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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Cine PE - oportunidade de chegar perto de Paulo Vanzolini, no filme de Ricardo Dias

"Um Homem de Moral" é Paulo Vanzolini (nas fotos) e Ricardo Dias o diretor do documentário sobre o autor de "Volta por Cima", "Ronda" e "Boca da Noite". Entre as 52 canções que o zoólogo compôs, o filme apresenta 27, a maioria delas desconhecidas do público. Todas lindas e emocionantes, concebidas numa linha só dele, que se aproxima de Noel e Adoniran. Numa entrevista de arquivo, o criador de "Trem das Onze", declara que o Vanzolini faz música parecida com a dele, "só que mais fina e intelectual". A coluna mestra do documentário são as gravações dessas músicas, a cargo de diversos cantores. Alguns mais famosos que outros, como Chico Buarque, Paulinho da Viola, Miucha, Paulinho Nogueira, Martinho da Vila e Inezita Barroso. Mostra-se uma espécie de making of de cada uma e ouve-se o pensamento do compositor sobre elas, ou uma curiosidade que tenha acompanhado a sua concepção. Mas o que faz esse trabalho ultrapassar a dimensão de show musical ilustrado são as imagens que Ricardo Dias desenvolveu para comentar algumas delas, com destaque para fotografias inéditas de Thomas Farkas e surpreendentes sequências da cidade de São Paulo, mostrada pelo cinegrafista Carlos Ebert de angulos nunca antes revelados. O filme foi elaborado num período de 10 anos e representa uma oportunidade para entrar em contato direto com a poesia e a imaginação de Vanzolini.
Um Homem de Moral
documentário de Ricardo Dias
Brasil 2009
estréia 05/06/2009
Com Paulo Vanzolini, Chico Buarque,
Paulinho da Viola, Martinho da Vila

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Cine PE - começa bem o maior festival de cinema brasileiro, em termos de platéia

Há alguns anos, o formato de curta-metragem abrigava as idéias mais amplas e mais inovadoras. Talvez pela explosão do cinema digital, ou até pelo próprio amadurecimento do mercado de produção dos longas, os curtas foram perdendo aquele papel de carregar o estandarte da ousadia estética e da comunicabilidade com o público. Isso para dizer que, até agora, entre os vários títulos que se apresentam em Recife apenas dois se destacam. No primeiro dia de competição, "Blackout" de Daniel Rezende (o montador de Fernando Meirelles) traz a surpresa de uma narrativa em tempo real, num único e breve plano-sequência que alcança a proeza de dizer muito mais do que é exposto na tela. O artífice principal do filme é também um de seus intérpretes: o craque Cesar Charlone que fotografa para Fernando Meirelles. Outro elemento importante dessa pequena jóia em forma de cinema é o ator Wagner Moura, com a sua prosódia sempre irônica e colorida. Mas, o filme é tão curto que não permite uma descrição detalhada sobre a sua "trama", sob pena de revelar sacada final. E nem um comentário que corra o risco de se fazer mais longo que a obra comentada.

Blackout
2008 - Brasil - curta
Direção de Daniel Rezende
Com Augusto Madeira, Wagner Moura e Cesar Charlone

segunda-feira, 20 de abril de 2009

“Paulo Gracindo, o Bem Amado”: diversas vidas e estilos de viver numa só existência.

O documentário abre com material de arquivo, mostrando imagens de Maceió nos anos 20, sob uma narração em primeira pessoa. De início imagina-se que a voz seja do próprio Paulo Gracindo (1911-1995), mas, apesar da semelhança, logo se percebe que ela pertence a Gracindo Jr, o produtor e diretor do filme (foto abaixo). Essa confusão resultará até benéfica ao entendimento do documentário, porque, no meio dele o filho confessa que a sua persona por várias vezes se confundiu com a do pai. Além das ocasiões em que os dois viverem o mesmo personagem, como na novela “O Casarão” (1976), de Lauro Cesar Muniz, ao longo da carreira, o mais jovem precisou se esforçar para afirmar sua individualidade artística e definir-se como identidade autônoma, mais do que mera extensão do mais velho.
Entre os materiais brutos empregados na confecção deste memorial, encontra-se muita coisa de Paulo Gracindo interpretando direto para a câmera, como o poema “Cântico Negro”, de José Régio. Ou a canção “Não Quero Ver Você tão Triste Assim”, de Roberto Carlos, que recita em dueto com o cantor. E depoimentos bem escolhidos de observadores privilegiados da alma desse ícone da radiodifusão brasileira em sua empolgante trajetória: aqueles com quem contracenou, como Lima Duarte, José Wilker, Bibi Ferreira e Fernanda Montenegro. E aqueles que o dirigiram ou escreveram para ele: Daniel Filho e Arnaldo Jabor, além de outros diretamente do arquivo, como os geniais formatadores da teledramaturgia Walter Avancini e Dias Gomes.
É justamente nessa “escalação” de vozes que Gracindo Jr. voa mais alto do que a saudade pode nos conduzir, mostra um documentarista de verdade. Por exemplo: da entrevista com Mauro Alencar, estudioso apresentado como “doutor em teledramaturgia”, ele aproveitou apenas as falas em que aquele pesquisador se mostra um fã entusiasmado do intérprete de Odorico Paraguaçu, sem sombra de análises talvez semiológicas. E assim caminha o roteiro, fazendo interagir retalhos de lembranças emotivas, com informações preciosas sobre a história da radiodifusão no Brasil.
Sim porque, antes de brilhar nas novelas de TV e no teatro, nos anos 40, Paulo Gracindo foi apresentador de programas de auditório na Rádio Nacional (foto acima). Por meio desse personagem único e das imagens dos trechos selecionados de seu trabalho, percebe-se uma continuidade cultural e estética entre os dois veículos. Assim como se revela a severa ruptura tentada pelo cinema. Parece até que são atores diferentes: um nas novelas e outro nos filmes de Glauber Rocha, Leon Hirzman e Arnaldo Jabor.
Paulo Gracindo o Bem Amado
Brasil - 2007
Estreia 01/05/2009
Direção e Roteiro de Gracindo Jr
Documentário

sábado, 18 de abril de 2009

De Charlie Kaufman, “Sinédoque” quer dizer a parte pelo todo, ou vice-versa, tanto faz.

Charlie Kaufman não estava contente em ser apenas um dos roteiristas mais cultuados do cinema americano. Em filmes como “Adaptação”, “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, ou “Quero ser John Malkovich”, mostrava que sabia ser diferente da corrente principal que percorre as histórias criadas em Hollywood. Agora, pela primeira vez dirigindo o próprio roteiro, ele continua complexo, cerebral e diferente. Mas também um tanto prolixo e confuso. O título, por exemplo, era originalmente “Schenectady, New York”, cidade em que se passa a trama. Depois foi transformado em “Synecdoche, New York”, provavelmente só para parecer mais “chique”.
Nas seqüências iniciais, Kaufman ainda mostra certo controle, descrevendo com sarcasmo o lamentável casamento de um diretor teatral inseguro e hipocondríaco (Philip Seymour Hoffman) com uma pintora lésbica e mentirosa (Catherine Keener). O diretor ganha um polpudo prêmio em dinheiro e resolve montar uma peça de teatro que se propõe a ser mais realista que a própria vida. E a própria cidade em que vive começa a ser reproduzida dentro de um imenso galpão (foto abaixo), em que o espetáculo será encenado, numa montagem que leva 17 anos de preparação. Trajetória oposta, portanto, ao que de fato se propõe Lars von Triers em "Dogville" e "Manderlay", que expurga a cenografia da encenação.
Em seguida a narrativa começa a enveredar para o absurdo, estilo que sempre funciona mais no teatro que no cinema, com exceção de obras raras, como “O Processo” de Franz Kafka, dirigido em 1962 por Orson Welles. Ou do inesquecível “Os Manuscritos de Saragoça”, de 1965, do polonês Wojciech Has (Cracóvia, 1925 – 2000), baseado em livro de Jan Potocki. A estranheza começa a se manifestar pelo comportamento desumano dos diversos médicos que ele consulta, inclusive da psicanalista vivida com a ironia de sempre por Hope Davis. (foto abaixo)
A indeterminação se amplia com a (talvez) deliberada imprecisão dos índices de tempo ao longo do roteiro. O próprio protagonista, por exemplo, chega a dizer que sua filha tem apenas 4 anos, quando outro personagem lhe avisa que ela já está com 12. Pouca cenas depois, ela se encontra com a moça, aparentando bem mais de 20. Ocorre que esses elementos “estranhos” talvez só tenham sentido (ou sentido algum) para o próprio diretor-roteirista. Como por exemplo, a casa comprada pela bilheteira do teatro (Samantha Horton) que se encontra sempre pegando fogo, sem nunca se incendiar por inteiro. Independente de seus possíveis significados, esse tipo de simbologia não colabora para a fluência do roteiro e age como pedra nos sapatos de quem caminha por suas cenas.
Sinédoque, Nova York
Synecdoche, New York
2008 – EUA
Estreia 17/04/2009
Direção de Charlie Kaufman
Com Philip Seymour Hoffman, Samantha Horton,
Hope Davis, Catherine Keener, Jennifer Jason Leigh

“Presságio” vai além de mero filme-catástrofe e propõe uma experiência mística

Este é um filme difícil de ser comentado de modo analítico, sem que se revele ao leitor a surpresa que provoca em sua meia hora final. Pensando bem, no entanto, ele vale menos como espetáculo de suspense do que como exercício de construção ficcional de transposição de uma narrativa para outra, que flui de modo paralelo à original. Ou seja, como a curiosa e inventiva elaboração de uma paródia, no sentido nobre da expressão, que vem do grego clássico: uma “ode paralela”.
Trata-se de uma produção complexa, cara e ambiciosa, dirigida pelo mesmo Alex Proyas, que em 2004 fez “Eu, Robô”, baseado no célebre livro de Isaac Asimov. Afastada a cautela inicial, adianto que o texto aqui parodiado é o Apocalipse de São João, associado ao livro de Ezequiel, do Antigo Testamento, tal como foi interpretado pelo orientalista Michael S. Heiser. Segundo ele, a célebre roda vista pelo profeta Ezequiel era uma espaçonave e os seres que nela navegavam eram querubins, isto é, anjos do céu. No filme (fotos acima e abaixo), eles lembram os anjos de Wim Wenders (“Asas do Desejo” – 1987), antes de se revelaram como seres de pura luz.

Na trama, Nicolas Cage é um viúvo, professor de astrofísica que, logo de início, vemos discutindo com os alunos sobre o que chama de "determinismo" em confronto com o "acaso", como elemento gerador da vida humana. E declara não acreditar no criacionismo, ou seja, na idéia de que o áparecimento do universo seja fruto da vontade divina. Admite a possibilidade de vida em outros planetas, mas garante ao filho de oito anos que, no espaço celeste, só existem as estrelas. Não o paraíso, onde o garoto supõe que sua falecida mãe se encontre.
O menino estuda numa escola em que, há 50 anos, os alunos enterraram uma “cápsula do tempo”: uma caixa de metal contendo desenhos referentes ao que eles imaginavam para o futuro, que é hoje o nosso tempo presente. Mas uma das crianças preencheu a página apenas com números referentes às datas, os locais e a quantiade de pessoas mortas nas catástrofes acontecidas aconteceram nas últimas cinco décadas. Ele conclui que algumas das tragédias previstas no documento (foto acima) ainda não ocorreram e que o planeta será destruído em poucos dias.
Apesar dessa história parecer um enredo de ficção científica, é toda construída sobre temas teológicos, como o do Juízo Final. Quem decidir partilhar dessa experiência mística com os personagens verá que a trama parece colocar em discussão a questão do processo de “eleição” daquelas almas a serem salvas e, portanto, merecerem a vida eterna no paraíso divino.
Os personagens de "Presságio" são todos pessoas de bem, honestos e bem intencionados. Mas apenas alguns, pouquíssimos serão escolhidos pelos enviados celestiais. Aos demais (fotos abaixo), caberá perecer sob as bestas do apocalipse, numa triste antecipação do inferno. Como se os roteiristas, tivessem consultado o seguinte trecho da Bíblia:

Somos salvos pela misericórdia de Deus; não por obras ou qualquer outra coisa que fizermos para merecer a salvação (Tt 3.5; Ef 2.8,9). Até a fé mediante a qual recebemos a salvação, vem de Deus. Portanto, nem igreja, nem batismo, nem conduta ou qualquer outra coisa pode salvar o homem.”
Os eventos finais dão continuidade à discussão acima citada do professor com os alunos sobre a idéia de “pré-determinação”, em contronto com a de “livre-arbítrio”: Santo Agostinho versus São Tomás de Aquino. Mas há aínda uma surpresa nas cenas derradeiras, protagonizadas pelo filho do professor (foto abaixo). Elas vem acompanhadas de uma breve e comovente defesa sobre a "comunhão dos espíritos", que os católicos designavam pela palavra grega “koinonia”. Encerro por aqui, para não ser acusado de “spoiler”, por qualquer comentário a mais. Poderei externar a minha visão a respeito, numa resposta a quem se manifestar no blog.

Presságio
Knowing
2008 – EUA
estreia 10/04/2009
Direção de Alex Proyas
Com Nicolas Cage, Rose Byrne,
Adrienne Pickering, Nadia Townsend

domingo, 12 de abril de 2009

“Tony Manero”, o personagem de Travolta vira título de filme chileno premiado.

Na pele do personagem Raul Peralta, o ator e co-roteirista Alfredo Castro evoca a máscara de Al Pacino, quando encarna perdedores como em “Donnie Brasco”. Também lembra um pouco Paulo Villaça, em “O Bandido da Luz Vermelha" e Jesse James Costa, em “Jogo Duro”, que Ugo Georgetti fez em 1985. Além da semelhança física, o mesmo e desesperado vazio no olhar, a mesma fusão de opostos no rosto enrugado − frieza e fragilidade, timidez e crueldade. A cena traz Santiago do Chile em 1978, quando Pinochet tiranizava o país, enquanto John Travolta estourava nas bilheterias com “Embalos de Sábado à Noite”, interpretando Tony Manero, o latino desempregado e ignorante que triunfava nas discotecas de Nova York. Já com 52 anos, Raul treina para vencer um concurso de TV imitando a dança de Travolta e tornar-se o “Tony Manero nacional”. Essa meta seria até simpática, pelo seu aspecto ingênuo e artístico, não fosse o dançarino uma figura sinistra, capaz de assassinar uma velhinha, só para roubar um aparelho de TV.
Numa entrevista para O Estado de São Paulo, o diretor Pablo Larraín se mostra bravo com os críticos que reclamaram da ausência de fundamentação psicológica para o personagem. Defende-se com um clichê revelador dos fundamentos ideológicos da elaboração do roteiro, tachando o ataque de “leitura burguesa” do filme. O protagonista foi construído mais ou menos como se faz atualmente nas graphic novels em quadrinhos, nas quais não há tempo e nem espaço para aprofundar as origens e intenções dos personagens. Lacônico, quase como uma figura de cinema mudo, ele se define pela ação e, assim, adquire um valor quase alegórico. Representa o povo do Chile no que ele tinha de pior, aceitando a passivamente a ditadura e assimilando com voracidade as mercadorias produzidas pela indústria da cultura norte americana, como o blockbuster com Travolta (na foto abaixo). Simboliza toda uma nação colonizada e embrutecida, que se entrega aos milicos e aos sonhos de consumo destinados à manutenção do sistema.

Esperamos que essa linguagem típica dos primeiros discípulos da Escola de Frankfurt esteja mais ao agrado de Dom Pablo Larraín. Com os prêmios obtidos por “Tony Manero”, o segundo título da sua curta carreira na direção, ele deve estar almejando um posto na nomenclatura internacional do cinema – ainda que o seu primeiro filme (“Fuga” – 2006) também não tenha sido aprovado plenamente pela crítica chilena. Somente o ator Alfredo Castro foi elogiado sem restrições. Apesar de sua intensa atuação em teatro, ele é cinematograficamente perfeito, trabalhando com concisão e economia de recursos. Tome-se como exemplo a cena em que ele se inscreve no concurso da TV e sufoca de vergonha ao confessar sua idade e a situação de desempregado. Dá até raiva, mas, naquela passagem a excelência do intérprete nos obriga a sentir compaixão por aquele repulsivo assassino, sem qualquer caráter, uma versão maligna e vampiresca de Macunaíma.

Tony Manero
Tony Manero
2008 – Chile / Brasil
Estréia 10/04/2009
Direção Pablo Larraín
Com Alfredo Castro, Amparo Noguera,
Héctor Morales e Paola Lattus

sábado, 11 de abril de 2009

"Evocando Espíritos” é mais um exemplo da velha receita da casa mal assombrada

O título original é “The Haunting in Connecticut”, que quer dizer “A Assombração em Connecticut”. Porém, o título brasileiro para o filme ficou “Evocando Espíritos”, revelando a intenção de vender essa história de fantasmas numa casa mal assombrada como se fosse uma narrativa ligada ao espiritismo. Talvez o autor do título estivesse pensando no verbo invocar, que se refere a práticas mágicas, mas preferiu evocar, quem sabe para parecer mais poético, ainda que signifique “trazer à lembrança”. No presente momento, proponho evocar o “espírito do capitalismo”, estudado por Max Weber em “A Ética Protestante...” (1904). Naquela obra, o sociólogo explicava que a racionalidade ética dos puritanos foi historicamente essencial para o desenvolvimento do sistema. Ou seja, que a honestidade e a transparência dos negociantes eram condições básicas para um bom negócio. Este lançamento, aliás, será um empreendimento ambicioso, com 150 cópias, provavelmente na intenção de repetir as emblemáticas proezas nas bilheterias de “Ghost – Do outro Lado da Vida” (1990) e “Bezerra de Menezes” (2008) – o que não parece completamente honesto.
A história mistura bruxaria com espiritismo que, na verdade, são práticas incompatíveis. Ainda que isso não aconteça por culpa do roteiro, mas de um determinado personagem maligno, o suspense do filme até se beneficia dessa confusão, sem oferecer qualquer esclarecimento a respeito. Poderão dizer que não se usa nota de rodapé em cinema, mas isso não é bem verdade: antes dele começar, lemos a fatídica frase “baseado em fato real” sobre a tela negra. E ao final, entremeada aos créditos de encerramento, desfila uma série de imagens em branco e preto focalizando alguns locais vistos no filme, dando a impressão de “fotos jornalísticas”. No entanto um poderoso médium, chamado Google da Internet, não registra qualquer “fato real” que tenha inspirado a trama. Mesmo que a cidade de Southington, onde ela se ambienta, seja famosa na área pelos abundantes relatos de fantasmas assombrando os vivos a torto e a direito.
A empulhação mais grave cometida por “Evocando Espíritos”, entretanto, é tentar vender uma história mofada como se fosse inédita e "real". Levante a mão quem ainda não viu filme de horror com família comum se mudando para uma casa velha, sem saber que lá aconteceram crimes hediondos e, menos ainda, que as almas penadas das vítimas reclamam vingança do além. Ou do fundo porão, onde preferem se esconder para infernizar mais à vontade os pobres mortais, na calada da noite, ou quando estão no chuveiro. (ver a foto do alto) Sim, igualzinho àquela famosa cena de “Psicose”, um milhão e meio de vezes já citada.

Evocando Espíritos
The Haunting in Connecticut
2009 - EUA
estréia 17/04/2009
Direção de Peter Cornwell
Com Virginia Madsen, Amanda Crew,
Kyle Gallner e Elias Koteas

quinta-feira, 9 de abril de 2009

"O Equilibrista” conquistou o Oscar de documentário de longa metragem em 2009

Em 7 de agosto de 1974, aos 23 anos, o equilibrista francês Philippe Petit atravessou a distância de 80 metros que separava as Torres Gêmeas de Nova York andando numa corda bamba pendurada entre os prédios. Foi e voltou oito vezes, rindo e cantando, até ser capturado, preso e expulso do país, por ter cometido o chamado “crime artístico do século”. Foi uma proeza admirável, realizada sem qualquer proteção, ou rede de segurança, a 400 metros acima do asfalto, que talvez não tivesse merecido um filme de longa metragem para documentá-la, não fosse o triste destino do World Trade Center. Em plena crise do Watergate, com o mundo político ardendo em escândalo, quem prestaria atenção num maluco europeu enquanto ele se infiltrava, sem ser visto, na vigiada torre sul do WTC, carregando um cabo de aço de 60 metros e um pesado equipamento para fixá-lo? E, depois, transportando esse cabo pesando 200 quilos até o terraço, 28 andares acima do 82º andar. Chegando lá, ele precisaria lançar o cabo para a outra torre e amarrar bem, para tensioná-lo e compensar o vento e a oscilação dos prédios. É, sem dúvida, uma história mirabolante e seu protagonista um personagem único, simpático e comunicativo, que se encarrega de narrar toda a aventura encarando a câmera.
O filme levou o Oscar 2009 de melhor documentário porque o diretor James Marsh encontrou o tom exato para contar o caso: uma bem humorada e explícita paródia de documentário policial mostrando o processo de planejamento e execução de um crime. E porque soube costurar a descrição dos fatos com uma elegante trilha sonora e momentos de puro suspense e poesia. À falta de um material de arquivo com a qualidade visual à altura do projeto, Marsh produziu seqüências de “reconstituição”, em branco e preto, bem granuladas, com razoável poder de convencimento. A namorada do herói e seus demais parceiros do empreendimento são chamados de “cúmplices” e oferecem depoimentos para a câmera – todos sem sal ou qualquer interesse. Mas essa falta de tempero fica compensada pelo talento histriônico de Philippe Petit (na foto acima) que, dias após o evento, fora totalmente esquecido pela mídia, ofuscado pela renúncia de Nixon. Transformado em elemento integrante da memória do WTC e já passados sete anos da tragédia que o destruiu, ele nos oferece a oportunidade de uma lembrança quase cômica, alegre e entusiasmada das extintas Torres Gêmeas de Nova York.
O Equilibrista
Man on Wire
2008 - Inglaterra
estréia 09/04/2009
Direção James Marsh

domingo, 5 de abril de 2009

Documentário de animação, "Valsa com Bashir" faz poesia com uma narrativa militar

O israelense Ari Folman faz com este filme o mais eloqüente protesto cinematográfico contra a política militar de seu país. Não porque tenha reproduzido argumentos ou fatos mais contundentes daquilo que lemos diariamente nos jornais. O que impressiona é o efeito produzido pela maneira como ele constrói o discurso, ou seja, uma narrativa em primeira pessoa e acima de tudo poética. Pertence ao gênero documentário, mesmo sendo uma obra de animação, como “Dossiê Rê Bordosa” de Cesar Cabral, ou o curta-metragem “Ryan” de Chris Landreth – que apesar de feito em 2004, só assisti recentemente numa aula com Fernão Ramos – e que me parece o melhor exemplo nessa linha de espetáculo.
Em todos esses casos, o material filmado nos depoimentos e entrevistas foi trabalhado com animação. Nas palavras do autor de Mas Afinal... O que é o Documentário? “à manipulação digital sobrepõe-se a figuração perspectiva da imagem-câmera, sem que a dimensão de presença em tomada seja extinta”.
Manteve-se o áudio, mas o componente visual é todo desenhado conforme um determinado estilo gráfico. Neste caso, uma espécie de hiper-realismo, com iluminação por vezes expressionista, como pode-se notar nestas imagens. Ainda assim, permanece a sensação de que acompanhamos uma investigação, incluindo o confronto entre entrevistador e entrevistado .
Dessa forma, o texto de uma determinada entrevista pode ser “ilustrado” com imagens desenhadas. Estas provocam impacto de grande intensidade porque, apesar de funcionando aqui como entrevistador, o próprio cineasta /investigador esteve presente aos acontecimentos descritos verbalmente pelo entrevistado /testemunha.
A proposta do filme é esta: Ari Folman não consegue se lembrar do que aconteceu numa determinada missão da qual participou durante a Guerra do Líbano, em 1982, quando Israel invadiu aquele país para atacar a OLP. Os companheiros da época informam que naquele dia um determinado campo de palestinos, repleto de idosos, mulheres e crianças, foi exterminado. Mas eles mesmos, afirmam, não estiveram envolvidos na ação de modo direto. Um deles se protege por trás da idéia, aliás, magnificamente animada, de que “a memória é plástica” e sempre é redesenhada a cada vez que recorremos ao nosso arquivo de lembranças visuais. Cada vez mais confuso e insatisfeito, o diretor entrevista todos os ex-companheiros, além de psiquiatras, ex-combatentes e até um correspondente de guerra que tinha filmado o massacre.

A imensa diversidade dessas gravações pode ter levado à idéia de uniformizar o componente visual do filme por meio do desenho. Nesse caso, teríamos um procedimento meramente cosmético, destinado a dotar o filme de unidade visual. Mas o resultado final tem a estatura de um cruel poema épico, porque a narrativa descreve uma procura, cuja linearidade é sempre interrompida por intervenções que pontuam o seu ritmo, como canções, sonhos, alucinações e encontros periódicos com os ex-colegas de batalha. O que dizer da Valsa Número Seis de Chopin, como fundo musical para um tiroteio? Como dissera Tzvetan Todorov sobre o Santo Graal das novelas medievais, a investigação de Folman é “a busca da própria narrativa”. Quem assistir ao filme entenderá o que estou dizendo. Mas só nas últimas sequências, quando então as imagens assumem outro registro.
Valsa com Bashir
Waltz with Bashir
Estreia 03/04/2009
Direção de Ari Folman
Israel/Alemanha/França/EUA - 2008

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Em "Moscou", o documentarista Eduardo Coutinho propõe outro jogo de cena

Eduardo Coutinho só tinha 21 dias para rodar um longa-metragem. Decidiu, então, documentar o que um grupo de teatro de larga experiência cênica e profissional poderia fazer com o texto teatral "As Três Irmãs" de Tchekhov, naquele período de três semanas. Para tanto, os atores só souberam qual seria o texto no primeiro dia de filmagens. Coutinho teve o cuidado de deixar claro que estava interessado naquela experiência e não numa montagem acabada. Queria observar o caminho e não na chegada em si. Pode não ter sido exatamente esta a intenção do documentarista. Mas é, de fato, tudo o que vemos em "Moscou", seu último trabalho, programado para lançamento nos cinemas em julho próximo: a câmara acompanha os mineiros do Grupo Galpão, fundado há 25 anos, nesta ocasião dirigidos por Enrique Diaz. O resultado é um apanhado de fragmentos dos workshops, laboratórios, improvisações e ensaios de uma peça que talvez nunca seja encenada e apresentada ao público. Este é o 11º longa-metragem de Eduardo Coutinho, autor de "Cabra Marcado para Morrer" (1964-1984), "Santo Forte" (1999), "Edifício Master" (2002), "Peões" (2004) e "O Fim e o Princípio" (2005).

Às vezes, os exercícios se mostram surpreendentes, provavelmente para os que não se acham familiarizados com as rotinas de preparação dramática para o palco. Algumas falas ditas pelos atores olhando para a câmara, parecem depoimentos ou entrevistas - que são recursos estilísticos e táticos típicos do gênero documentário. São, no entanto, apenas exercícios em que os intérpretes procuram elementos para construir os personagens dentro de seus estoques pessoais de lembrança afetivas. Na maioria das tomadas, nada acontece de intenso ou extraordinário. Nenhuma revelação ou olhar inusitado sobre a aventura da encenação dramática, da imitação poética da existência, ou da plasticidade da memória, como vimos em "Jogos de Cena" (2007). Quem esperar de "Moscou" um espetáculo daquele nível pode se decepcionar.