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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"O Capital": último filme de Costa-Gavras que, aos 80 anos, segue se renovando

A melhor estreia da semana é "O Capital", título emprestado de Karl Marx para este trabalho do mestre Costa-Gavras, o cineasta grego que ganhou Oscar de roteiro em 1982 por “Desaparecido”. Agora com 80 anos, ele filma com a agilidade e o entusiasmo de um iniciante, dando-se ao luxo de passar de uma situação objetiva para a imaginação de um personagem, na mesma sequencia. O comediante marroquino Dag Elmaleh interpreta um economista de classe média que, por meio de um golpe de sorte, se torna presidente de um banco, em plena crise econômica atualmente enfrentada pela Europa. 
Há uma sensação geral de “salve-se quem puder” num barco afundando, ou num daqueles fortes de madeira cercado pelos índios, nos filmes de faroeste. Aliás, a narrativa evolui em ritmo de western, inclusive porque, no ambiente das altas finanças, o clima é de matar ou morrer. Um tiroteio generalizado de intrigas e traições, em que a atual tecnologia permite antecipar de onde virá o próximo tiro, sem que seja possível evitá-lo. O duelo que se inicia, pela manhã, em Tóquio pode prosseguir à tarde em Miami e concluir-se à noitinha em Paris. 
A abordagem de Costa-Gavras, entretanto, vai além dessa constatação sobre o maquiavelismo inerente ao universo globalizado dos banqueiros. Por meio de seus personagens, todos plausíveis, ele passa a impressão de que o sistema capitalista, ao contrário de se enfraquecer com as crises cíclicas, vem se fortalecendo. E as classes sociais adquirindo a mesma rigidez das castas e estamentos próprios da Idade Média. 
O CAPITAL 
Le Capital
estreia 04 10 2013
gênero drama/ política/ história 
França, 2012, 114 min, 12 anos
Distribuição: Paris Filmes
Direção Costa-Gavras
Com Gad Elmaleh, Gabriel Byrne, Natacha Regnier
COTAÇÃO
* *  * *
Ó T I M O

Balanço do Festival do Cinema Brasileiro do Brasília: texto longo, para ser lido com calma.

Na cerimônia de abertura, o prato principal foi oferecido pela cineasta meio carioca meio brasiliense Betse de Paula – a figura vitoriosa do último Festival de Pernambuco pela engenhosa comédia “Vendo ou Alugo”, cuja qualidade não teve a merecida acolhida pelo público. Fora de competição, ela mostrou o seu primeiro documentário que é “Revelando Sebastião Salgado” (foto acima), sobre esse fotógrafo que é atualmente um dos mais celebrados do país. No esforço de obter um resultado eficiente e elegante, para evitar também que o projeto se confundisse com uma hagiografia, porém, ela teve que fazer milagre, porque o Salgado parecia querer dirigir o filme. Determinava o trajeto da câmara, abria arquivos e gavetas catalogadas com precisão virginiana e apontava as imagens que deveriam ser registradas. Tudo bem, se tivesse sobrado algum espaço para a discussão ou o questionamento de seu discurso, sempre firme e seguro, tendendo, aliás, para o monolítico.

A mostra competitiva do festival começou à sombra de um acidente que veio roubar um pouco da euforia formada em torno da reinauguração do emblemático Cine Brasília, há vários anos fechado para reformas só agora concluídas. Um problema técnico, supostamente provocado pelo excesso de informação contida no HD da projeção digital, determinou que, quase meia hora antes de seu encerramento, a exibição do longa-metragem de ficção “Pobres Diabos” (foto acima) fosse suspensa. Tomada de surpresa, a organização só comunicou no dia seguinte para quando seria marcada uma nova exibição da obra – o que foi complicado, uma vez que a agenda das mostras competitivas se achava bastante apertada. Eram ao todo 30 obras concorrentes, ou seja, seis documentários de longa-metragem e mais seis de curta-metragem; seis longas-metragens de ficção e mais seis curtas; além de seis curtas metragens de animação – num total de 5 filmes por sessão, que começava às 7 da noite e geralmente se estendia para além da meia noite.
Mesmo assim, o filme do cearense Rosenberg Cariri seria eleito o melhor do certame, de acordo com o júri popular. A tragicômica jornada pelo sertão nordestino de um circo pra lá de mambembe, com a encenação da tradicional batalha entre Lampião e Lúcifer, acompanhada pela disputa (foto acima) entre o palhaço (Chico Diaz) e o gerente (Gero Camilo) pelo coração e demais prendas da cantora (Silvia Buarque). O diretor do filme interrompido é o veterano Rosemberg Cariri, o mais conhecido do Ceará, autor de 12 longas de ficção, entre eles, “Corisco e Dadá”. Este trabalho com que ele concorria em Brasília é um dos mais bem resolvidos de sua carreira, desenhado num tom a um só tempo poético e realista, um pouco à maneira de Chaplin e Pasolini, mas muito brasileiro na construção dos tipos. Um grupo de esfarrapados reunidos num circo paupérrimo que, de certa forma, faz coro com as dificuldades financeiras e técnicas que insistem em assombrar o áudio visual do país.
Ao longo da exibição dos filmes concorrentes, a constatação de que os documentários se colocavam acima das obras de ficção, em termos de qualidade cinematográfica, foi se consolidando. Logo na segunda noite da competição, os filmes de ficção apresentados se mostraram decepcionantes. Tanto o curta cearense “Lição de Esqui” quanto o longa baiano “Depois da Chuva” (foto acima) abordaram a juventude, mas tropeçaram num problema tão velho que parece ter se tornado crônico, ou seja, a ausência de um roteiro consistente capaz de orientar o projeto e lhe dar sentido. É triste ver realizadores que associam inexperiência à falta de humildade diante dos temas abordados, às vezes complexos demais, como aconteceu no caso do longa, que tentou elaborar o retrato emocional de um jovem de Salvador, na época da frustrada eleição de Tancredo Neves. Faltou fundamentação social, política e psicológica para garantir o interesse nessa história de rebeldia estudantil. O filme vale, porém, pela trilha sonora e pela atuação de Pedro Maia, que terminaria por ser premiado como o melhor ator.

Um sopro de criação e originalidade veio com o curta documentário “O Canto da Lona” (foto acima) do paulista Thiago Mendonça que, em 2012, vencera o Festival de Brasília com a “Guerra dos gibis”. Desta vez ele focaliza o mundo do circo por meio de uma estratégia encantadora que é a de reconstituir momentos musicais clássicos dos picadeiros. Enquanto relembra o agitado período anterior à sua aposentadoria, um pequeno grupo de veteranos orienta jovens intérpretes na remontagem de antigos números. A surpresa mais benvinda aconteceu com “O Mestre e o Divino”, de Tiago Campos, que seria escolhido como o melhor documentário pelo júri oficial. Ele traz dois personagens riquíssimos, descobertos no ambiente das comunidades indígenas fundadas por missionários salesianos: um velho padre e seu discípulo de catecismo, ambos apaixonados por cinema, documentaristas instintivos e amadores, para quem a falta de recursos e de formação técnica é compensada por um enorme talento. Na verdade essa é a grande missão dos festivais: revelar joias raras como estas. Como já tínhamos percebido, o gênero documentário salvou o Festival, com concorrentes de longa-metragem tão bons que o Juri deve ter tido dificuldade para escolher o melhor. Venceu “O Mestre e o Divino”, o mais divertido e cinematográfico de todos. 
Com produção do projeto Vídeo nas Aldeias, que estimula os próprios indígenas a registrarem a sua realidade em mídias audiovisuais, o filme focaliza um instigante conflito entre dois cineastas voltados para o mesmo assunto, isto é, a cultura xavante tal como ela se manifesta na missão salesiana de Sangradouro, no Mato Grosso. O Divino do titulo é um jovem nativo (foto acima) que não apenas se dedica a esse objetivo, mas também procura ensinar os rudimentos de captação e edição aos companheiros de tribo. O curioso é o relacionamento tão filial quanto competitivo dele com o mestre Adalbert Heide, um velho missionário salesiano alemão que desde os anos de 1970 coleciona um precioso acervo com centenas vídeos sobre os xavantes – todos minuciosamente catalogados, exatamente como faz Sebastião Salgado com suas fotos. 
Só que “O Mestre e o Divino” revela as inúteis tentativas do velho missionário (foto acima) em comandar a filmagem. Essa birra entre eles, o cineasta índio e seu professor, corresponde ao inevitável conflito de gerações e, ao mesmo tempo, a um confronto entre dois estilos de fazer cinema, porque as obras do velho religioso são quase todas encenadas. Nelas, os guerreiros se mostram convenientemente vestindo folgados calções e os nomes dos rituais aparecem traduzidos para o português, de um modo adequado à doutrina cristã. Ou seja, o que era para ser apenas um registro rotineiro, foi transformado num documentário denso, com múltiplos e diversos significados, graças à inteligência de um jovem antropólogo mineiro, formado em Brasília e radicado em Pernambuco. Vamos guardar o nome dele e do filme: Tiago Campos, autor de “O Mestre e o Divino”.
FOTOS JUNIOR ARAGÃO

É difícil explicar a percepção que, neste ano em Brasília, a qualidade do conjunto de documentários superou a dos filmes de ficção. De um lado, isso reflete o conjunto das centenas de obras que foram inscritas para a competição, mas, pode também indicar uma tendência da produção brasileira como um todo. O ascendente cinema pernambucano se fez presente com “Amor, plástico e barulho”, de Renata Pinheiro, uma documentarista premiada por seus curtas “Super Barroco” e “Praça Walt Disney”. Em sua estreia na ficção, ela focaliza o mundo da chamada música brega do Recife, em que duas garotas do interior (foto acima) tentam sobreviver como cantoras no ambiente das casas noturnas de baixo nível. Suas magnéticas intérpretes levaram os prêmios de melhor atriz (Maeve Jenkins) e atriz coadjuvante (Nash Laila). Maeve é a figura da direita... 

O universo em que elas se movem é bem reconstituído, mas a trama é pequena e desperta pouco interesse. Faltou um enredo de mais envolvimento narrativo, do mesmo modo como em “Rio Corrente” do paulista Paulo Sacramento, outro documentarista consagrado pelo célebre “O Prisioneiro da Grade de Ferro” que, ainda assim, contando apenas com um mero triângulo amoroso, concorreu com o trabalho de ficção mais sólido dentre os demais. Do mesmo mal, ou seja, de uma dramaturgia esgarçada e rarefeita, padece “Avanti Popolo”, filme paulista de Michael Wahrman num longa de estreia, em que os atores se salientam mais que a história: são eles, o professor Andre Gatti e o saudoso cineasta Carlos Reichenbach (foto acima), em sua derradeira aparição na tela.
FOTOS JUNIOR ARAGÃO

Em suma, se não houvesse separação entre ficção e documentário – como ocorre, aliás, em outros festivais – talvez os principais prêmios ficassem com este gênero. O longa “Plano B”, por exemplo, é outro documentário baseado no brilho de uma ideia: em 1967, no auge do cinema novo, Joaquim Pedro de Andrade (“Macunaíma”) fizera um documentário sobre Brasília, trazendo uma aprofundada crítica à exclusão social que já se manifestava na capital da república. Como estávamos em plena ditadura, aquele filme foi engavetado pelo próprio patrocinador. Mas agora, 45 nos depois, o brasiliense Getsemane Silva compara a metrópole ali mostrada com as condições atuais em que ela hoje se encontra – com a participação do ator Joel Barcelos, do fotógrafo Afonso beato e do roteirista Jean-Claude Bernardet (foto acima). O júri popular acertou ao escolher “Pobres Diabos” – o único longa-metragem de ficção a se mostrar satisfatório em quase todos os aspectos, especialmente o da comunicação com a plateia. 

Já o júri oficial elegeu melhor filme justamente o mais distante de uma possível aproximação do público. “Exilados do Vulcão” (foto acima) de Paula Gaitan, viúva de Glauber Rocha, é uma produção de 125 minutos, muito bem fotografada em suas locações de Cataguases no interior de Minas, mas sem qualquer diálogo. É como se fosse um filme mudo, só que sem letreiros. Nem é possível dizer se a historia tem algum interesse, por que é bem difícil descobrir qual seja ela. Já os curtas de ficção eram todos sofríveis e o escolhido foi justamente um dos piores, feito por dois estudantes de cinema, como um trabalho escolar. O mesmo acontece com os de animação, em que o premiado foi “Faroeste”, um dos mais confusos e tecnicamente primários da competição.
“A Arte do Renascimento – uma cinebiografia de Silvio Tendler” compensa certa carência de recursos com o entusiasmo por parte de direção de Noilton Nunes, com a importância dos filmes focalizados e com a simpatia temperada pelo bom humor do próprio personagem central – Silvio Tendler uma das figuras mais respeitadas do ambiente cinematográfico. Já “Hereros Angola” (foto acima) do fotógrafo e publicitário pernambucano Sergio Guerra se mostra extremamente bem produzido, com uma fotografia requintada e uma pesquisa que parece ter sido profunda e intensa. Focaliza uma etnia nômade angolana até então desconhecida por aqui, repleta de aspectos curiosos e até desconcertantes. Como é o caso de seus hábitos sexuais peculiares e o fato do banho não fazer parte de seus costumes cotidianos, sem falar de uma estética bem singular, que inclui determinadas mutilações corporais. O problema é a escolha de um formato clássico e relativamente costumeiro para a abordagem do tema, que lembra o convencionalismo editorial dos canais estrangeiros de TV a cabo, como o Discovery e o National Geographic.

Por sua vez “Morro dos Prazeres”, da brasilense formada na Holanda Maria Augusta Ramos – consagrada por “Juízo” (2007), analisa com ritmo e grande competência a intervenção das Unidades Policiais Pacificadoras numa das principais favelas do Rio de Janeiro. Do ponto de vista da investigação, o filme mais impressionante foi “Outro Sertão” sobre a atuação humanitária de Guimarães Rosa (foto acima), entre 1938 e 1949, quando o escritor foi vice-cônsul do Brasil em Hamburgo, durante o nazismo. As pesquisadoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela descobriram documentos inéditos que informam sobre diversos judeus que fugiram para o Brasil por meio de Guimarães Rosa e um programa de TV em que ele é entrevistado – registro único nesse gênero. Reiterando a impressão inicial, todos os documentários participantes do 46º Festival de Brasília se revelaram interessantes, cada um a seu modo, o que representa uma excelente contribuição para o crescimento desse gênero.
Na foto abaixo eu estou ao microfone, num dos debates do festival, enquanto na extrema direita da imagem, vemos o crítico Luiz Zanin provavelmente se perguntando: "como é que esse cara vem ao debate de shorts e camiseta regata!?!"

FOTOS JUNIOR ARAGÃO