em outras palavras, aquelas imagens que em sua captação original eram estritamente documentais foram inseridas num contexto ficcional e ganharam outro significado. Mais ou menos como fazia Duchamp com objetos prosaicos e utilitários que ele transformava em elementos de um discurso estético. E aí ocorre um rompimento com uma das principais características praticamente exclusivas do cinema documentário e que vem servindo inclusive para diferenciá-lo do filme de ficção, ou seja, a continuidade entre o universo que se posiciona à frente e o outro, que se se situa por atrás da câmera. Numa filmagem de ficção, por mais simples que seja, sempre há um conjunto de coisas e pessoas que pode ser chamado de bastidores, ou “backstage”. Isso também existia no chamado “documentário clássico”, que frequentemente recorria à encenação. Mas quando a câmara se coloca diretamente no mundo, desprovida da mencionada parafernália, é muito provável que ela esteja a serviço de um documentário, como vem acontecendo desde os anos 1960, graças ao advento do som direto e da crescente mobilidade das máquinas de filmar. Em suma, VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO prova que ainda há espaço criativo para o cinema experimental.
VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Brasil, 2009, 75 min, 14 anos.
estréia 07 05 2010
Distribuição Espaço Filmes
Gênero Drama / documentário
Direção Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Com Irandhir Santos
COTAÇÃO
* * *
B O M

domingo, 2 de maio de 2010

“Rita Cadillac – a Lady do Povo”, um documentário esperto de Toni Venturi

Ao desenvolver o documentário “Rita Cadillac – a Lady do Povo”, o cineasta Toni Venturi deve ter enfrentado o seguinte dilema. De um lado, era necessário mostrar que esse ícone do erotismo midiático de massa é também uma pessoa comum, como todos nós. Mas, nesse processo, o risco era que, em resultado, a personagem fosse privada do interesse e da curiosidade em torno dela. Afinal, a dançarina que durante uma década foi destaque no palco do Chacrinha e que rebolava semi-nua para milhares de garimpeiros em Serra Pelada, ou de presidiários no Carandiru, não passa de uma senhora de classe média, que freqüenta a feira livre e prepara carne de panela aos domingos para a família. A saída foi estruturar a narrativa com uma aparente linearidade, que desse a impressão de estar contando uma história de vida, passo a passo, em ordem cronológica desde o seu começo.
Na segunda metade da trajetória, porém, a linha do tempo real foi ligeiramente alterada, para permitir que os acontecimentos mais impressionantes ficassem para o final, obedecendo ao princípio da intensificação dramática. Falamos da sua intervenção no presídio do Carandirú, quando cenas de arquivo se misturam aos depoimentos de Dráuzio Varella e Hector Babenco. E também do seu casamento (de véu e grinalda) coincidindo com o auge de sua recente carreira de atriz pornô. O noivo não sabia que aquela festa era a de seu próprio casamento e declara sem querer e sem se saber filmado, no ápice do filme: “pensei que era a festa das Brasileirinhas”.
Isso é que o que se chama de cinema-verdade!
RITA CADILLAC – A LADY DO POVO
Brasil - 2007 – 77 min. - 18 anos
estreia 16 04 2010
Gênero Documentário
Distribuição Espaço filmes
Direção Toni Venturi
COTAÇÃO
* * *
BOM

Em cartaz a melhor comédia de Woody Allen nesta década: “Tudo pode dar Certo”.

“Tudo pode dar Certo” é o título brasileiro deste último filme de Woody Allen. Mas, de fato é uma afirmação enganosa, a não ser no cinema deste humorista que é capaz de explorar o lado cômico de qualquer coisa. Como é o caso deste protagonista que, novamente, representa uma projeção explícita da sua própria personalidade. Desta vez, um tipo intragável, egocêntrico, autodestrutivo e desesperançado, que se considera um gênio incompreendido, por ter sido indicado em vão para o Prêmio Nobel de física. Depois de abandonar a profissão, bombardear o próprio casamento e tentar o suicídio, ele vive de dar aulas particulares de xadrez para crianças. É assim que o encontramos envelhecendo em Manhattan, interpretado pelo cômico de TV Larry David, das séries “Seinfield” e “Segura a Onda”. O personagem é uma espécie de reencarnação de Groucho Marx (Nova York, 1890-1977) que, nos filmes do grupo “Os Irmãos Marx”, sempre vivia cômico um tipo cujo maior prazer era ridicularizar verbalmente a todos, inclusive amigos e alunos.

Sendo ele mesmo um instrumentista amador, para Woody Allen a música é um universo precioso e carregado de significação. Assim, ao lado da 5ª Sinfonia de Beethoven, alguns acordes de Stan Getz tocando bossa nova e uma canção de Fred Astaire merecem menção na trilha sonora. A presença mais destacada, porém, é ouvida antes do início do filme, junto com os créditos de abertura – que consistem apenas em letras brancas sobre a tela negra. Trata-se de “Hello, I must Be Going”, o primeiro número musical cantado por Groucho, no segundo filme dos Irmãos Marx, “Os Galhofeiros” (Animal Crackers) de 1930. A música é tão identificada com o cômico que seu título coincide com o da sua autobiografia e foi a escolhida para abrir o lendário recital que ele fez no Carnegie Hall em 1972. Veja a cena no You Tube, por meio do seguinte link:
http://noolmusic.com/youtube_videos/groucho_marx_-_hello_i_must_be_going.php

Groucho Marx é, de fato, a matriz para a criação do rabugento personagem vivido por Larry David. Woody Allen já tinha homenageado Groucho, posando como ele para a capa da revista “Vanity Fair” em 1983 e principalmente em seu musical “Todos Dizem Eu Te Amo”. Há uma cena no filme de 1996 em que os atores se vestem com a casaca e o bigode pintado típicos daquele comediante, para dançarem ao som de “Hooray for Captain Spaulding”, também de “Os Galhofeiros”. Em 1972, Woody Allen escreveu o que pensava dele, nas notas do disco “An Evening with Groucho”, com gravação do seu show de retorno no Carnegie Hall:
“Há alguns anos atrás, depois de uma infância de preocupação com a comédia, que me levou a observar os estilos de todos os grandes comediantes, eu cheguei a conclusão que Groucho Marx era o melhor comediante que os Estados Unidos já produziram. Agora eu estou mais convencido que nunca. Não consigo pensar em outro comediante capaz de combinar uma concepção totalmente física com um ataque verbal do mesmo calibre. Ele é simplesmente único, do mesmo modo que Picasso ou Stravinsky. E eu acredito que seu desrespeito ultrajante e pouco sentimental pela ordem será igualmente engraçado no próximo século”.
Como uma lâmina sempre afiada, o humor verbal de Groucho não perdoava nada e ninguém. Mas essa esperteza era invariavelmente neutralizada em cena pela estupidez de Chico Marx e pela inocência de Harpo Marx. De maneira análoga, em “Tudo pode dar Certo”, o intelectualmente refinado, pretensioso e ranzinza ex-cientista é derrubado pela ingenuidade quase infantil de uma garota interiorana, cuja vida se cruza por acaso com a dele. O papel é de Evan Rachel Wood (“Across the Universe”), mas a comicidade se amplia com a presença de Patricia Clarkson (“Vicky Cristina Barcelona”), fazendo a mãe que aparece para resgatá-la do físico que quase ganhou o Nobel (de melhor filme, como diz a filha). Ele se diferencia das demais figuras do filme porque, volta e meia, se dirige para a câmera e dialoga com os espectadores. Talvez brechtiano, esse recurso de afastamento garante um mínimo de aproximação conosco, que afinal estamos ali por causa dele. Pelas mãos habilidosas de Woody Allen, esse homenzinho insuportável ganha uma sobrevida ao se relacionar com o essencial da paisagem humana de Nova York, ou seja, a imprevisibilidade dos encontros e relacionamentos. Nesse caos urbano, ele se refugia da angústia e reencontra a graça de viver, permitindo que o filme termine melhor do que começara e obedecendo à máxima contida no título original “Whatever Works”, isto é, “Qualquer coisa que funcione”.

TUDO PODE DAR CERTO
(Whatever Works)
estréia 30 04 2010
EUA / França - 2009 – 90 min. - 12 anos
Gênero Comédia / drama
Distribuição: California filmes
Direção Woody Allen
Com Larry David, Patrícia Clarkson, Lyle Kanouse

COTAÇÃO
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Ó T I M O