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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Além de patrícios, o cineasta Michael Haneke e o ator Chistoph Waltz são parentes?

Minha amiga Maria Alice Rufino descobriu na internet um insuspeitado "parentesco", ou pelo menos uma ligação familiar concreta entre o cineasta Michael Haneke e o ator Chistoph Waltz -- ambos austríacos já premiados no Globo de Ouro e prestes a abocanhar o Oscar. Ainda que cidadão da Áustria onde foi criado, Haneke nasceu em Munique, na Alemanha. Ele é filho do ator e diretor alemão Fritz Haneke e da atriz austríaca Beatrix von Degenschild.
É por meio dela que se estabelece essa remota, mas efetiva, relação de família com Waltz. Em seu segundo casamento, o compositor Alexander Steinbrecher (Áustria, 1910 - 1982) foi casado com a atriz Degenschild. Depois que ela faleceu, ele se casou com Elisabeth Urbancic, que vem a ser a mãe de Waltz. Em suma, Michael e Christoph tiveram o mesmo padrasto, que foi Alexander Steinbrecher. (foto abaixo)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Em "Lincoln", Spielberg descreve e discute a formação da república norte-americana


A maioria dos candidatos ao Oscar de melhor filme se acha ofuscada diante da magnitude de “Lincoln”, de Steven Spielberg. Não é uma produção típica do diretor, como foram os recentes “Cavalo de Guerra” e “As Aventuras de Tin Tin” – obras voltadas prioritariamente para o entretenimento. Trata-se de um projeto dedicado à ampliação do conhecimento acerca da história e da política e que dá oportunidade para um grande ator exercitar como poucos a sua arte dramática: Daniel Day Lewis (“Sangue Negro”, 2007) simplesmente se anula como pessoa, para interpretar esse que foi o mais querido e respeitado presidente dos Estados Unidos, aquele que aboliu a escravidão no país. A caracterização impressiona pelo uso simultâneo de todos os recursos disponíveis para o intérprete: da voz ao olhar, da postura física e gestual ao estilo de discurso. 
Ele não fazia o menor esforço para encantar as plateias e parecia não possuir qualquer carisma. E Lewis consegue provar que essa era a sua maneira de ser carismático e seduzir as massas. Tinha predileção por parábolas que, se diferenciavam das de Jesus por serem todas de cunho político. Como o caso do papagaio que todo dia grasnava que o mundo ia acabar. Até que dono deu-lhe um tiro e, pelo menos para ele, a profecia se concretizou. 
Diferente da nossa princesa Isabel que só precisou de uma canetada para resolver a questão, Abrão Lincoln enfrentou uma longa batalha parlamentar para que os deputados votassem o fim da escravatura. O filme reconstitui esse processo, junto com o final da sangrenta guerra da Secessão e se resume a uma série de articulações e debates no plenário da Câmara dos Representantes. 
Interpretada com excepcional garra e entusiasmo, a primeira dama ficou a cargo de Sally Field (“Brothers & Sisters” – 2006, “A Noviça Voadora” – 1967). Ela funciona quase como um alter-ego do protagonista, sempre mergulhada numa mistura de sentimentalismo e intuição, contrastando com a moralidade de Lincoln, esculpida no mármore da ação racional. O roteiro é cirúrgico em sua proposta de colocar em discussão os mecanismos pelos quais caminha a história, entre eles os meandros da ética, nessa atividade em cujo cotidiano sempre existiu o chamado “toma lá, da cá”, ou seja, o jogo de interesses. Spielberg questiona, por exemplo, até que ponto teria sido lícito oferecer cargos públicos em troca de votos pelo fim da escravidão. E o presidente se questionava se seria legítimo abolir a instituição do escravismo antes do fim da guerra civil. A cena em que ele explicita as suas próprias incertezas para o seu gabinete é o momento central do espetáculo.


LINCOLN 
EUA, 2012, 153 min, 10 anos.
estreia 25 01 2013
gênero drama/ história/ política
Distribuição Fox Film
Direção Steven Spielberg

Com Daniel Day Lewis, Sally Field, 

Joseph Gordon-Levitt, Tommy Lee Jones 

COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO




terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Duelo de beldades em clássico da comédia italiana: "A Bela Moleira" de Mario Camerini.


Lançado em DVD pela Versátil um clássico absoluto da comédia italiana: “A Bela Moleira”, de 1955, com Sophia Loren, Marcelo Mastroiani e Vitorio De Sica, que desta vez não é o diretor do filme. A direção ficou a cargo do célebre Mario Camerini que tinha acabado de dirigir “Ulisses” com Kirk Douglas. O ponto de partida desta comédia foi um roteiro que ele mesmo já tinha filmado 20 anos antes, baseado num romance realista do espanhol Pedro Antonio de Alarcón: “O Chapéu de três as Pontas”.
A história se passa em meados do século XVII, quando a cidade de Nápoles pertencia à monarquia espanhola. No ponto mais alto de sua veia cômica como ator, De Sica faz o papel de um governador espanhol que se aproveita do cargo para tentar conquistar as mulheres mais bonitas da região. Entre elas a esposa de um moleiro, interpretada por Sophia Loren, no auge de seus encantos femininos.
Por causa dela e das inevitáveis fantasias masculinas, o moleiro passa a ser muito bem tratado por toda a elite local e chega até a ser desobrigado de pagar os impostos abusivos instituídos pelo governo ibérico. Pagava-se inclusive imposto sobre a chuva, mesmo que ela não caísse. Esse moleiro, porém, é encarnado por Marcelo Mastroiani, um jovem brioso e de sangue quente, que para lavar a sua honra, decide seduzir a esposa do próprio governador, vivida por Yvone Samson (abaixo), uma atriz grega tanto ou mais bonita do que a própria Sophia Loren, como podemos avaliar na foto abaixo. Nos  Estados Unidos, o filme condenado pela Legião Católica pela Decência e talvez por isso – mesmo com as belas imagens em Tecnicolor e Cinemascope, numa requintada reconstituição de época produzida por Dino de Laurentis – “A Bela Moleira” não obteve o sucesso de público que merecia.
A Bela Moleira
La Bella Mugnaia
lançamento 1955
gênero comédia /história
Distribuição Versátil
Direção Mario Camerini
Com Sophia Loren, Marcelo Mastroiani e Vitorio De Sica
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Já com a Palma de Ouro, "Amor" de Haneke tem duas chances de levar também o Oscar


Na disputa do Oscar, “Amor” do austríaco Michael Haneke concorre ao mesmo prêmio em duas categorias: a de melhor filme estrangeiro e a de melhor filme de modo geral. Assim como os atores Cristoph Waltz e Arnold Schwarzenegger, ele é austríaco, mas o filme é francês, rodado em Paris e estrelado por Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, com Isabelle Huppert – todos igualmente franceses. Aos 70 anos, Haneke conquistou o status de um dos mais importantes cineastas da Europa, após a aprovação quase unânime de obras como “A professora de piano” (2001), “Caché” (2005) e “A Fita Branca” (2009) – todos premiados no Festival de Cannes, tendo este último recebido a Palma de Ouro que, aliás, em 2012 foi para este “Amor”, agora em cartaz no Brasil. De modo que Haneke já coleciona duas Palmas de Ouro, o que é um triunfo excepcional no mundo do cinema. 
Na ficha técnica do filme, a equipe mais numerosa é a do departamento de arte, que montou o apartamento em que se passa praticamente o filme inteiro, sob o comando de Susan Haneke, esposa do diretor. Ele mesmo declarou que a proposta era reproduzir em essência o local em que seus pais viveram. Eles que foram artistas de teatro e cinema passaram pela mesma dolorosa situação narrada pelo filme e, portanto serviram de referência para o roteiro. Um casal de octogenários acometido pela presença da morte – para a qual, apesar de inevitável, nem os mais idosos se acham preparados. 
Como sempre acontece no cinema de Haneke, o trabalho de câmara e iluminação é soberbo, ao integrar com precisão os detalhes da cenografia aos pormenores dramáticos que marcam a evolução dos personagens. Dentre as atuações, destaca-se a de Trintignat como protagonista e responsável por exprimir em seu olhar desesperado toda a aflição de ver como a vida se faz mais curta ainda, diante de um longo e verdadeiro amor. Um filme ao mesmo tempo sensível e impiedoso, que deveria ser proibido para maiores de 70 anos. 
AMOR 

Amour 
França/Alemanha/Áustria, 2012, 127 min, 14 anos
estreia 18 01 2013
gênero drama
Distribuição Imovision
Direção Michael Haneke
Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

Lançamentos em cinema: 18 de janeiro de 2013



Dois dos melhores filmes do ano são lançados nesta semana de janeiro. Os dois concorrem ao Oscar e certamente receberão prêmios dos mais importantes. São eles AMOR de Michael Haneke, obra já premiada com a Palma de ouro em Cannes, e DJANGO LIVRE de Quentin Tarantino, provavelmente o melhor trabalho em toda a carreira de Tarantino, melhor até do que o seu recente e sensacional “Bastardos Inglórios”, com o qual ele concorreu a oito Oscars em 2009, mas só ganhou um: o de coadjuvante para Cristoph Waltz. Agora esse prodigioso ator germânico interpreta um dentista alemão que se dedica ao ofício de caçador de recompensas, no oeste dos Estados Unidos às vésperas da Guerra de Secessão. Mas o protagonista é Django, interpretado por Jamie Foxx, um escravo que se torna um pistoleiro. O vilão é Leonardo Di Caprio.
AMOR é um drama inspirado na vida dos pais do diretor. Eles foram artistas de teatro e cinema que passaram pela mesma dolorosa situação narrada pelo filme. Um casal de octogenários acometido pela presença da morte – para a qual, apesar de inevitável, nem os mais idosos se acham preparados. É triste, mas é uma inquestionável obra prima.
Há também animação SAMMY – A GRANDE FUGA feito na Bélgica onde há uma forte tradição de HQ. Mas o filme parece uma versão aquática de “Madagascar”, em que os habitantes de um aquário resolvem fugir para voltar ao oceano.
Há ainda o descartável O ÚLTIMO DESAFIO com Rodrigo Santoro (abaixo) numa ponta e Arnold Schwarzenegger, no papel de uma xerife do interior que é levado a enfrentar um super criminoso. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

“Django livre” de Tarantino uma sofisticada estilização do "espaguete western"


Entre os concorrentes ao Oscar de melhor filme, está “Django livre”, de Quentin Tarantino, obra que se revela até superior ao empolgante “Bastardos Inglórios”, com o qual ele concorreu a oito Oscars em 2009, mas só ganhou um: o de coadjuvante para Cristoph Waltz. Agora esse prodigioso ator germânico interpreta um dentista alemão que se dedica ao ofício de caçador de recompensas, no oeste dos Estados Unidos às vésperas da Guerra de Secessão. Ou seja, numa atividade típica do faroeste, vive de eliminar bandidos procurados “vivos ou mortos”. Exercitando uma comicidade verbal ainda mais afiada que no filme anterior, seu lema é “flesh for cash” (“carne por dinheiro”) e sua personalidade é uma mistura de cinismo, crueldade, frieza e cultura. 
É no exercício dessa sangrenta ocupação que ele liberta o escravo Django interpretado por Jamie Foxx e o transforma em seu parceiro de trabalho. Este o convence a procurar e resgatar a sua amada, vivida por Kerry Washington, com quem Foxx contraceou em “Ray” (2004). Ela é escrava de uma fazenda que pertence ao personagem de Leonardo di Caprio – excelente no papel de um repulsivo latifundiário do sul, que tem como homem de confiança um escravo bajulador e sem caráter, desenhado com perfeição por Samuel L. Jackson. 
Numa entrevista recente, o cineasta Werner Herzog declarou que é possível fazer um filme sobre a ópera, mas não usar a linguagem operística no cinema. Tarantino, porém, prova que o autor de “Fitzcarraldo” (1982) não tem totalmente razão e, por meio desse casal de escravos, ele faz da lenda germânica de Sigfried e Brunhilde a espinha dorsal do filme e uma referência à ópera de Wagner. Nesse sentido, ele se esmera nas entradas triunfais dos heróis, carregando nas emoções da trilha sonora e na câmara lenta. 
O filme poderia ser visto como uma paródia de "espaguete western", mas na verdade é uma estilização, assim como "Crime e castigo" de Dostoiévski foi para a lineatura policial popular. Tarantino continua sendo o mestre dos diálogos e das situações desconcertantes, tanto para o público quanto para os personagens. Marcas de seu estilo, o humor e a ironia servem aqui para enfatizar a desumanidade da escravidão. Se o tema de “Bastardos Inglórios” era basicamente a vingança, “Django livre” fala de justiça social. 
DJANGO LIVRE 
Django Unchained
estreia 18 01 2013
gênero faroeste/ história/ social
EUA, 2012, 165 min, 16 anos
Distribuição Sony Pictures
Direção Quentin Tarantino
Com Cristoph Waltz, Jamie Foxx, 
Leonardo Di Caprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO


domingo, 13 de janeiro de 2013

“As aventuras de Pi” de Ang Lee se baseia em história escrita pelo brasileiro Moacyr Scliar.


Entre filmes que concorrem ao Oscar 2013, já está em cartaz “As aventuras de Pi”, dirigido pelo chinês Ang Lee, de “O Segredo de Brokeback Mountain (2005) com o qual ganhou o Oscar de melhor direção. Novamente, temos um caso de que o espetáculo como um todo, mesmo de excelente nível, se mostra menos marcante do que a direção. Ou seja a história é modesta em termos de dramaturgia, mas o trabalho de realizar o filme é tão impressionante que concorre a 11 prêmios. O enredo se resume ao naufrágio de um navio, no qual um menino indiano se salva, permanecendo semanas num bote salva-vidas. Mas acontece que o navio transportava os animais de um zoológico inteiro e o rapaz teve que dividir o barquinho com uma hiena, uma zebra, um orangotango e um tigre de bengala. 
O roteiro é uma adaptação de uma novela do espanhol Yann Martel que declarou ter se inspirado no livro “Max e os Gatos” publicado em 1981 pelo brasileiro Moacyr Scliar, no qual um refugiado judeu alemão atravessou o oceano Atlântico num barquinho, ao lado de um jaguar. Além de contornar com maestria as tremendas dificuldades de filmar com veracidade essa trajetória, Ang Lee construiu um poema visual repleto de simbolismos e com uma beleza plástica de grande impacto. É quase unânime a interpretação pela qual o jovem Pi representa todos nós, que para enfrentar as forças da natureza, só dispomos de um conhecimento infinitamente menor do que elas.
AS AVENTURAS DE PI 

Life of PI 
EUA, 2012, 129 min, Livre
estreia 21 12 2012 
gênero aventura /fantasia
Distribuição: Fox Filmes

Direção: Ang Lee

Com Tobey Maguire, Irrfan Khan, 
Gérard Depardieu, Suraj Sharma
COTAÇÃO
* * *
B O M

domingo, 6 de janeiro de 2013

Seria Kleber Mendonça Filho, de "O som ao redor", o Eisenstein pernambucano?

Após aquela parada para ver o ano passar, voltamos falar do melhores filmes em cartaz. Na primeira semana do ano já estreia um dos títulos brasileiros mais comentados do momento: "O som ao redor", do pernambucano Kleber Mendonça Filho (acima), até agora conhecido como um dos críticos mais sérios de Recife. Ele aparece nesta foto imitando o mestre Sergei Eisenstein (abaixo) na célebre pose da mesa de edição, nos anos de 1930. O filme de fato segue à risca os preceitos de montagem estabelecidos pelo autor de "O Couraçado Potemkim", em especial aqueles que se referem ao som e que somente com a tecnologia atual é possível colocar em prática por inteiro.
Entre vários festivais no Brasil e no exterior, o filme foi premiado na Dinamarca no "New Talent Grand Pix" de 2012. No site do evento, Kleber é chamado de um "Jack-of-all-trades", por acumular as atividades de diretor, crítico, professor, produtor e organizador de festivais. Essa expressão designa um personagem de fábula infantil notável pela sua versatilidade e malandragem, sendo conhecido no Brasil como João do Pé de Feijão. Nos quadrinhos, é atualmente uma das figuras mais populares da série de graphic novels "Fábulas", criada por Bill Willingham. (imagem abaixo)

2013 se inicia com um grande filme brasileiro: “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho


Houve época em que os filmes brasileiros se dividiam em duas categorias: urbanos e rurais. De modo geral, aqueles ambientados no campo concentravam-se nas questões sociais, enquanto os situados em cidades privilegiavam os temas de cunho psicológico ou existencial. Em seus primeiros anos, inclusive, a maioria dos projetos do cinema-novo focalizava o interior do país. Essa fronteira, entretanto, vem sendo retomada pelo cinema pernambucano em obras que demonstram a intenção de questioná-la. É o que vimos claramente, por exemplo, em “Árido Movie” (Lírio Ferreira - 2005) e “Viajo porque preciso e volto porque te amo” (Karim Aïnouz e Marcelo Gomes – 2009). E veremos em “Boa Sorte, meu Amor” (Daniel Aragão – 2012) e em “Eles Voltam” (Marcelo Lordello – 2012). Propositalmente ou não, cineastas como estes parecem apontar para o fato de que, concretamente, na história do nordeste e do país com um todo, litoral e sertão representam duas faces da mesma moeda – inseparáveis em qualquer tentativa artística ou científica de compreender a nossa realidade.
Em “O Som ao Redor”, o crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho explicita e aprofunda essa problemática por meio de uma metodologia cinematográfica que impressiona pela coesão e eficiência. O filme estreia no mercado nacional após arrebanhar prêmios importantes nos festivais de Copenhagen, Oslo, Rotterdam, Gramado, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro – além de ser incluído numa lista de melhores de 2012 publicada pelo New York Times. A essas credenciais se soma uma inédita unanimidade entre os críticos e cinéfilos que já o assistiram por aqui. É inovador, sem afastar aqueles acostumados com o cinema tradicional. Reúne várias narrativas diferenciadas, mas não perde a coerência dramática, ao manter uma firme unidade de espaço, de tempo e de movimentação – o que favorece o adensamento crescente das expectativas, ou seja, daquilo que se costuma chamar de suspense.
Tudo acontece numa rua do bairro de Boa Viagem em Recife, à beira da praia, aonde os condomínios de alta concentração habitacional e falso luxo vêm tomando o lugar das antigas casas da classe média. Sem desviar o olhar desse processo de desfiguração urbana, o enredo se direciona para as pessoas que ali vivem e trabalham. Depois de uma longa introdução montada a partir de fotos de época, em branco e preto, tomadas num engenho há no mínimo cinco décadas, a câmara mergulha no cotidiano atual do lugar, mostrando-o como se fosse um documentário. A partir daí, os instrumentos musicais da trilha se calam e nossa audição é ocupada por ruídos do ambiente – arranjados e trabalhados no sentido de obter uma forma de música teoricamente impossível, por se mostrar ao mesmo tempo mecânica e espontânea.
Como acorde inicial, o guincho de uma serra elétrica corta metal numa construção, enquanto a imagem passa para uma rua deserta, como num western de John Ford. A trilha sonora, porém, fica com a caótica zoada de vozes infantis captada de um play-ground de prédio. Ao longe, um bate-estaca ecoa feito um surdo de escola de samba. De repente, dois automóveis se cruzam na esquina e o rangido da brecada antecipa o estrondo de uma batida. Essa sequencia introdutória e pretensamente documental vale como ouverture para a primeira parte da história, intitulada “Cães de Guarda”. Ela nos diz que as coisas acontecem num mundo em que crianças bem alimentadas vivem felizes, ainda que presas num pátio de edifício. A alegre algazarra infantil atravessa as grades, mas a garotada não pode sair para brincar na rua, que se acha tristemente vazia, por não ser um lugar seguro, mas cenário de acidentes que podem acontecer a qualquer momento.
Esse procedimento, aliás, remete ao até então enigmático título do filme e vai se consolidando a cada cena, como linha dominante – tanto para designar a proposta ficcional do roteiro quanto para compor o estilo identificador da obra. Ou seja, ao redor do quê esse som do título se manifesta? A sua versão inglesa é Neighbouring Sounds, o que também pode significar os sons dos outros, isto é, do perigo. A verdadeira tonalidade de “O Som ao Redor” se define com o arrepio provocado pela chave de um vigia de carros riscando a pintura do Audi cujo dono lhe pagara para proteger. Eis aí um ideograma – no sentido que Eisenstein atribuía ao estratagema de associar duas figuras para produzir uma ideia – tal como “braços cruzados + máquinas paradas = greve”. Vale como uma imagem sonora e visual do filme como um todo. Os jurados do festival dinamarquês New Talent Grand Pix sublinham o “tratamento quase arquitetônico do som com o qual Mendonça Filho constrói esse mundo claustrofóbico que é ao mesmo tempo local e universal... Infelizmente.”
Na edição de som, os ruídos aparecem em sua materialidade e não se resumem a acompanhar as falas e os gestos: são enfatizados, estilizados e ganham “vida própria”, funcionando até como as vozes dos objetos. Esse é o caso da máquina de lavar e do aspirador, com os quais uma das personagens costuma se relacionar fisicamente. Por sua vez, os diálogos adquirem baixa definição. As pessoas quase sempre falam baixo, sem impostação e nem brilho, num registro próximo ao hiper-realismo, mas muitas vezes com aquela comicidade sutil dos filmes de Jacques Tati. Isso, entretanto, não se aplica aos personagens a cargo dos atores mais experientes e expressivos do elenco: Irandhir Santos (“A Febre do Rato”) e W. J. Solha (“Era uma vez eu, Verônica”).
De altíssima definição, o discurso deles reproduz a aspereza do relacionamento arquetípico entre um coronel e seu jagunço. A partir desse antagonismo, o filme se desloca no tempo e no espaço, abrindo uma fenda na matéria histórica para trabalhar com elementos míticos da cultura brasileira. Solha faz o papel do proprietário da maior parte dos imóveis da rua, enquanto Irandhir interpreta o chefe de uma firma de segurança que chega para tomar conta do lugar. Por meio dessas figuras tão comuns nas cidades modernas, até a derradeira cena do filme o bairro praiano de Boa Viagem terá se transformado na sucursal de um antigo engenho sertanejo. 
O SOM AO REDOR 
Brasil, 2012, 131 min, 16 anos
estreia 04 01 2013
Distribuição Vitrine Filmes
gênero drama /social/ suspense

Direção: Kleber Mendonça Filho
Com W. J. Solha, Irandhir Santos, Sebastião Formiga, Gustavo Jahn.
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO