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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O motivo da interrupção das postagens

Queridos leitores, a interrupção temporária das postagens neste blog se explica pela necessidade de me preparar para o exame de qualificação ao doutorado no Instituto de Artes da Unicamp, que se realizou no último dia 05. Felizmente fui aprovado, com a tese que tem como título "Oswaldo Massaini: um produtor no cinema brasileiro". Massaini foi o mais importante produtor de cinema no Brasil do século passado. Entre dezenas de outros filmes, foi ele que realizou "O Pagador de Promessas" (nas fotos) - até hoje o único filme brasileiro que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. A partir de amanhã recuperamos o ritmo costumeiro.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A polêmica das biografias e os perigos para o cinema documentário brasileiro

“Outro Sertão”, o longa de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela (prêmio especial do juri no último Festival de Brasília) foi eleito pelo público o Melhor Documentário Brasileiro na 37ª Mostra Internacional de São Paulo. Assim, o filme recebe o prêmio de R$ 15 mil. Mas esse valor é mil vezes menor que aquele que elas investiram no projeto. R$ 15 mil também não será suficiente para inteirar a fortuna que os herdeiros do personagem abordado pelo filme pediram para autorizar essa biografia, isto é, para que você possa assisti-lo nos cinemas. “Outro Sertão” acompanha a passagem do escritor Guimarães Rosa pela Alemanha. Vice-cônsul do Brasil, Guimarães Rosa (acima) viveu na cidade de Hamburgo entre 1938 e 1942, tempo em que o país europeu estava no auge do regime nazista. Por meio de imagens de arquivo da época, documentos e testemunhos de pessoas que o conheceram, “Outro Sertão” revela novos aspectos da biografia deste que foi um dos maiores escritores brasileiros da história. Destaque para uma entrevista inédita e sensacional com o próprio escritor, aliás o único registro gravado com a voz e a figura em movimento do autor de “Sagarana” e “Grande Sertão Veredas”. Isso, além de incontáveis documentos inéditos (alemães e brasileiros) com testemunhos de judeus que fugiram para o Brasil por Hamburgo, graças ao nosso escritor e diplomata. Só que essas pessoas, nem você e nem ninguém poderá ver o filme, se os herdeiros do Guimarães não permitirem.  
A campanha do grupo Procure Saber (que reúne artistas como Gil, Caetano, Chico Buarque e, até recentemente, Roberto Carlos) contra a mudança da legislação que obriga os escritores a obterem autorização prévia dos biografado, ou seus herdeiros, para a publicação das biografias, fez a discussão incendiar mercado editorial. Mas, pouco se falou ainda sobre o impacto que o Código Civil exerce sobre o cinema brasileiro. O veto mais famoso talvez seja aquele imposto ao filme "Di Glauber", que é um documentário curto e absolutamente genial de Glauber Rocha sobre o pintor Di Cavalcanti (acima e abaixo). Por conter imagens do velório e do funeral do pintor, o filme foi proibido por seus familiares em 1977. 
Recentemente, temos a escandalosa proibição das imagens do músico Paulo Moura, num documentário sobre ele feito por Eduardo Escorel (abaixo). Além da necessidade de autorização dos biografados ou de seus familiares, os documentários brasileiros têm de lidar com outro obstáculo: o extorsivo valor que deve ser desembolsado em troca dos direitos de imagem e som, e que muitas vezes torna inviável o uso do material. Diretor do festival É Tudo Verdade e um dos mais importantes especialistas em documentário do país, o crítico Amir Labaki se posicionou contra a ação do Procure Saber dizendo que potencializar as "já imensas" restrições impostas pela legislação resultaria em "consequências apocalípticas" para o gênero. Aguardemos a decisão do Congresso a respeito. Deputados e senadores deverão responder à pergunta que fica: existe ou não liberdade de imprensa e de expressão neste país?

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

"O Alabê de Jerusalém" : obra original e emocionante de música sacra brasileira.

Lançado em DVD pela Versátil, O Alabê de Jerusalém, uma obra de música sacra, popular e religiosa brasileira, de elevadíssima qualidade técnica e artística. Trata-se de uma ópera composta no formato da MPB por Altay Veloso, um excelente compositor de samba, guitarrista que trabalhou com Egberto Gismonti, Durval Ferreira e a banda Black Rio, um dos preferidos de cantoras como Leny Andrade e Zizi Possi. Nascido em São Gonçalo, lá no RJ nada tem a ver com Caetano e consumiu os últimos 20 anos trabalhando nesta ópera que foi gravada em estúdio antes da sua apresentação em teatro, com solistas como Bibi Ferreira, Lenine, Jorge Vercilo, Ivan Lins, Elba Ramalho e Alcione. 

O DVD, na verdade é um documentário de duas horas que registra essa gravação surpreendente, executada pela Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, dirigida pelo maestro Leonardo Bruno. O próprio Altay narra a história por meio de um recitativo bastante inspirado, no qual interpreta o protagonista: um curandeiro africano de Ifé que teria conhecido Jesus pessoalmente há 2 mil anos e que agora reaparece como uma entidade espiritual num ritual de umbanda. Essa é uma religião verdadeiramente originária do Brasil. Assim como o candomblé pode ser visto como um sincretismo entre o culto africano aos orixás e o cristianismo, a umbanda seria o sincretismo entre o candomblé e o kardecismo. Muito bonita, emocionante e repleta de boas ideias musicais e poéticas, sobre ética, política e cultura é O Alabê de Jerusalém. 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"O Capital": último filme de Costa-Gavras que, aos 80 anos, segue se renovando

A melhor estreia da semana é "O Capital", título emprestado de Karl Marx para este trabalho do mestre Costa-Gavras, o cineasta grego que ganhou Oscar de roteiro em 1982 por “Desaparecido”. Agora com 80 anos, ele filma com a agilidade e o entusiasmo de um iniciante, dando-se ao luxo de passar de uma situação objetiva para a imaginação de um personagem, na mesma sequencia. O comediante marroquino Dag Elmaleh interpreta um economista de classe média que, por meio de um golpe de sorte, se torna presidente de um banco, em plena crise econômica atualmente enfrentada pela Europa. 
Há uma sensação geral de “salve-se quem puder” num barco afundando, ou num daqueles fortes de madeira cercado pelos índios, nos filmes de faroeste. Aliás, a narrativa evolui em ritmo de western, inclusive porque, no ambiente das altas finanças, o clima é de matar ou morrer. Um tiroteio generalizado de intrigas e traições, em que a atual tecnologia permite antecipar de onde virá o próximo tiro, sem que seja possível evitá-lo. O duelo que se inicia, pela manhã, em Tóquio pode prosseguir à tarde em Miami e concluir-se à noitinha em Paris. 
A abordagem de Costa-Gavras, entretanto, vai além dessa constatação sobre o maquiavelismo inerente ao universo globalizado dos banqueiros. Por meio de seus personagens, todos plausíveis, ele passa a impressão de que o sistema capitalista, ao contrário de se enfraquecer com as crises cíclicas, vem se fortalecendo. E as classes sociais adquirindo a mesma rigidez das castas e estamentos próprios da Idade Média. 
O CAPITAL 
Le Capital
estreia 04 10 2013
gênero drama/ política/ história 
França, 2012, 114 min, 12 anos
Distribuição: Paris Filmes
Direção Costa-Gavras
Com Gad Elmaleh, Gabriel Byrne, Natacha Regnier
COTAÇÃO
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Ó T I M O

Balanço do Festival do Cinema Brasileiro do Brasília: texto longo, para ser lido com calma.

Na cerimônia de abertura, o prato principal foi oferecido pela cineasta meio carioca meio brasiliense Betse de Paula – a figura vitoriosa do último Festival de Pernambuco pela engenhosa comédia “Vendo ou Alugo”, cuja qualidade não teve a merecida acolhida pelo público. Fora de competição, ela mostrou o seu primeiro documentário que é “Revelando Sebastião Salgado” (foto acima), sobre esse fotógrafo que é atualmente um dos mais celebrados do país. No esforço de obter um resultado eficiente e elegante, para evitar também que o projeto se confundisse com uma hagiografia, porém, ela teve que fazer milagre, porque o Salgado parecia querer dirigir o filme. Determinava o trajeto da câmara, abria arquivos e gavetas catalogadas com precisão virginiana e apontava as imagens que deveriam ser registradas. Tudo bem, se tivesse sobrado algum espaço para a discussão ou o questionamento de seu discurso, sempre firme e seguro, tendendo, aliás, para o monolítico.

A mostra competitiva do festival começou à sombra de um acidente que veio roubar um pouco da euforia formada em torno da reinauguração do emblemático Cine Brasília, há vários anos fechado para reformas só agora concluídas. Um problema técnico, supostamente provocado pelo excesso de informação contida no HD da projeção digital, determinou que, quase meia hora antes de seu encerramento, a exibição do longa-metragem de ficção “Pobres Diabos” (foto acima) fosse suspensa. Tomada de surpresa, a organização só comunicou no dia seguinte para quando seria marcada uma nova exibição da obra – o que foi complicado, uma vez que a agenda das mostras competitivas se achava bastante apertada. Eram ao todo 30 obras concorrentes, ou seja, seis documentários de longa-metragem e mais seis de curta-metragem; seis longas-metragens de ficção e mais seis curtas; além de seis curtas metragens de animação – num total de 5 filmes por sessão, que começava às 7 da noite e geralmente se estendia para além da meia noite.
Mesmo assim, o filme do cearense Rosenberg Cariri seria eleito o melhor do certame, de acordo com o júri popular. A tragicômica jornada pelo sertão nordestino de um circo pra lá de mambembe, com a encenação da tradicional batalha entre Lampião e Lúcifer, acompanhada pela disputa (foto acima) entre o palhaço (Chico Diaz) e o gerente (Gero Camilo) pelo coração e demais prendas da cantora (Silvia Buarque). O diretor do filme interrompido é o veterano Rosemberg Cariri, o mais conhecido do Ceará, autor de 12 longas de ficção, entre eles, “Corisco e Dadá”. Este trabalho com que ele concorria em Brasília é um dos mais bem resolvidos de sua carreira, desenhado num tom a um só tempo poético e realista, um pouco à maneira de Chaplin e Pasolini, mas muito brasileiro na construção dos tipos. Um grupo de esfarrapados reunidos num circo paupérrimo que, de certa forma, faz coro com as dificuldades financeiras e técnicas que insistem em assombrar o áudio visual do país.
Ao longo da exibição dos filmes concorrentes, a constatação de que os documentários se colocavam acima das obras de ficção, em termos de qualidade cinematográfica, foi se consolidando. Logo na segunda noite da competição, os filmes de ficção apresentados se mostraram decepcionantes. Tanto o curta cearense “Lição de Esqui” quanto o longa baiano “Depois da Chuva” (foto acima) abordaram a juventude, mas tropeçaram num problema tão velho que parece ter se tornado crônico, ou seja, a ausência de um roteiro consistente capaz de orientar o projeto e lhe dar sentido. É triste ver realizadores que associam inexperiência à falta de humildade diante dos temas abordados, às vezes complexos demais, como aconteceu no caso do longa, que tentou elaborar o retrato emocional de um jovem de Salvador, na época da frustrada eleição de Tancredo Neves. Faltou fundamentação social, política e psicológica para garantir o interesse nessa história de rebeldia estudantil. O filme vale, porém, pela trilha sonora e pela atuação de Pedro Maia, que terminaria por ser premiado como o melhor ator.

Um sopro de criação e originalidade veio com o curta documentário “O Canto da Lona” (foto acima) do paulista Thiago Mendonça que, em 2012, vencera o Festival de Brasília com a “Guerra dos gibis”. Desta vez ele focaliza o mundo do circo por meio de uma estratégia encantadora que é a de reconstituir momentos musicais clássicos dos picadeiros. Enquanto relembra o agitado período anterior à sua aposentadoria, um pequeno grupo de veteranos orienta jovens intérpretes na remontagem de antigos números. A surpresa mais benvinda aconteceu com “O Mestre e o Divino”, de Tiago Campos, que seria escolhido como o melhor documentário pelo júri oficial. Ele traz dois personagens riquíssimos, descobertos no ambiente das comunidades indígenas fundadas por missionários salesianos: um velho padre e seu discípulo de catecismo, ambos apaixonados por cinema, documentaristas instintivos e amadores, para quem a falta de recursos e de formação técnica é compensada por um enorme talento. Na verdade essa é a grande missão dos festivais: revelar joias raras como estas. Como já tínhamos percebido, o gênero documentário salvou o Festival, com concorrentes de longa-metragem tão bons que o Juri deve ter tido dificuldade para escolher o melhor. Venceu “O Mestre e o Divino”, o mais divertido e cinematográfico de todos. 
Com produção do projeto Vídeo nas Aldeias, que estimula os próprios indígenas a registrarem a sua realidade em mídias audiovisuais, o filme focaliza um instigante conflito entre dois cineastas voltados para o mesmo assunto, isto é, a cultura xavante tal como ela se manifesta na missão salesiana de Sangradouro, no Mato Grosso. O Divino do titulo é um jovem nativo (foto acima) que não apenas se dedica a esse objetivo, mas também procura ensinar os rudimentos de captação e edição aos companheiros de tribo. O curioso é o relacionamento tão filial quanto competitivo dele com o mestre Adalbert Heide, um velho missionário salesiano alemão que desde os anos de 1970 coleciona um precioso acervo com centenas vídeos sobre os xavantes – todos minuciosamente catalogados, exatamente como faz Sebastião Salgado com suas fotos. 
Só que “O Mestre e o Divino” revela as inúteis tentativas do velho missionário (foto acima) em comandar a filmagem. Essa birra entre eles, o cineasta índio e seu professor, corresponde ao inevitável conflito de gerações e, ao mesmo tempo, a um confronto entre dois estilos de fazer cinema, porque as obras do velho religioso são quase todas encenadas. Nelas, os guerreiros se mostram convenientemente vestindo folgados calções e os nomes dos rituais aparecem traduzidos para o português, de um modo adequado à doutrina cristã. Ou seja, o que era para ser apenas um registro rotineiro, foi transformado num documentário denso, com múltiplos e diversos significados, graças à inteligência de um jovem antropólogo mineiro, formado em Brasília e radicado em Pernambuco. Vamos guardar o nome dele e do filme: Tiago Campos, autor de “O Mestre e o Divino”.
FOTOS JUNIOR ARAGÃO

É difícil explicar a percepção que, neste ano em Brasília, a qualidade do conjunto de documentários superou a dos filmes de ficção. De um lado, isso reflete o conjunto das centenas de obras que foram inscritas para a competição, mas, pode também indicar uma tendência da produção brasileira como um todo. O ascendente cinema pernambucano se fez presente com “Amor, plástico e barulho”, de Renata Pinheiro, uma documentarista premiada por seus curtas “Super Barroco” e “Praça Walt Disney”. Em sua estreia na ficção, ela focaliza o mundo da chamada música brega do Recife, em que duas garotas do interior (foto acima) tentam sobreviver como cantoras no ambiente das casas noturnas de baixo nível. Suas magnéticas intérpretes levaram os prêmios de melhor atriz (Maeve Jenkins) e atriz coadjuvante (Nash Laila). Maeve é a figura da direita... 

O universo em que elas se movem é bem reconstituído, mas a trama é pequena e desperta pouco interesse. Faltou um enredo de mais envolvimento narrativo, do mesmo modo como em “Rio Corrente” do paulista Paulo Sacramento, outro documentarista consagrado pelo célebre “O Prisioneiro da Grade de Ferro” que, ainda assim, contando apenas com um mero triângulo amoroso, concorreu com o trabalho de ficção mais sólido dentre os demais. Do mesmo mal, ou seja, de uma dramaturgia esgarçada e rarefeita, padece “Avanti Popolo”, filme paulista de Michael Wahrman num longa de estreia, em que os atores se salientam mais que a história: são eles, o professor Andre Gatti e o saudoso cineasta Carlos Reichenbach (foto acima), em sua derradeira aparição na tela.
FOTOS JUNIOR ARAGÃO

Em suma, se não houvesse separação entre ficção e documentário – como ocorre, aliás, em outros festivais – talvez os principais prêmios ficassem com este gênero. O longa “Plano B”, por exemplo, é outro documentário baseado no brilho de uma ideia: em 1967, no auge do cinema novo, Joaquim Pedro de Andrade (“Macunaíma”) fizera um documentário sobre Brasília, trazendo uma aprofundada crítica à exclusão social que já se manifestava na capital da república. Como estávamos em plena ditadura, aquele filme foi engavetado pelo próprio patrocinador. Mas agora, 45 nos depois, o brasiliense Getsemane Silva compara a metrópole ali mostrada com as condições atuais em que ela hoje se encontra – com a participação do ator Joel Barcelos, do fotógrafo Afonso beato e do roteirista Jean-Claude Bernardet (foto acima). O júri popular acertou ao escolher “Pobres Diabos” – o único longa-metragem de ficção a se mostrar satisfatório em quase todos os aspectos, especialmente o da comunicação com a plateia. 

Já o júri oficial elegeu melhor filme justamente o mais distante de uma possível aproximação do público. “Exilados do Vulcão” (foto acima) de Paula Gaitan, viúva de Glauber Rocha, é uma produção de 125 minutos, muito bem fotografada em suas locações de Cataguases no interior de Minas, mas sem qualquer diálogo. É como se fosse um filme mudo, só que sem letreiros. Nem é possível dizer se a historia tem algum interesse, por que é bem difícil descobrir qual seja ela. Já os curtas de ficção eram todos sofríveis e o escolhido foi justamente um dos piores, feito por dois estudantes de cinema, como um trabalho escolar. O mesmo acontece com os de animação, em que o premiado foi “Faroeste”, um dos mais confusos e tecnicamente primários da competição.
“A Arte do Renascimento – uma cinebiografia de Silvio Tendler” compensa certa carência de recursos com o entusiasmo por parte de direção de Noilton Nunes, com a importância dos filmes focalizados e com a simpatia temperada pelo bom humor do próprio personagem central – Silvio Tendler uma das figuras mais respeitadas do ambiente cinematográfico. Já “Hereros Angola” (foto acima) do fotógrafo e publicitário pernambucano Sergio Guerra se mostra extremamente bem produzido, com uma fotografia requintada e uma pesquisa que parece ter sido profunda e intensa. Focaliza uma etnia nômade angolana até então desconhecida por aqui, repleta de aspectos curiosos e até desconcertantes. Como é o caso de seus hábitos sexuais peculiares e o fato do banho não fazer parte de seus costumes cotidianos, sem falar de uma estética bem singular, que inclui determinadas mutilações corporais. O problema é a escolha de um formato clássico e relativamente costumeiro para a abordagem do tema, que lembra o convencionalismo editorial dos canais estrangeiros de TV a cabo, como o Discovery e o National Geographic.

Por sua vez “Morro dos Prazeres”, da brasilense formada na Holanda Maria Augusta Ramos – consagrada por “Juízo” (2007), analisa com ritmo e grande competência a intervenção das Unidades Policiais Pacificadoras numa das principais favelas do Rio de Janeiro. Do ponto de vista da investigação, o filme mais impressionante foi “Outro Sertão” sobre a atuação humanitária de Guimarães Rosa (foto acima), entre 1938 e 1949, quando o escritor foi vice-cônsul do Brasil em Hamburgo, durante o nazismo. As pesquisadoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela descobriram documentos inéditos que informam sobre diversos judeus que fugiram para o Brasil por meio de Guimarães Rosa e um programa de TV em que ele é entrevistado – registro único nesse gênero. Reiterando a impressão inicial, todos os documentários participantes do 46º Festival de Brasília se revelaram interessantes, cada um a seu modo, o que representa uma excelente contribuição para o crescimento desse gênero.
Na foto abaixo eu estou ao microfone, num dos debates do festival, enquanto na extrema direita da imagem, vemos o crítico Luiz Zanin provavelmente se perguntando: "como é que esse cara vem ao debate de shorts e camiseta regata!?!"

FOTOS JUNIOR ARAGÃO

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Em busca da diversidade, começa o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro número 46.

Mais uma vez, estou em Brasília para acompanhar o Festival do Cinema Brasileiro. Uma das marcas do nosso cinema sempre foi a concentração das atividades criativas e produtivas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas isso agora começa a querer mudar. Tanto é assim que a 46ª edição do festival tem como característica justamente a diversidade. Acham-se em competição filmes de diversas regiões do País, abordando temas bastante variados, que provocam múltiplas reflexões sobre a vida brasileira. Aqui cineastas experientes disputam de igual para igual com jovens realizadores se iniciando na direção. Verifica-se também uma grande variedade de gêneros: são documentários, dramas, comédias, animações que comprovam a crescente vitalidade da produção cinematográfica no Brasil. 
Isso tem a ver com esta cidade que, de fato, é o centro da nação. Aqui você vai a um restaurante, por exemplo, e encontra receitas e ingredientes que vieram de todos os estados. O prato servido ontem na cerimônia de abertura foi oferecido pela cineasta meio carioca meio brasiliense Betse de Paula (foto acima) – a vitoriosa do Festival de Pernambuco pela excelente comédia “Vendo ou Alugo”. Fora de competição, ela mostrou o seu primeiro documentário que é "Revelando Sebastião Salgado", sobre esse fotógrafo que é um dos mais celebrados do país. Para obter um resultado eficiente e elegante, porém, a diretora teve que fazer milagre, porque o Salgado se considera tão perfeito, que parecia querer dirigir o filme, impondo a ele um discurso todo na primeira pessoa.
Antes da exibição do filme, exibiu-se a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, com um magnífico conserto de Eric Korngold, que remete ao Oscar por ele conquistado com a trilha do filme "Robin Hood" (1938). O protagonista dessa peça regida por Claudio Cohen, porém foi o virtuose austríaco  Benjamin Schmidm, que arrasou com seu violino Stradvarius. A mostra competitiva começa hoje. Que o juri esteja à altura dos filmes selecionados, porque certamente alguns de seus representantes acham-se acima de qualquer suspeita, como os cineastas Renato Barbieri, Cesar Cabral, Erika Bauer e Anna Johann, além dos críticos Marcelo Lyra e Carlos Alberto Mattos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Lançada em DVD “Ressurreição”, obra prima dos irmãos Taviani ainda inédita no Brasil

Um dos melhores filmes atualmente à disposição do público brasileiro é “Ressurreição” (2001), escrito e dirigido pelos irmãos Taviani (“A Noite de São Lourenço” – 1982). O filme acaba de ser lançado em DVD pela Versátil e se achava inédito no Brasil porque foi produzido pela televisão europeia, com mais de sete horas duração e exibido em dois episódios de 187 minutos cada. O deslumbrante texto de Tolstoi se mostra melhor aproveitado nesse projeto de duração mais longa. Percebe-se quase uma autocrítica ao socialismo cristão professado pelo escritor, nessa historia de um aristocrata que resolve se redimir de um caso que tivera em sua juventude com uma criada – aventura que levara a moça à prostituição e a uma injusta condenação por assassinato. 
O último filme dos Taviani lançado no Brasil é “Cesar deve Morrer” (2013), um trabalho radicalmente experimental que registrava a encenação de “Julio Cesar”, uma tragédia de Shakespeare, pelos presos de uma penitenciaria italiana de segurança máxima. Para o presídio, aquela era uma atividade terapêutica e de reeducação voltada para os internos, mas, para os cineastas foi uma oportunidade de testar os limites entre a ficção e o documentário, entre a encenação e a realidade. 
“Ressurreição”, por sua vez, é um espetáculo marcado por um rigoroso classicismo, em matéria de estilo. Cada plano é milimetricamente calculado, sem qualquer objeto fora do lugar e nenhum movimento gratuito, ou desnecessário. Mas essa postura estilística não engessa a narrativa. Ao contrário, a torna mais clara e fluente, como deveria mesmo ser um programa de TV de produção caríssima, com um elenco multinacional e exibido em vários países da Europa. Este trabalho prova que a forma clássica de filmar nem sempre é um defeito. 
RESSURREIÇÃO

Dois episódios de 187 min.
lançamento em DVD
Distribuição Versátil
Direção Paolo e Vittorio Taviani
Com Marina Vlady, Stefania Rocca e Tymothy Peach
COTAÇÃO

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EXCELENTE


 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Talento de Bruno Barreto continua vivo e florescendo em "Flores Raras"

Pelo corpo de “Flores Raras” passam questões levantadas há meio século e que continuam em discussão até hoje, na sociedade e no próprio cinema. No plano do social, prossegue em conflitado debate o tema das conexões entre política, mercado e cultura. Na estética cinematográfica, complica-se o problema do tratamento dramático dos acontecimentos históricos. Com direção de Bruno Barreto, o filme se baseia numa biografia da poeta americana Elizabeth Bishop, uma das mais importantes de toda a literatura em inglês. Ela que viveu por quase duas décadas no Brasil, entre o último governo de Getulio Vargas e o começo dos anos de 1970 e foi companheira de Lota Macedo Soares, a paisagista que, durante o governo de Carlos Lacerda, concebeu, criou e formou o Parque do Flamengo. 
Esta figura tão incomum na história brasileira, misto de socialite, mecenas e empreendedora, é interpretada com a costumeira segurança e competência por Glória Pires, enquanto o papel de Elizabeth fica para a australiana que fez a princesa guerreira Eowyn na série “O Senhor dos anéis” – Miranda Otto, num trabalho merecedor dos prêmios mais disputados, principalmente por ter evitado todos os possíveis truques e atalhos que poderiam conduzir a uma caricatura da personagem que, na realidade apresentava diversas facetas: uma americana, órfã, pobre, poeta talentosíssima que vivia de bolsas e prêmios literários, de saúde abalada por ser alérgica a quase tudo, alcoólatra, lésbica e linda. 
A representação de Miranda, no entanto, impressiona pela riqueza de recursos expressivos que utiliza, sempre discretamente, em baixa definição e enfatizando os contrastes, como por exemplo, entre recato e sensualidade, ou timidez e franqueza. Note-se como ela vai mudando de voz ao longo filme, à medida que o uísque começa a mexer com suas cordas vocais.
Celebrizado por sua direção em “Dona Flor e seus Dois Maridos” (1976), Bruno Barreto é o campeão histórico de bilheteria no Brasil e talvez agora tenha a oportunidade de dar à luz uma mulher tão marcante e viva quanto Sonia Braga esteve na pele de Dona Flor. Melhor dizendo, quem sabe ele possa realizar o que imaginara para a cantora Leniza, mas que Betty Faria, apesar de ter atuado ali na contracena de Odete Lara, não atingiu plenamente em “A Estrela Sobe” (1974): uma figura vitoriosa de mulher que vence não apesar de suas fragilidades, mas por causa delas. 
Tal como uma dessas “Flores Raras” do título, isto é, as personagens centrais – no bojo do filme e no momento histórico que ele nos recorta: duas pessoas diametralmente diferentes e que, no entanto, só se realizaram em resultado do que uma fez pela outra. Mais ou menos como seria num jogo de Isolda sobrevivendo a Tristão, e vice-versa. Eis aí uma dificuldade do “cinema histórico” que Barreto enfrentou bravamente: na vida real, os relacionamentos não se mostram assim tão lógicos, mas na ficção é preciso aquele mínimo de coerência para atribuir sentido à narrativa e evitar que os espectadores se aborreçam. Ou seja, quanto mais complexo, original, diferenciado (e ainda assim, plausível e emocionante) seja o relacionamento dos amantes protagonistas, mais próximo ele estará da chamada “vida real”. Então, vejamos...
Bishop escrevia relativamente pouco, em termos de quantidade, e também não tinha uma legião de leitores, mas recebeu alguns dos prêmios internacionalmente mais significativos em sua época. Na qualidade de paisagista, por sua vez, Lota não foi reconhecida como alguns de seus colegas brasileiros, inclusive porque sua atividade nunca alcançou o prestígio da arquitetura e sempre foi confundida com arte decorativa, ou mera jardinagem. Sua obra, porém, transformou a fisionomia e, talvez a própria sensibilidade do povo carioca. O cronista Humberto Werneck cita um famoso escritor argentino que esteve no Rio de Janeiro em 1930 e afirmou que, apesar das praias, a cidade lhe parecia triste porque não tinha flores. “Dois milhões de habitantes e nenhum jardim, nenhuma flor!” – reclamava Roberto Arlt. Duas décadas depois disso, ainda faltava no Rio de Janeiro, um lugar como o Central Park de Nova York ou o parque Ibirapuera de São Paulo, ou seja, uma paisagem construída com plantas e flores, mas em escala monumental. 
Aquela foi a obra de uma vida e que até hoje não teve a distinção que merece. Instalado no aterro do Flamengo que, aliás, é o maior do mundo sua implantação foi contemporânea de Brasília e serviu de experimento para o modernismo nacional, contando com a colaboração de diversos artistas, como Roberto Burle Marx e Afonso Reidy. Outra questão colocada por Barreto, portanto, é o fato da cultura do país ser pautada por nosso esquálido mercado artístico, sem o necessário respaldo por parte da sociedade. Quando durante a ditadura, Lota pretendeu transformar a estrutura gestora do Parque do Flamengo em fundação, nos moldes das organizações sociais de hoje, foi demitida pelo governo militar.
Egressa do “primeiro mundo”, Elizabeth era, por outro lado, uma escritora de status proporcionalmente bem maior que o volume de sua produção. Ela chegou a dizer que não estava interessada num trabalho em larga escala, por não acreditar que algo precisasse ser grande para ser bom. Às vezes, ela demorava anos para terminar um poema. Curiosamente, coisa equivalente acontecia com Lota e seu Parque do Flamengo que é gigantesco e, no entanto, singular – dotado de uma impressionante unidade de estilo. Nesse sentido, ambas eram criadoras quase minimalistas, absolutamente distintas, mas igualmente dedicadas a um único trabalho. 
Atravessaram juntas as décadas de 1950 e 1960 e, portanto, viram nascer a bossa nova e viveram o Rio de Janeiro em seu momento mais esfuziante, circulando por lugares mágicos como Petrópolis e Ouro Preto. Duas mentalidades conflitantes, em trajetórias quase opostas e que, no entanto, se complementaram no campo da criação artística. Elizabeth não teria escrito os seus premiados livros sem o apoio afetivo e financeiro de Lota. E esta não obteria o estímulo que lhe deu Elizabeth, às vezes sob a forma de desafio, para concluir aquele imenso jardim do qual cuidava como se fosse um filho.
“Flores Raras” promove uma celebração à beleza, ao abrir espaço para a origem dessa obra de arte monumental que é o parque do Flamengo e para a feitura de pequenas filigranas verbais, como este poema que Bishop compôs sobre o xampu com que lavava cabelo da amada: “Em formação brilhante, para onde migram as estrelas cadentes em seu cabelo preto?” Além de simplesmente contar uma história, Barreto elabora signos cinematográficos de forte impacto, como a luz da lua capturada pelas altíssimas luminárias do Flamengo e o tanque de modelismo naval que povo da cidade transformou em campinho de futebol. Quem teve contato com essa mesma historia narrada no livro de Carmem Oliveira ou no teatro, num inesquecível monólogo de Regina Braga com direção de José Possi Neto, poderá ver o mesmo drama se transfigurando nessas diferentes linguagens. E perceber o talento de Bruno Barreto, que continua florescendo neste seu 19º filme. 

FLORES RARAS 
Brasil, 2013, 116 min., 14 anos
Distribuição: Imagem Filmes
estreia 16 08 2013
gênero drama/ história
Direção: Bruno Barreto
Com Miranda Otto, Gloria Pires e Tracy Middendorf
COTAÇÃO
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EXCELENTE

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Confirmado: "Vendo ou Alugo" prova que existe vida inteligente na comédia brasileira!

Ao receber um dos 12 prêmios que ganhou no festival de Pernambuco, entre os 14 que estavam em competição, a diretora Betse de Paula agradeceu a Oscarito e Grande Otelo – ícones da chanchada, como que invocando um parentesco com aquela tradição que, na época foi combatida pelos críticos porém, mais tarde, reabilitada. Teve gente que estranhou, porque “Vendo ou Alugo” não é musical e nem carnavalesco – ainda que tenha um gingado de malandragem que ajuda a fazer o seu encanto. Uma irreverência ao comentar a sociedade atual que lembra o teatro de revista e antigos programas radiofônicos, como “Balança Mais não Cai”. Ou seja, o filme reproduz o tom e o espírito daquele tempo em que se fazia graça com coisas sérias, porque afinal, as melhores piadas são para isso mesmo. 
Natalia Timberg é a viúva arruinada de um embaixador e vive num casarão carioca que era de luxo em meados do século passado e agora faz divisa com uma favela ocupada pelo tráfico e uma unidade pacificadora. Sua filha Marieta Severo ainda é chique, mas sobrevive de organizar festas e outros expedientes. A única saída é vender ou alugar o imóvel, mesmo que ninguém o queira – a não ser um pastor que enriqueceu não se sabe como e um francês que explora o turismo de risco. O filme é dirigido pela talentosa meio carioca meio brasiliense irmã de Marcos Palmeira e produzido por Marisa Leão, que tem se mostrado vitoriosa em praticamente todas as iniciativas – desde épicos políticos dos anos de 1980, como “O Homem da capa preta” e os blockbusters cômicos da atualidade, como “De pernas pro ar”. 
Desta vez a ousadia de Marisa é enfrentar as evidentes dificuldades de uma comédia montada sobre o movediço terreno dos indicadores sociais contemporâneos – como a violência urbana, que inclui a chamada guerra contra o tráfico – e construída a partir de personagens extraídos diretamente do mundo real e que, mesmo assim, são capazes de provocar o riso de qualquer um. Esta é, aliás, a essência das tradicionais chanchadas dos anos 1940 e 1950 que Marisa Leão recupera neste projeto do qual, sabiamente, ela participa também como roteirista junto com a diretora, para focalizar com o máximo de humor e senso crítico as encrencas de uma família de quatro mulheres interpretadas por Marieta Severo e Sílvia Buarque (mãe e filha na vida real), além de Natália Timberg e a jovem Bia Morgana (filha da diretora na vida real). Ou seja, temos sim vida inteligente na comédia brasileira. 
VENDO OU ALUGO 

Brasil, 2012, 88 min, 14 anos
estreia 09 08 2013

Gênero comédia/ social

Distribuição: Europa Filmes
Direção Betse de Paula
Com Marieta Severo, Marcos Palmeira, Natália Timberg
COTAÇÃO

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EXCELENTE