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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

“Lula- o filho do Brasil”, apesar de docudrama, um filme com lado A e lado B

Em 2008, o ator e produtor Bob Balaban (o crítico de cinema em "A Dama na Água") quase ganhou vários Emmys e Globos de ouro com “Bernard e Doris – o mordomo e a milionária”, sobre Doris Duke, uma célebre herdeira americana falecida em 1993 (foto abaixo). Com Ralph Fiennes e Susan Sarandon (afiadíssimos), este curioso filme produzido para a TV, com qualidade superior à média das peças da mesma linha, acaba de ser lançado em DVD e abre com um letreiro dizendo “Algumas das coisas a seguir se baseiam em fatos. Outras não” (Some of the following is based on fact. Some of it is not). É um modo sintético de advertir e sublinhar que o filme tem algo de histórico, mas é acima de tudo uma peça de ficção. Essa integração se manifesta desde o início, de modo que a narrativa flui bem, conforme sugerem os personagens.
Uma fluência dessa natureza, porém, não acontece em “Lula- o filho do Brasil”, que parece enfeixar dois filmes sob um único título. A primeira parte emociona com a luta pela sobrevivência daquela família de nordestinos conduzida em seu deslocamento para São Paulo por uma mulher. Há momentos marcantes e bem colocados em termos de linguagem de cinema, como por exemplo a sequência em que a personagem de Glória Pires recebe uma carta do ex-marido, lida por um dos filhos interpretando o texto conforme seus interesses. Em seguida, gradativamente a narrativa se concentra sobre Lula e seu esforço para se casar e afirmar-se como trabalhador. A dramaticidade do filme se encerra quando ele alcança esse objetivo, porque a atividade de sindicalista aparece depois disso, como uma espécie de hobby ao qual ele, por acaso, passa a se dedicar. A partir daí, o roteiro se limita a descrever friamente os acontecimentos, como quem desenha o perfil oficial de um político, sem jamais se intrometer no mundo interior do protagonista. Essa seleção, aliás, se mostra aqui bem diversa da que vimos em documentários como "Peões" (Eduardo Coutinho - 2004).
LULA - O FILHO DO BRASIL
Brasil 2009 – 130 min.
estreia 01/01/2010
Gênero drama / história / política
Distribuição Downtown
Direção Daniel Tendler e Fábio Barreto
Com Glória Pires, Rui Ricardo Diaz,
Cleo Pires e Juliana Baroni

sábado, 26 de dezembro de 2009

“Ervas Daninhas”, o último trabalho de Alain Resnais: como sempre uma surpresa

Em “Ervas Daninhas” (Les Herbes Folles), Alain Resnais (1922 – França) ensaia novas formas de linguagem. Com quase 90 anos ele continua preocupado em inovar, como em 1961, com “O Ano Passado em Marienbad”. Desta vez ele realiza uma adaptação radical de obra literária, ao estender essa característica à própria estrutura do filme. Logo de cara rompe com a filiação do roteiro cinematográfico em relação à dramaturgia teatral. No palco cênico, de modo geral, a representação acontece por conta da ação física, em que um ator imita alguém. Ele interpreta um determinado “eu”, em cuja trajetória interage com outros “eus”, basicamente pelos diálogos. É neles e com eles que as intenções e desejos de cada um se manifestam. Essa dialogia cênica também predomina no cinema, mesmo quando os protagonistas precisam agir em silêncio. No recente “Instinto Secreto” (“Mr. Brooks” – 2007), por exemplo, Kevin Costner interpretava um assassino serial que era visto em ação apenas pelas próprias vítimas. Para dotá-lo de uma “escada”, ou seja, de outra figura com quem ele possa conversar sobre essa atividade secreta, o diretor criou um “amigo imaginário”. Mas “Ervas Daninhas” é narrado na 3ª pessoa, pela voz de um narrador fora de cena, que titubeia e hesita, como qualquer personagem do filme e aparenta ter menos certezas sobre o que está contando do que nós os espectadores. Mesmo com uma trama esgarçada e pouco significativa, esse curioso procedimento garante o interesse do filme, todo montado em função do estilo de Christian Gailly, escritor do texto em que o filme se baseia.
A longevidade de Alain Resnais (foto abaixo) que, aos 88 anos, lança “Ervas Daninhas” pode levar as pessoas a procurarem uma conexão temática entre seus filmes anteriores, em busca de uma lógica para talvez “explicar” a carreira do cineasta. Não me parece, porém, que essa procura possa render frutos palpáveis, mesmo porque Resnais, como ele próprio declara, sempre se esforçou para diferenciar cada uma de suas obras de todas as demais.
Para a FSP ele disse: “fazemos o primeiro filme para superar o segundo e o terceiro para superar o segundo. Minha ambição, evidentemente, é jamais me repetir, mas isso talvez não seja possível.” Alguns analistas tentam associar "Ervas Daninhas" ao experimento que ele fez com “Meu Tio da América”, em 1980 sobre as teorias comportamentais de Henri Leborit. Numa entrevista recente, aliás, o cineasta afirmou que “a maior parte das nossas ações são intuitivas”. Mas intuição nada tem a ver com a idéia de instinto, com a qual Laborit trabalhava. O que temos enfim de distintivo neste “Ervas Daninhas” é a escolha de um desenho para a narrativa que é o de um relato em terceira pessoa. Ou seja, um roteiro em que a voz do narrador é tanto ou mais fundamental quanto o diálogo entre os personagens. Essa posição se esclarece logo de início, quando o narrador informa que a personagem estava comprando sapatos numa rua que ele não se lembra qual seja e a câmara nos mostra as arcadas da Rivoli – que é talvez a rua mais conhecida de Paris.
Ervas Daninhas
Les Herbes Folles
Direção Alain Resnais
estreia 25/12/2009
França - 2009 – 104 min.
Gênero comédia / mistério
Distribuição: Imovision
Com Sabine Azéma, André Dussollier,
Emmanuelle Devos, Mathieu Amalric

A técnica de filmagem é tradicional, mas protagonista negra é novidade na Disney.

“A Princesa e o Sapo” é o mais recente desenho animado da Disney. Por meio dele, a empresa mostra que não pretende exilar para o fundo de uma gaveta todo o capital de prestígio e conhecimento que acumulou na era das duas dimensões e da técnica de animação analógica, anterior à computação gráfica e digital, atualmente dominantes. O filme é concebido e dirigido por John Musker e Ron Clements de “A Pequena Sereia”, Hércules" e “Aladdin”. Desde 2004, quando adquiriu a Pixar, o estúdio não realizava nada nessa técnica hoje considerada tradicional, mas ainda não ultrapassada − como prova este delicioso espetáculo. Outra opção é o retorno ao estilo “musical da Broadway”, em que a ação é pontuada por requintados números musicais.
Este é sem dúvida um dos grandes atrativos do filme, além do humor obtido pala carnavalização de um conto de fadas. A palavra é usada aqui no mesmo sentido proposto por Mihail Bakhtine e também por que a história se passa nos anos 1920, em plano carnaval de New Orleans. Mas as canções, magnificamente escritas por Randy Newman, alternam temas do jazz tradicional e da música country. O enredo de “A Princesa e o Sapo” é literalmente uma inversão da fábula original dos irmãos Grimm, o que permite saborosos comentários sobre o racismo e as diferenças de classe. Sinal dos tempos: nunca antes a Disney tinha criado uma protagonista afro-americana.
Há uma passagem particularmente poética sobre um vagalume que se apaixona por uma estrela. No quesito criatividade, destaca-se uma deslumbrante animação dentro do desenho animado, com a protagonista se imaginando a dona de um restaurante, tal como aparece numa ilustração “art-decô” dos anos 20. No mesmo aspecto, apenas dois reparos: o tamanho dos olhos da princesa que lembram os mangá japoneses e a extrema simplicidade no design dos sapos. Como curiosidade, na versão original o príncipe é dublado pelo brasileiro Bruno Campos que, depois de "O Quatrilho" (1995), vem fazendo carreira em Hollywood.

A Princesa e o Sapo
The Princess and the Frog
EUA - 2009 - 97 min
estreia 11/12/2009
Distribuição Disney
Direção John Musker e Ron Clements

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O anos começa com uma farsa de má qualidade: “Contatos de 4º Grau”

Dizem que a palavra mockumentary foi criada em 1984 pelo humorista Rob Reiner, ao lançar “This is Spinal Tap” (foto abaixo) − falso documentário sobre uma banda de rock que nunca existiu. Essa prática vem se disseminado de tal modo que se transformou numa espécie de estilo cômico. Só dá pra fazer piada com isso porque, atualmente, ninguém mais consegue enganar ninguém recorrendo aos maneirismos do documentário. Mas, agora surge uma novidade que é o falso docudrama, ou seja, o filme de ficção baseado em acontecimentos verdadeiros. Falo de “Contatos de 4º Grau”, um absurdo dirigido pelo novato diretor americano Olatunde Osunsanmi.
Nos títulos desse gênero há uma espécie de convenção que leva a inserir, antes de começar o filme, um letreiro avisando essa sua ligação com a chamada realidade. Mas aqui, em lugar dos caracteres escritos, aparece a própria protagonista que olha para a câmara e explica: “eu sou a atriz Milla Jovovich e vou representar a doutora fulana de tal neste filme que dramatiza um caso ocorrido realmente no Alaska”. Como se essa declaração legitimasse a farsa... Mila Jovovich interpreta uma anônima que, por sua vez, finge ser a tal doutora: uma suposta cientista que investiga casos de abdução por extraterrestres. Há momentos em que as duas atrizes (uma desconhecida e outra famosa) aparecem na tela dividida em duas, na vã tentativa de reforçar a impressão de realidade. E assim, sem mostrar um único monstro, temos uma história de horror lamentável, mas indiscutivelmente econômica.

Contatos de 4º Grau
The Fourth Kind
EUA / 2009
estréia 01/01/2010
gênero horror / falso documentário
Direção Olatunde Osunsanmi
Com Milla Jojovich e Elias Koteas

"Julie & Julia" da série "os melhores filmes que esqueci de comentar em 2009"

Os filmes baseados em fatos reais costumam deixar claro e por escrito essa condição, antes de seu início − quando leva muita gente a pensar: “lá vem uma história que só interessa a quem viveu os mencionados fatos reais”. O caso de “Julie & Julia”, porém, é particularmente assustador porque o aviso declara que se trata de duas histórias verdadeiras, ou seja, desinteresse em dobro. Meryl Streep e Amy Adams demonstraram competência dramática trabalhando lado a lado em “Dúvida”, um filme de peso. Mas este, dirigido por Nora Ephron é leve e insípido como um suflê de clara de ovo sem açúcar. Meryl se limita a uma imitação caricatural, na linha "Casseta e Planeta". Já a personagem de Amy vive mais perigosamente, tentando por exemplo evitar que o bife à bourguignone não queime no fogão. Essa terminologia culinária tem a ver o tema: em 2002 a novaiorquina Julie Powell decide registrar em seu blog o projeto de realizar em casa as 524 receitas do livro de receitas de Julia Child publicado em 1961. O roteiro desenvolve paralelamente as narrativas de como foram feitos o livro e o blog. Os roteiristas dever agradecer a Nora Ephron o favor de ter praticado esse experimento narrativo, para comprovar na carne que não deu certo. Isto é, contar duas histórias no mesmo filme só funciona quando há uma ligação orgânica e não mecânica entre elas. Como existe, aliás, em “Estômago”... só para ficar na área gastronômica.

Julie & Julia
Julie & Julia
estréia 27/11/2009
comédia / história
Distribuição Sony
Direção Nora Ephron
Com Meryl Streep e Amy Adams

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"Freud Além da Alma": em DVD o docudrama de John Huston sobre a fundação da psicanálise

A distribuidora Versátil lança em DVD o inédito "Freud, Além da Alma", o clássico de John Huston sobre a vida de Sigmund Freud (1856 - 1939). Ele é interpretado por Montgomery Clift, num trabalho elogiado de maneira unânime. Esta caixa com 2 DVDs traz o filme em versão integral e vários extras, incluindo um depoimento do Prof. Renato Mezan (PUC), prestigiado especialista brasileiro na obra de Freud. Isso além do documentário "Freud em Viena". O roteiro de Freud, Além da Alma aborda o período da vida de Freud entre a graduação em medicina na Universidade de Viena até a gestação das primeiras teorias psicanalíticas. Para a concepção da história, o roteirista Charles Kaufman contou com a consultoria de ninguém menos que o filósofo Jean Paul Sartre. A dramatização relaciona suas descobertas acerca do funcionamento do inconsciente humano às suas próprias experiências pessoais. Ao tratar por meio da hipnose uma jovem histérica e sexualmente reprimida, Freud formula o conceito do Complexo de Édipo. Essa personagem fictícia sintetiza várias figuras reais que Freud conheceu. E um período de mais ou menos 5 anos em sua vida real dá a impressão, no filme, de ter durado alguns meses. Mas isso não é um defeito, e sim um modo cinematográfico e eficiente de tornar acessível ao público uma introdução às idéias do criador da Psicanálise. É, portanto um filme educativo, talvez um docudrama, como os filmes que Peter Watkins e Rosselini faziam na mesma época.

Em termos de público, 2009 foi o melhor ano para o cinema brasileiro, em todos os tempos.

O ano de 2009 foi um dos melhores para o cinema brasileiro, em todos os tempos. O número de ingressos vendidos e a arrecadação dos filmes nacionais simplesmente dobraram, em relação a 2008. Antes de terminar o 2º semestre, o público dos filmes brasileiros já ultrapassava a marca dos 9 milhões de espectadores, que foi a quantidade alcançada em todo o ano de 2008. A participação dos nossos filmes no mercado de cinema está ultrapassando 18%, enquanto no ano anterior não atingia 9%. A tendência dessa percentagem é chegar a 20, quando os números totais forem apurados. Mas novamente se verifica a concentração nos filmes ligados à televisão, porque os dois maiores sucessos do ano, os globais "Divã" e "Se Eu Fosse Você 2" fizeram mais de 7,7 milhões de espectadores. Os outros dois campões também têm tudo a ver com a Globo: “A Mulher Invisível” e“Os Normais 2”. Esses quatro títulos são comédias, superando “Salve Geral” e “Jean Charles”, esses os dramas mais assistidos no ano e que, juntos venderam por volta de 900 mil ingressos. No entanto foram esses que, ao lado de “Tempos de Paz” e da aventura “Besouro”, demonstraram a tendência estética do momento que é o “docudrama”, ou seja, o filme de ficção baseado em fatos reais. É por isso que, entre os prováveis sucessos de 2010 podem estar as cinebiografias de Lula e Chico Xavier (papel de Nelson Xavier e Angelo Antônio, acima) – além, é claro, da ex-garota de programa Bruna Surfistinha, a ser interpretada por Debora Secco.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

25 anos depois de "O Exterminador do Futuro", Cameron inova com "Avatar"

No século 19, os jovens se emocionaram com os homens matando a super baleia "Moby Dick" e a lula gigante de "20 Mil Léguas Submarinas". Nas matinês dos cinemas no século 20, eles torciam pelos caubóis trucidando os búfalos e os índios nas pradarias. Anos depois, suspiravam aliviados quando o filme “A Guerra dos Mundos” terminava com os invasores extraterrestres derrotados por um micróbio. Mas as coisas mudaram e, em 1984, James Cameron lançava “O Exterminador do Futuro”, em que as máquinas guerreavam com a humanidade. Agora, passado ¼ de século, os humanos agem como alienígenas destruidores em seu próprio planeta. E James Cameron lança esse magnífico “Avatar”, ambientado no ano 2154, quando não existe mais vegetação na terra e, em busca de um minério raro, as nossas espaçonaves conquistam um satélite de Saturno habitado por humanóides.
Como a atmosfera local é irrespirável pelos terráqueos, os cientistas criam avatares, ou seja, corpos de nativos com a mente controlada por operadores humanos, para apoiar a ocupação militar do planeta. Mesmo dispondo apenas de arcos e flechas, como os nossos indígenas, os habitantes do local reagem. No entanto, os terrestres não sabem que aquele povo vivia em comunhão com a selva. Não de maneira mística, mas de um modo orgânico. “Avatar” mostra novamente uma guerra contra a natureza, na qual os predadores humanos não enfrentam apenas uma baleia, mas todos os seres vivos de um planeta, interligados por uma espécie de "rede neural", comandada por algo como uma consciência cósmica.
“Avatar” é uma obra de ficção científica construída com elementos costumeiros do gênero, mas, ao mesmo tempo, absolutamente inovadora. Entre os temas centrais está o da expansão interplanetária, com a conquista de um satélite habitado de Saturno chamado Pandora. Esse choque entre mundos é acompanhado por um conflito de civilizações: a sofisticação tecnológica dos humanos contra a vida selvagem dos nativos. E aí temos o segundo tema que é o do herói dividido entre dois povos, como “Tarzan”, ou “O último dos moicanos”. Nas aventuras de faroeste os povos primitivos são derrotados. Mas não neste filme, porque os pobres indígenas de Pandora são detentores de um saber mais poderoso do que a ciência.
Essa idéia apareceu na literatura de ficção científica há exatamente 50 anos e até agora não fora explorada no cinema. Em 1960, o antropólogo Chad Oliver (1928-1993) publicava a novela Unearthly Neighbors, que foi traduzido entre nós como “Os Senhores do Sonho”. Mostrava um povo praticamente destituído de cultura material − por isso, passível de ser classificado como primitivo − e que, no entanto, progrediu em outros aspectos. Uma cultura que nem conhecia o uso do fogo, mas evoluiu em termos de habilidades mentais, como telepatia etc. Além de uma indescritível guerra entre a tecnologia a natureza, do ponto de vista visual, “Avatar” realiza uma síntese de tudo o que o gênero apresentou no cinema ao longo de sua trajetória. Mas também traz idéias novas. Por exemplo: montanhas que flutuam no céu e sementes de árvores que são espíritos puros. Talvez a mais curiosa seja tratar as caudas dos animais como "cabos de força de psíquica", por meio dos quais eles se comunicam mentalmente.
Avatar
Avatar
estréia 18/12/2009
gênero fantasia / ficção científica
distribuição Fox
Direção James Cameron
Com Sigourney Weaver, Sam Worthington, Zoe Saldana

domingo, 13 de dezembro de 2009

Em “Duplicidade” Tony Gilroy prova que pode ser autor em qualquer gênero de filme

Lançado em DVD "Duplicidade", dirigido por Tony Gilroy: um roteirista que também dirige e que recentemente fez “Conduta de Risco” com George Clooney. Esta nova empreitada autoral traz Clive Owen e Julia Roberts, além de Paul Giamatti e Tom Wilkinson. Mas a trama não pode ser considerada apenas uma aventura de espionagem, movimentada e digestiva como um episódio de James Bond à moda antiga. Até caberia numa classificação de comédia de suspense, se não puxasse mais pelo sarcasmo do que pela comicidade. E se não apresentasse uma estrutura que joga com as expectativas que ela mesma vai oferecendo ao espectador. O casal de protagonistas se conhece em campos opostos, em 2003, trabalhando para a CIA e para o serviço secreto britânico. Anos depois se reencontram, agora empregados no ramo de espionagem industrial, outra vez para patrões diferentes e que competem furiosamente entre si. Neste caso, eles são interpretados pelos craques Wlikinson e Giamatti (abaixo).
Isso é tudo o que podemos revelar sobre o enredo para não estragar, de fato, o prazer de ir sendo enganado e desenganado sucessivamente pelas reviravoltas espiraladas com que Gilroy constrói o roteiro. Como referências laterais sugeridas pelo filme, ficam uma viagem por essa guerra quente travada pelas indústrias farmacêuticas e a reflexão de como o antigo futurologista italiano Roberto Vacca estava correto, em seu livro de profecias “Il Mediovo Prossimo Venturo” (A Idade Média do Futuro – 1971). Ele dizia que a meta principal das empresas seria a de se tornarem inexpugnáveis, como os feudos medievais.
Duplicidade
Duplicity
EUA / Alemanha 2009 125 min
Distribuição Universal
gênero aventura / comédia
Direção Tony Gilroy
Com Clive Owen e Julia Roberts,
Tom Wlikinson e Paul Giamatti

O encantador “Nova York eu te Amo” é um presente de fim de ano para o público paulista

Chega aos cinemas “Nova York eu te Amo”, com onze diretores contando histórias de amor ambientadas na metrópole americana. São estrangeiros como o alemão Fatih Akin, o japonês Shunji Iwai e o chinês Wen Jiang. Até os americanos, como Brett Ratner e Allen Hughes, também vieram de fora, isto é, de outros estados. Isso garante certa objetividade no olhar e permite que detalhes talvez imperceptíveis para quem more lá, se transformem em temas de filme. Como, por exemplo, a proibição de fumar em lugares fechados, transformando a calçada das ruas em novos espaços para intimidade. Os filmes são curtíssimos, mas quase todos criativos e surpreendentes. Alguns nos levam a imaginar as coisas diferentes do que realmente são. Há até uma versão naturalista da peça “A Cantora Careca”, de Ionesco. Outra surpresa é um novo desfecho para a velha piada da moça paralítica que vai namorar no parque com o consentimento do pai.
Apesar da variedade de assuntos e estilos, há uma impressionante fluidez na montagem e uma interligação quase virtual entre cada um dos episódios. Como eles não são identificados no decorrer da exibição, não é possível saber com certeza quem dirigiu qual fragmento. Foi possível desconfiar que uma comovente e poética vinheta de amor entre Natalie Portman e Irfhan Khan fosse da indiana Mira Nair. Mas seria difícil adivinhar que um dos segmentos mais profundos e elegantes fosse do mesmo paquistanês Shekar Kapur, responsável pela equivocada série “Elizabeth”, com Cate Blanchet. É um pequeno drama fantástico, à maneira de Jack Clayton, interpretado com extrema categoria por Julie Christie, Shia Laboeuf e John Hurt. Outro ponto positivo é o requinte da produção, com destaque para a direção de arte. Ou seja, no caso deste filme, o ditado popular segundo o qual os menores frascos guardam os melhores perfumes está perfeitamente correto.
Nova York, eu te amo
New York, I Love You
estreia 18/12/2009
distribuição Califórnia Filmes
França / EUA 2009 - 103 min
Direção Fatih Akin, Shunji Iwai, Wen Jiang, Brett Ratner etc
Com Natalie Portman, Irfhan Khan, Julie Christie, Shia Laboeuf etc

Kristin Scott Thomas dá aula de interpretação em "Partir", drama francês de Catherine Corsini

Antes do fim do ano estréia “Partir”, escrito e dirigido por Catherine Corsini, que já dirigiu mais de uma dúzia de filmes na França, mas ainda é pouco conhecida entre nós. A estrela é a magnífica inglesa Kristin Scott Thomas, que recentemente vimos brilhando na comédia “Bons Costumes”. Ela interpreta uma mulher de 40 anos, casada há duas décadas com um médico bem sucedido. Abandonara a profissão de fisioterapeuta para cuidar dos dois filhos. Agora que eles já são adolescentes, o marido decide construir para ela um consultório no quintal da casa. Acontece que ela se apaixona pelo pedreiro da obra e, junto com a paixão, passa a viver um drama que vai se adensando a cada cena.
O roteiro não fornece qualquer pista para fundamentar a ação e as decisões da protagonista, até porque o novo amor não é nem mais jovem ou mais elegante que o próprio marido. Ao contrário, seu intérprete é o espanhol Sergi Lopes, que já vimos como o grosseiro capitão de “O Labirinto do Fauno”. Não se trata, portanto, de uma rotina na linha de “Lady Chaterley”. Mas o caráter linear e descritivo da narrativa transfere para a atuação de Kristin Thomas a tarefa de exprimir todos os possíveis conflitos internos da esposa infiel – o que, aliás, amplia o mérito a atriz no filme. Quando ela se confessa incapaz de mentir e revela tudo para o marido, percebe-se que a personagem se diferencia do banal e o drama evolui para a tragédia.

Partir
Partir
estreia 18/12/2009
Distribuição Imovision
França - 2008 - 85 min
Direção Catherine Corsini
com Kristin Scott Thomas, Sergi Lopes, Yvan Attal

Quem perdeu o indispensável “Intrigas de Estado” no cinema pode saboreá-lo em DVD.

“Intrigas de Estado” passou quase despercebido em seu lançamento, mas agora em DVD, merece ser revisto. Principalmente por causa dessa escalada de corrupção que atinge a política nacional. O filme não se aprofunda na mecânica da ilegalidade governamental, mas tece uma trama muito bem informada e esclarecedora das suas ligações com as diversas esferas da sociedade americana. E, além disso, apresenta um modo pelo qual a imprensa poderia enfrentar um arranjo montado por corruptos de dentro e de fora do estado. O protagonista é um repórter veterano interpretado por Russell Crowe. Ele investiga o assassinato da assistente de um congressista vivido por Ben Afleck e que, por acaso, é seu amigo de juventude. No Brasil de hoje, portanto, esse tipo de reportagem correria o risco de ser censurada por algum juiz amigo do político.
Aliás, o desenho desse jornalista não mistifica a profissão e o coloca sempre pressionado: por cima pela editora Helen Mirren (preocupada com as vendas) e, por baixo, pela redatora novata Rachel McAdams, que adoraria ocupar-lhe o espaço no jornal na publicação. Aos pouco ele começa a entrelaçar pistas que o levam a um esquema corporativo montado por políticos, lobistas e assassinos. Mas quando o jornalista chega perto da verdade, ele precisa decidir entre arriscar o emprego e a vida ou se render às conveniências do sistema. O filme dirigido pelo competente Kevin MacDonald de “O Último Rei da Escócia”, mas o elemento criativo da equipe é o roteirista Tony Gilroy, o craque que escreveu coisas como “O Advogado do Diabo” e o recente “Duplicidade”. Este é o seu trabalho mais recente como roteirista e traz em sua carne as cicatrizes ainda abertas da realidade presente. O filme termina com imagens de uma rotativa imprimindo um jornal, mostrando que a trama toda acabou estampada em suas páginas. “Intrigas de Estado” pode ser visto como uma homenagem ao jornalismo e uma escolha ética e estética de elaborar ficção a partir do que se publica (ou deveria ser publicado) nos jornais.

Intrigas de Estado
State of Play
Estréia 6/2009
Distribuição Universal
EUA / UK - 2009 - 127 min
Direção Kevin MacDonald
com Russel Crowe, Ben Affleck,
Helen Mirren, Rachel McAdams, Jeff Daniels

Lançado em DVD o controvertido clássico de Truffaut “A Noiva estava de Preto”

No cinema, como na vida, os conceitos e as preferências mudam sem cessar. Por exemplo, em 1968, quando François Truffaut lançou “A Noiva estava de Preto” a reação contrária da crítica francesa foi atroz. O filme era um mergulho profundo na estilística do suspense a partir do cinema de Alfred Hitchcok. A estrutura e até música do filme, composta por Bernard Hermann, eram hitchcockianas. O elenco representava a nata do cinema europeu, com Michael Lonsdale, Jean Claude Brially e Michel Bouquet. Mas naquele ano a contracultura se achava no apogeu e, na França, só se pensava em revolução. O trabalho de Truffaut, portanto, não foi recebido como um estudo de natureza estética, mas como obra comercial, puro objeto de consumo que visava somente à diversão do espectador. Lembro que eu mesmo, que ainda não era crítico profissional, torci o nariz para esse filme que sucedia os instigantes "Um Só Pecado" (La Peau Douce) e "Farenheit 451". Anos mais tarde, o próprio Truffaut declarou que não gostava muito do filme. Isto é, talvez o próprio diretor estivesse enganado.
Um noivo é assassinado na porta da igreja na hora do casamento e a noiva, interpretada por Jeane Moreau, decide se vingar, matando os cinco assassinos um por um. Apesar de Quentin Tarantino afirmar nunca ter visto o filme, esse é exatamente o tema do célebre “Kill Bill” – uma esfuziante homenagem às histórias em quadrinhos, ao spaghetti-western e aos filmes de kung-fu. Ou seja, o que se aplaude hoje em dia, como estilização da cultura de massa, era execrado há 40 anos, quando os críticos não perdoavam qualquer suspeita de “escapismo” ou “alienação”.

A noiva estava de preto
La mariée était en Noir
Direção François Truffaut
Distribuição Versátil
com Jeane Moreau, Michael Lonsdale,
Jean Claude Brially e Michel Bouquet

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

“Aconteceu em Woodstock” é uma comédia histórica sobre os bastidores do show de 1969.

“Aconteceu em Woodstock” é uma comédia histórica do chinês Ang Lee que fez “Amor e Desejo”, um dos melhores filmes de 2009. O tema não é exatamente aquele show de 1969 que mudou a história da música pop nos anos 60. O filme focaliza os bastidores do espetáculo, principalmente o processo inicial da sua produção. Imaginem que o proprietário da terra onde tudo aconteceu cobrou inicialmente 5 mil dólares de aluguel. Quando soube que os empresários já tinham vendido 100 mil ingressos, subiu o preço para 75 mil dólares. O engraçado é que isso foi até barato para um evento que atraiu ½ milhão de pessoas para uma cidadezinha menor do que Santana do Parnaíba. É claro que a população local tentou impedir que essa multidão de hippies invadisse a região e uma série de situações cômicas parte daí. O protagonista é o rapaz que presidia a associação de comércio do município e que aproveitou fato do projeto ter sido expulso de uma cidade vizinha, para abrigá-lo lá na pequena White Lake. Destaque para a inglesa Imelda Staunton, excelente no papel da mãe desse jovem vivido pelo comediante novato Mametri Martin (foto acima, ao centro). Diferentemente da imagem detalhada e cristalina de “Amor e Desejo”, Ang Lee usa uma fotografia de definição mais baixa e bastante granulada. Na segunda metade do filme percebe-se que essa opção visava permitir que o material filmado pudesse se misturar com as imagens de arquivo captadas na época em película 16 mm. Mas, do ponto de vista visual o melhor são as tomadas subjetivas do protagonista em plena viagem de LSD.
ACONTECEU EM WOODSTOCK
Taking Woodstock
Direção de Ang Lee
estreia 11/12/2009
EUA - 2009 – 110 min.
Gênero Comédia / história
Distribuição Paramount
Com Demetri Martin, Imelda Stauton, Henry Goodman

"A Tomada do Poder por Luis XIV": a obra de Rosselini finalmente lançada em DVD

Um presente belíssimo de Natal para quem se interessa por história e admira Roberto Rosselini é o DVD "A Tomada do Poder por Luis XIV" que acaba de ser lançado pela Versátil. Foi o primeiro trabalho que o mestre do neo-realismo realizou em 1966 para a RAI. Em sua origem, aquela emissora pública procurava desenvolver um cinema educativo. Aliás, praticamente ao mesmo tempo, fenômeno semelhante acontecia na BBC inglesa, com Peter Watkins lançando "Culloden". Feito em 1964, aquele filme de reconstituição histórica foi considerado marco inicial do gênero "docudrama", que se situa a meio caminho entre a ficção e o documentário. Como vemos, a televisão pública foi o ventre que gerou os dois rebentos quase simultaneamente: um na Inglaterra, outro na Itália. Novamente temos a figura do cineasta–educador e funcionário do estado, como nos documentários britânicos clássicos dos anos 30 e 40. Só que, desta vez, dedicados à ficção e recebendo alguma influência dos documentaristas do “cinema-verdade”. Rosselini procura descrever com um mínimo de dramaticidade o processo pelo qual Luis XIV instaurou o seu estilo de absolutismo. Filmava como faria um repórter, com uma câmara escondida, que estivesse somente registrando o cotidiano da corte de Versalhes na segunda metade do século XVII. A escalação de atores fora do sistema de estrelas e a filmagem em locação são inegáveis heranças do realismo. No entanto, a grande novidade é o ritmo das tomadas, que parecem mais destinadas a observar que narrar os acontecimentos.

Lançado em DVD "Nossa Vida Não Cabe num Opala", baseado em texto de Mario Bortolotto

Baleado recentemente num assalto, Mario Bortolotto é um autor teatral da mesma estirpe de Plínio Marcos e Nelson Rodrigues, igualmente fascinado pelas possibilidades poéticas da decadência humana. Ele teve uma de suas peças transformada em roteiro de filme, que acaba de ser lançado em DVD. Trata-se de "Nossa vida não cabe num Opala", de Reinaldo Pinheiro. No festival de Recife 2008, ganhou oito prêmios: inclusive o de melhor filme. O próprio Bortolotto foi premiado pela música. Veteranos como Paulo Cesar Peréio, Marília Pera e Jonas Bloch, trabalham ao lado de emergentes como Leonardo Medeiros e Milhem Cortaz. Destaque para Dercy Gonçalves (foto abaixo) em sua derradeira aparição no cinema, e para Maria Luisa Mendonça, melhor atriz daquele festival. Ela faz uma mulher fantasmagórica que interpreta diferentes papéis, de acordo com a personalidade do homem com quem está passando a noite. Outro mérito do filme é do roteirista Di Moretti, por ter conseguido atribuir uma tonalidade cinematográfica a um texto visceralmente teatral, com personagens inventados sob medida para o palco. A riqueza de "Nossa vida não cabe num Opala" está na complexa construção dessas figuras: quatro irmãos vivendo em função da influência do pai recentemente falecido e em conflito com um empresário a quem ele devia uma fortuna. Entre ele e os filhos do devedor que morrera sem pagar a dívida se estabelece um jogo de gato e rato que apresenta momentos de sarcasmo e humor, podendo também beirar a tragédia.

Os admiradores me perdoem, mas, desta vez Almodóvar trabalhou com a “mão pesada”.

Costumava-se usar essa expressão há mais ou menos 30 anos, quando um diretor exagerava naquilo que pode ser chamado de suas “marcas de estilo”. Quando deixava um rastro de artificialismo em toda a encenação, que parecia forçada e um tanto sem graça. Mais uma vez ele retoma uma história melodramática, construída a partir de um arrebatamento emocional. O problema é que em "Abraços Partidos" os personagens se emocionam mais que o público. O protagonista é um ex-diretor de cinema que, há 15 anos, ficou cego num acidente de automóvel em que, aliás, morreu a sua amada, interpretada por Penélope Cruz. E tome flash back para ir explicando o que aconteceu no assado, pra nós e para os demais personagens. Aliás, nem precisaria, porque (apesar do improvável desfecho) esse relato é bastante previsível: um pastiche de dramas típicos dos film noir dos anos 40, com um forte tempero hitchcockiano, talvez para dar uma impressão de mais densidade ao molho. A propósito: a mencionada “mão pesada” se manifesta de modo gritante na trilha sonora, uma paródia da música de suspense na linha de Bernard Hermann. O mais decepcionante é a falta de humor. Nem a costumeira aparição de Rossy de Palma funciona como piada. A única cena naturalmente engraçada é um diálogo sobre um filme de vampiro bolado pelo seu datilógrafo adolescente – uma alusão de “Abraços Partidos” à série “Crepúsculo”.

ABRAÇOS PARTIDOS
Los Abrazos Rotos
estréia 4/12/2009
Direção Pedro Almodóvar
Espanha - 2009 – 129 min.
Gênero Drama
Distribuição Paramount
Com Penélope Cruz, Lluis Homar, Blanca Portillo

Mais duas ou três coisas a serem ditas acerca de "É proibido Fumar"

Ainda sobre "É Proibido Fumar": no papel de uma professora de violão apaixonada por um vizinho, temos Glória Pires − a atriz que mais se fez presente no cinema brasileiro em 2009. Em “Se eu Fosse Você 2”, ela interpretava uma esposa que trocava de corpo com o marido e também esse marido, quando ocupava o corpo dela. Aqui ela também se transforma e vira bicho quando, por amor, resolve largar o cigarro. Até fura a parede do apartamento pra espionar o namorado (referência a "Durval Discos"?) Em “Lula Filho do Brasil”, que ainda não chegou na praça, ela faz a santificada Dona Lindu. Mas no filme da Anna Muylaert, encarnando uma simples mortal, ela está bem melhor do que nos outros dois. Eu diria fascinante, pela capacidade de inspirar ternura, estimular compaixão e provocar o riso, com aquele bordão do sofá que era da tia e que ficou com a irmã. A comicidade é reforçada por vinhetas funcionais e inteligentes, como a da protagonista presa no trânsito e mostrada por uma câmara também praticamente parada. Ou como as seqüências de que participam as sempre imóveis câmaras de vigilância do prédio onde ela mora. Prédio em cujo elevador, um dia, ela disputa o espaço quase totalmente tomado por três membros da família Abujamra. Aliás, trilha é assinada pelo André, que inventou uma paisagem musical quase palpável, na qual diferentes estilos de MPB se acotovelam, disputando a primazia.