Encontre o que precisa buscando por aqui. Por exemplo: digite o título do filme que quer pesquisar

sábado, 28 de março de 2009

Imitando o estilo documentário “Che” é perfeito na descrição da figura histórica

O filme se inicia com uma tomada em branco e preto, no detalhe bem aproximado de um coturno militar – parte, digamos, infra-estrutural da vestimenta de Che. Em seguida, corta para uma série de imagens de arquivo, igualmente sem cor, compondo um breve documentário silencioso sobre os primeiros enfrentamentos ao regime de Fulgêncio Batista. Ao voltar para o ambiente encenado ainda em branco preto, percebe-se que o dono das botas se achava em Nova York, em 1964. Já como ministro do governo de Fidel, ele se preparava para o seu célebre pronunciamento na ONU. O recado do diretor Steven Sorderbergh me parece claro e até eisensteiniano: as filmagens sem cor correspondem a uma dimensão do tempo em que o esforço de reconstituir o passado do personagem é apoiado por documentos visuais, tão abundantes que a tornam, de certa maneira, de conhecimento público. E, portanto, mais próximo do que se conhece como “realidade histórica”. Mais adiante, alguns enquadramentos do discurso de Guevara na pele de Benício del Toro, por exemplo, reproduzem com perfeição fotos e gravações jornalísticas exaustivamente divulgadas pela imprensa da época. Na foto abaixo, a comparação entre o Che real e o de cinema.
Mas o prefácio do filme não termina aí. Ainda que suavizadas pela ambientação noturna, as cores da cena subseqüente surpreendem também pela definição da imagem, bem dura e contrastada, justamente como se filmava em meados nos ano 50 – época em que se ambienta a encenação na tela, mostrando o primeiro encontro entre Fidel Castro e Ernesto Guevara, no México. Terminada a conversa em que os dois celebram a parceria para lutar contra o governo de Cuba, saberemos que o objeto principal do filme é a trajetória do protagonista em Sierra Maestra, até a conquista do poder, uma narrativa que se inicia logo na seqüência seguinte. E que também causa surpresa com uma textura de imagem diferente das anteriores, talvez captada com câmaras digitais de alta definição.
Com essa tomada, o autor deixa combinado a chave para entendermos a triplicidade do plano imagético da obra: o pronunciamento da ONU em 64; a conversa com Fidel no México em 55; a guerrilha em Cuba em 58. E nela, coloca-se em primeiro plano a asma de que padece o herói, que consiste numa das raras características pessoais incluídas na construção do personagem. Do homem que foi Ernesto Guevara ficamos sabendo muito pouco, além da sua voz, da aparência física e de algumas de suas idéias que ouvimos pela voz em off, em que ele lê trechos de seus livros ou dialoga com uma repórter americana. O personagem se define quase que apenas pela ação física, sem conflitos internos e, portanto, sem dramaticidade. Quase como uma figura de livro didático colocada em movimento para animar o relato factual dos acontecimentos. Dito de outro modo, o estilo de Steven Sorderbegh se aproxima aqui do chamado “docudrama”, em que apesar dessa palavra, a narrativa troca o dramático pelo descritivo.
Ou seja, os fatos encenados nem sempre estão no roteiro porque colaboram com (ou dificultam) a conquista do objetivo que orienta o herói (a derrubada da ditadura de Batista). Muitos desses eventos se mostram circunstanciais e anedóticos, como o caso do guerrilheiro ferido por trás e que, por isso, teria de lutar com as calças arriadas. E outros parecem servir à necessidade de ocultar determinadas intimidades do comandante. É o caso da bela guerrilheira interpretada por Catalina Sandino Moreno (foto acima) com a qual, apesar de ser sua companhia constante, não o vemos trocar nem ao menos um olhar carinhoso. Apenas a virtuosa informação de que, após a vitória, ele iria reencontrar a esposa e a filha no México.
A energia gasta em imitar um documentado é impressionante, em especial no que se refere à atuação de Benício Del Toro, cujo peso parece variar em mais de 20 quilos, para diferenciar a silueta de Che antes, durante e depois da guerrilha. De resto, a trama praticamente estaciona naquela fase em que Che atua mais como médico do que combatente, no comando de uma coluna que transporta os feridos e corresponde à parte mais longa do espetáculo. Reflexões profundas (sempre em off) sobre os destinos do capitalismo e da humanidade convivem com eventos corriqueiros, como os guerrilheiros que desertam e passam a roubar os camponeses. E, o que é mais grave, as decisões do protagonista deixam de ter influência no resultado global do movimento, cujo comando se acha nas mãos de Fidel Castro (foto abaixo), Camilo Cienfuegos e Raul Castro – este interpretado por Rodrigo Santoro, aparecendo apenas em duas ou três passagens. Aliás, geralmente esses líderes só entram em cena para transmitir ordens ou instruções ao personagem central. De tal modo que, por diversas vezes, as falas do ator interpretando Fidel Castro repetem (para Che e para o público) que ele precisa permanecer vivo porque “é uma figura muito importante para o futuro da revolução”. Isto é, para a 2ª parte do filme, estrear brevemente.

Che – 1ª Parte – O Argentino
Che – Part One – The Argentine
2008 – EUA / França / Espanha
(estréia 27/03/2009)
Direção Steven Soderbergh
Com Benicio Del Toro, Rodrigo Santoro,
Demián Bichir e Catalina Sandino Moreno

sexta-feira, 27 de março de 2009

"Segredos Íntimos" é um filme israelense sobre um tema pouco abordado no cinema

Os críticos detonaram este filme israelense que, para início de discussão, tem o mérito de não se dedicar ao tema da luta contra os palestinos e mostrar uma visão crítica de sua cultura. Especialmente no que se refere às desigualdades de tratamento em relação às mulheres. Aquelas ligadas às comunidades religiosas ortodoxas não são obrigadas a usar “burka”, como no mundo muçulmano, mas sofrem várias restrições aos seus direitos humanos. São proibidas de exercer cargos de rabino e, mensalmente, precisam realizar rituais periódicos de “purificação” que vão muito além do chuveiro e sabonete. Pior que tudo, são obrigadas a se casar com quem o pai escolhe e “cuidar da casa”, ou seja, pilotar tanque, fogão e vassoura. Claro, as mais afortunadas ganham aspiradores, máquinas de lavar e o direito de estudar as sagradas escrituras, em escolas evidentemente só para moças.
Essas informações já apareceram em vários filmes, como“Yentl” (1983), dirigido e interpretado por Barbra Streisand, em que uma moça se veste de homem só para ficar perto do rapaz, religioso ortodoxo, por quem se apaixonara.

Mas aqui esse pano de fundo étnico adquire uma conotação surpreendente, ao abordar a questão do afeto entre duas mulheres que se acham internas numa escola de estudos bíblicos. Se aprofundando nas escrituras, uma delas conclui: “não é pecado!” A personagem da francesa Fanny Ardant (na foto do topo) funciona como agente catalisador entre elas e a tradição judaica da cabala. O diretor, roteirista e produtor Avi Nesher (Israel, 1953) é um dos mais ativos e experientes daquele país e coloca o tema num nível superior ao da mera intimidade sexual. Por meio de personagens bem construídas e de diálogos isentos de clichês, ele desfia as filigranas psíquicas (por vezes freudianas) que explicam as atrações e os distanciamentos entre as duas moças.

Segredos Íntimos
H a - S o d ot
(estréia 27/03 /2009)
2007 – Israel / França
Direção de Avi Nesher
Com Fanny Ardant, Dana Ivgy,
Rivka Michaeli, Ania Bukstein e Michal Shtamler

terça-feira, 24 de março de 2009

“Um Louco Apaixonado” é o título brasileiro de How to Lose Friends & Alienate People

Meus amigos e leitores que me perdoem, mas não resisti à idéia de propor a estréia (27/03/2009) deste filme como um exercício para os meus alunos de Teoria da Comunicação na pós-graduação de Jornalismo Cultural da FAAP. A tentação consiste em elaborar uma resenha coletiva em parceria com eles, incorporando a visão de cada um. O filme se baseia no relato autobiográfico do editor inglês Toby Young “Como Perder Amigos & Alienar Pessoas”, publicado no Brasil pela Editora Record. Conta como ele abandonou “The Post-Modern Rewiew” – a publicação “undergroud” que dirigia em Londres – para trabalhar na redação da Vanity Fair, de Nova York. Confesso que ainda não li o texto, mas, no release do filme vem um trecho esclarecedor:
“As coisas não deram muito certo para mim na Vanity Fair, também porque eu era ingênuo a respeito do que significava ser um jornalista em Nova York. Eu tinha assistido filmes como ‘Jejum de Amor’ (“His Girl Friday”, 1949 – de Howard Hawks) e ‘Núpcias de Escândalo’ (“The Philadelphia Story”, 1940 – de George Cukor) e esperava encontrar os corredores da Vanity Fair cheios de senhores elegantes e inteligentes trocando observações pertinentes enquanto bebericavam de suas garrafas de bolso. Na verdade era uma sociedade cheia de regras – muito mais controladora do que a sociedade de onde eu vinha. Existe essa idéia de que os EUA são um lugar extremamente informal onde as pessoas são livres para serem quem elas realmente são. Na verdade, Londres é muito assim, enquanto Nova York não é nada assim. Nova York é muito parecida com o que Londres era há 100 anos, e eu me senti quase como um Austin Powers vindo dos libertários anos 60 e tele-transportado de volta à era vitoriana”.

Na versão hollywoodiana da história, foi preciso uma mudança de tom, como explica o experiente e ousado produtor inglês Stephen Wooley (que realizou vários filmes de Woody Allen): “Descobrimos uma espinha dorsal para a história – um romance – para que além de Young se apaixonar por Nova York, algum personagem da cidade, que gostasse dele, percebesse que a indústria jornalística pode, no fundo, corromper”.
Essa afirmação, aliás, amplia o interesse numa discussão sobre o filme. Tinha que ser uma comédia e Robert Weide, o diretor escolhido (especialista no humor de Groucho Marx e Lenny Bruce) fez uma leitura do protagonista na linha da comicidade ácida. Mas o ator Simon Pegg (ganhador do “Prêmio Peter Sellers” por seu trabalho na TV britânica) o temperou com doses de figuras célebres de Sellers, como o inspetor Clouseau (“A Volta da Pantera Cor de Rosa”, 1975 - de Blake Edwards) e Hrundi Bakshi (“Um Convidado Bem Trapalhão”, 1968, do mesmo diretor). É também interessante estabelecer um paralelo com os personagens típicos de Woody Allen, que combinavam fragilidade existencial e física com uma insistente arrogância intelectual.

Como sugestão para orientar o debate, segue uma lista de oito questões:
1. O título original parodia o nome de um livro publicado em 1937 e que foi um dos grandes best sellers do século 20. Será que a comparação entre o autor daquele que foi, talvez, um dos primeiros do gênero “auto-ajuda” e o personagem central do filme diz alguma coisa?
2. O que enuncia o roteiro sobre a modalidade jornalística hoje denominada “de celebridades” e como coloca a sua vizinhança com o jornalismo cultural? Há algum caso brasileiro semelhante ao do filme?
3. Como mostra o estilo de trabalho na chamada “grande imprensa”, comparado à “imprensa alternativa”, que por aqui já foi denominada de “nanica”? Há alguma crítica nessa apresentação?
4. O filme comprova a opinião do seu produtor, pela qual “a indústria jornalística pode, no fundo, corromper”? No caso, quem seria corrompido por quem: o público, os jornalistas, os "relações públicas" ou os entrevistados?
5. Qual a visão do filme, ou de seus personagens, no que se refere à “massa” dos leitores e das pessoas (artistas, intelectuais e celebridades) que formam o campo de interesse da revista “Sharps”, uma caricatura da Vanity Fair? Nota-se aí algum efeito "narcotizante"?
6. Como descreve os conflitos e as tensões internas de uma publicação industrial. entre as quais ocorre a ascensão profissional do protagonista, em contraponto com os editores e o “publisher”? O conteúdo do que é publicado resulta diretamente da vontade do proprietário da publicação?
7. Que tipo de “parentesco” eles apresentam com outras figuras verdadeiras e fictícias do jornalismo? Como o repórter Hildy Johnson e o editor Walter Burns de “A Primeira Página”, 1974 de Billy Wilder – este também presente em “Jejum de Amor”?
8. Que distância, ou aproximação, estes apresentam com o mundo real do jornalismo?
Espero que as respostas a essas indagações possam ser brevemente aqui publicadas.
Um Louco Apaixonado
How to Lose Friends & Alienate People
2009 - EUA
estréia 27/03/2009
Direção de Robert Weide
Com Simon Pegg, Danny Huston,
Jeff Bridges, Kirsten Dunst, Megan Fox

sexta-feira, 20 de março de 2009

"Gran Torino" é mais um filme em que Eastwood trabalha com a própria aura

A idéia esotérica de aura − aquele elemento etéreo que circundaria os seres e que poderia ser visualizado pelas fotografias de Kirlian – vem se transformando em conceito útil para se analisar a relação entre os atores e os personagens que interpretam na tela. Expurgada de conteúdos espiritualistas, a palavra passa a designar o conjunto de lembranças e informações que cercam a persona do artista, como uma espécie de patrimônio imaterial que acumulou ao longo da carreira. Em "Gran Torino", só se alcança a dimensão verdadeiramente dramática do personagem encarnado por Clint Eastwood se o observamos por trás da aura construída pelo ator. Perto dos 80 anos, Eastwood já foi o pistoleiro letal dos westerns de Sergio Leone e, por várias vezes, o truculento policial Dirty Harry, que ele criou sob o comando do mago da ação Don Siegel. Alistou-se no exército durante a guerra da Coréia, mas não conseguiu entrar em ação e foi prefeito da cidade onde vive pelo Partido Republicano.
Ao longo de sua trajetória, começou a fazer filmes cada vez melhores, muitos deles sobre gente que se redime e procura uma segunda chance, como "Caubóis do Espaço", "Os Imperdoáveis" e "Menina de Ouro". Assim é o veterano da Coréia Walt Kowalski, um operário aposentado extremamente conservador, que não sorri desde que se tornou viúvo. Só sente carinho por um Ford modelo Gran Torino, que conserva impecável, do jeito que saiu da fábrica em 1972. Sem razão para o convívio social, ele não consegue mais suportar nem a companhia dos filhos, quanto mais a dos imigrantes orientais que se mudam para a vizinhança e que ele julga ser chineses, ou pior... coreanos. Eram, no entanto, membros da etnia Hmong, um povo errante que fugiu da China e se estabeleceu no Laos e Vietnam, onde apoiou os americanos contra os comunistas. Um desses vizinhos impediu que uma gangue local lhe roubasse o caro e, quase sem querer, acabou se aproximando do rapaz e sua família. O golpe fatal acontece quando ele, como triste comedor de hambúrguer, experimenta as supremas delícias da culinária oriental.
O filme é, de fato, um libelo em favor do multiculturalismo e um grito contra o preconceito. E que atinge uma estatura ainda mais elevada, se colocado em contraste com o mencionado patrimônio imaterial que identifica o diretor de "Em Busca da Honra". Do modo como se conduz este comentário, pode-se imaginar que estamos falando de uma comédia. Na verdade, os elementos humorísticos apenas pontuam um drama de forte carga emocional, em que não falta uma boa dose de violência − como de resto ainda é lícito se esperar de um filme do velho Dirty Harry.
GRAN TORINO
Gran Torino
estréia 20/03/2009
EUA - 2008
Direção de Clint Eastwood
Com Clint Eastwood, Geraldine Hughes,
John Carroll Lynch

Em "The Spirit - o Filme", Frank Miller mata novamente o personagem de Will Eisner

O protagonista não está na cena, dominada pela provocante Eva Mendes, interpretando uma das garotas curvilíneas que partilhavam com o detetive de Central City as páginas sensacionalmente elaboradas por Will Weisner (1917 - 2005) desde 1941. A iluminação exageradamente contrastada e a eliminação quase total da cor remetem a "Cidade de Pecado" (2005), trabalho recente de Frank Miller, baseado em seus próprios quadrinhos. Desenhista de estilo inconfundível, mas diretor de recursos discutíveis, ele faz aqui uma triste caricatura do "film noir" (nome francês do ciclo de cinema policial americano dos anos 40 e 50). Poderão dizer que o próprio personagem central era, por sua vez, uma caricatura de Dick Tracy, o detetive de quadrinhos mais popular da década de 30. O termo mais correto seria "paródia" ou, melhor ainda, "estilização": o mesmo que Dostoiévski fez com as novelas policiais baratas, ao compor "Crime e Castigo". Mas, enquanto Will Eisner desenvolvia uma narrativa visual tão dinâmica que as figuras pareciam saltar das páginas, Miller tranca os personagens em estúdio e os obriga a agir como idiotas e dizer coisas sem a menor graça ou interesse. Até a caracterização monocromática do detetive Colt (abaixo) que fora dado como morto e volta para assombrar os bandidos o empobrece, fazendo-o lembrar o Zorro e dando excessivo destaque à gravata vermelha.

Esta acaba se tornando uma representação da alma do herói, que era visualmente muito mais sugestivo no desenho original (figura abaixo) do que na interpretação monolítica de Gabriel Macht ("O Bom Pastor").
Nas mãos de Eisner, o detetive Dany Colt era realmente misterioso e se achava sempre envolvido em histórias repletas de imaginação e criatividade. Tanto assim, que muitas vezes ele era apenas um condutor da trama, construída pelos bizarros habitantes da selva urbana de Nova York, cujo espírito se manifesta na imaginária Central City. Construções decrétipas, becos úmidos e escuros povoados por ratos e mendigos, mas que se abriam para dar passagem a mulheres de tirar o fôlego (literalmente) de quem aparecesse em seu caminho. Às vezes o universo gráfico de Eisner se manifestava mais vivamente nas capas que no interior dos gibís. Cada uma delas continha um conflito interno, quase como uma narrativa condensada, que levava a mente do leitor para o que teria acontecido antes, ou depois, do momento congelado na capa pelo desenhista. No caso abaixo, vemos que o herói está prestes a pisar na mão do bandido que, provavelmente, estava perseguindo.

Esse era um procedimento gráfico típico do genial quadrinista que volta e meia aparecia em São Paulo, arrastado por seus amigos Álvaro Moya e Jayme Cortez. Nos anos 70, eu o conheci, vagando por pracinha do interior de São Paulo, como um periscópio fora d'água, durante um festival universitário de quadrinhos na cidade de Avaré. O mestre não merecia que, após a morte, o colega Frank Miller deformasse a sua criação, como podemos observar no cartaz abaixo.
O estúdio deve ter julgado essa peça gráfica demasiadamente indefinida e pouco cinematográfica e decidiu elaborar outra (abaixo) que de fato é mais sugestiva, mas nada tem a ver com o personagem e nem com o roteiro do filme. Pode até dar a idéia de que o Espírito seja um zumbi, menos vivo e agitado que sua gravata vermelha. Mas, ainda assim, remete ao estilo narrativo de Eisner: coloca no mesmo quadro os revólveres fumegantes do primeiro plano, com o personagem ferido pelas balas vivo e olhando para o que seria uma "câmara subjetiva" de quem estivesse empunhando as armas. E verificando que a luz do sol se pondo ao fundo atravessa os orifícios, num curioso efeito de Tyndall.

THE SPIRIT – O FILME
The Spirit
Estréia 20/03/2009
Direção de Frank Miller
EUA - 2008
Com Gabriel Macht, Jaime King,
Samuel L. Jackson e Eva Mendes

segunda-feira, 16 de março de 2009

"Frost/Nixon" reproduz um momento único na história do jornalismo na televisão

Enquanto Zelito Viana (Bela Noite Para Voar) ressuscita Juscelino, Ron Howard (A Troca) revive Nixon. Assim, o público brasileiro pode ver ambos na tela, o médico e o monstro, um em cada filme. A brincadeira com a profissão de JK antes dele entrar para a política se harmoniza aqui com aquilo em que o presidente Watergate se tornou, depois de ter irritado o planeta inteiro com a insistência em continuar com a Guerra do Vietnam. Apesar de todo o horror que sua imagem provocou, faltava mostrá-lo como gente de carne osso, quem sabe até mais humano do que no filme de Oliver Stone. Era assim que ele aparecia na portentosa peça teatral de Peter Morgan, em que Frank Langella se transfigurava naquele político republicano, justamente porque não tinha qualquer física semelhança com ele. Seu trabalho de caracterização interiorizada é notável. Raras vezes visto no cinema, que também vive de semelhanças visuais. No Brasil, por exemplo, ainda que numa linha cômica, poucos conseguiram o que Matheus Nachtergaele obteve com a imagem de Mazzaropi, em Tapete Vermelho.
Mas, além do trabalho dos atores, o filme vale pela dramaturgia. De um lado, o presidente que quatro anos antes renunciara e, desde então, não pedira desculpas ao povo americano pelo crime que cometera e nem concedera qualquer entrevista. De outro um apresentador inglês de talk shows que, acima do jornalismo colocava o espetáculo e seus dividendos financeiros. Exatamente por isso, foi escolhido por Nixon para cuidar desta que seria a primeira entrevista após a renúncia. Ainda que esperto e experiente, o radialista precisaria de muita coragem e força dialética para evitar que a entrevista se transformasse numa conversa amena, inofensiva para o matreiro político aposentado. E, assim, não frustrasse a incalculável audiência que conquistou com aquele programa: eram 400 milhões de pessoas a espera de uma confissão.
Leia a seguir o comentário sobre o filme no qual JK é personagem principal.
Frost / Nixon
2009 – EUA, Inglaterra, França
Estréia 06/03/2009
distribuição Universal
Direção Ron Howard
Com Frank Langella, Michael Sheen,
Kevin Bacon, Janneke Arent

"Bela Noite para Voar" mostra uma noite que era para ser trágica, mas virou quase cômica

Zelito Viana fez uma biografia de Heitor Villa Lobos séria e sofisticada, com uma organização não-linear, que tinha alguma relação com a estrutura de uma peça musical, com leitmotiv, refrões e andamentos. Depois de Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão (2000), ele retorna ao gênero, mas sem a mesma complexidade e ambição estética. A partir de um livro provavelmente ficcional de Pedro Rogério Moreira, Bela Noite para Voar recorta uma determinada noite na vida do presidente Juscelino Kubitscheck, em que ele poderia ter sido deposto, ou até morrido, antes de concluir a construção de Brasília. Os elementos básicos da encenação são os mesmo que ajudaram a construir o estereótipo de JK: a simpatia, o sorriso sempre armado, o gosto pela música popular, a ousadia político-administrativa e o amor pela vida – sempre devorada com sofreguidão, como fazia com as empadinhas e as mulheres. Estas são sintetizadas numa figura anônima batizada de Princesa, a cargo de Mariana Ximenes (na foto acima), com quem ele deveria se encontrar no intervalo das reuniões.
De resto, o roteiro faz questão de apresentá-lo (inclusive ao som da modinha de Juca Chaves, criador do clichê) como o “presidente-bossa-nova”, aquele que iria fazer o país crescer “50 anos em 5” e passava mais tempo voando que em terra. Antes de decolar do Rio para Minas Gerais, ele rompera com o FMI, enfurecendo uma parte dos chefes militares, o embaixador dos EUA e seu arqui-rival, o deputado Carlos Lacerda, interpretado com elegância por Marcos Palmeira, filho do diretor. Assim, o dado de suspense é a tentativa de golpe que aqueles militares tentam colocar em prática naquela noite. O encontro com o governador Jânio Quadros, vivido por Cássio Scapin, sugere uma linha que o filme apenas insinua, mas na qual poderia ter embarcado por inteiro, com lucro para todos, principalmente para José de Abreu que cuidou do papel presidencial, e para o co-roteirista Chico Anísio, irmão do diretor.
Bela Noite para Voar
Brasil - 2006
estréia 13/03/2009
Direção Zelito Viana
Com José de Abreu, Mariana Ximenes,
Marcos Palmeira, Julia Lemmertz

sexta-feira, 13 de março de 2009

“Entre os Muros da Escola”, Palma de Ouro em Cannes 2008: um filme indispensável.

Pelas salas e corredores de uma escola pública parisiense, circulam todos os conflitos sociais, étnicos e culturais que envolvem o ensino básico na França e o mundo da educação, de forma genérica e universal. O que inicialmente parece ser um pequeno drama banal, englobando alunos problemáticos e um professor empenhado, logo se mostra um eloqüente e sincero exercício de imitação da vida. Em 2001, quando Laurent Cantet lançou A Agenda, com Daniel Auteil, criou a expectativa de que, mais cedo ou mais tarde, ele voltaria a oferecer um drama tão humanamente envolvente e verdadeiro quanto aquele. Era a angustiante história de um executivo que, inesperadamente, se encontra desempregado. Até aí, nada de extraordinário, mas o gancho da trama é que ele tenta esconder esse fato da família. Tardou um pouco até que ele retomasse o fio ascendente em sua trajetória de criador, mas essa espera compensou, porque agora ele nos oferece um drama excepcional, não somente pelas coisas que diz, mas pela maneira como foi construído. O primeiro espanto vem com a avassaladora impressão de realidade: chega a transmitir tanto, ou mais verdade que um documentário − modalidade de narrativa, aliás, da qual ele retira os elementos estilísticos básicos do espetáculo: câmara fora do tripé; ausência de trilha sonora pontuando as variações de clima; som direto; intérpretes amadores; montagem em continuidade; filmagem em locação, iluminação natural” etc. Mas, acima de tudo, predomina uma linha de encenação que pretende parecer informal e, por isso, aparenta um falso descaso nos figurinos e no encadeamento dos diálogos, escondendo o uso de maquiagem e de ensaios para preparar as tomadas. Em primeiro lugar, o professor protagonista é interpretado pelo mesmo François Bégaudeau (na foto abaixo), em cujo livro autobiográfico se baseia o roteiro. Ou seja, um civil (no sentido de alguém que não exerce a profissão de ator e nem foi treinado para esse ofício) interpreta a si mesmo. Em coerência com esse procedimento, todos os demais atores emprestam sua aparência e seus nomes verdadeiros aos personagens que encarnam, levantando a suspeita de que alguns deles estejam “fazendo o papel” de si mesmos.

Quando isso acontece, o resultado caminha para a catástrofe, ampliando até a sugestão de artificialidade no discurso: a pessoa que imita a si mesmo tende a se mostrar solene, empostada, ou inibida, mas nunca natural. (veja-se Jogos de Cena, de Eduardo Coutinho) A não ser que esteja trabalhando com um diretor extremamente criativo e habilidoso − uma coisa que Laurent Cantet não precisa mais provar a ninguém, uma vez que seu trabalho recebeu o prêmio mais prestigiado do cinema mundial, que é a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Para o público brasileiro, porém, é preciso alertar de que não se trata aqui de mais um daqueles produtos franceses “experimentais”, que às vezes só conseguem como resultado a geração de tédio em larga escala. Apesar de se manter circunscrito ao universo de hui clos já expresso no título, o entrecho de Entre Os Muros da Escola traz o mundo inteiro para dentro filme, recorrendo ao humor, ao suspense e principalmente à nossa consciência de cidadãos.
Entre Os Muros da Escola
Entre Les Murs
2008 França
estréia 13/03/2009
Direção Laurent Cantet
Com François Bégaudeau, Nassim Amrabt,
Laura Baquela, Juliette Demaille

segunda-feira, 9 de março de 2009

Watchmen – O Filme não atraiu Alan Moore o criador da história que não viu e não gostou

Os observadores são unânimes em considerar deslumbrante o componente visual e condenar o roteiro do filme. Em duas horas e quarenta minutos, o diretor Zack Snyder (300 e Madrugada dos Mortos) e seu roteirista David Hayter (X Men 2 e O Escorpião Rei ) não conseguiram atribuir unidade dramática à complexa saga imaginada por Alan Moore. Este, aliás, declara que “não viu, não irá ver e não gostou do filme”. Para ele, “mais uma vez somos tratados como passarinhos recém saídos do ovo, olhando para cima, de boca aberta, esperando que Hollywood continue nos alimentando com minhocas regurgitadas”. A comparação do blockbuster com uma minhoca regurgitada pode parecer demasiadamente forte. Mas vem do próprio criador daquele grupo de vigilantes mascarados, com quais tentou destruir aquele gênero de quadrinhos, por meio da mais contundente paródia que o atingiu desde a invenção do primeiro super-herói.

Ainda que hercúlea, a batalha pela adaptação foi perdida por David Hayter, que não tinha preparo literário e dramatúrgico para evitar os desacertos − como, por exemplo, interromper o fluxo da história para descrever a origem de determinando personagem. Tudo acontece num universo paralelo e muito semelhante ao nosso, em que os americanos venceram a Guerra do Vietnam, os soviéticos estão prestes a deflagrar uma guerra nuclear e, em 1985, Richard Nixon já tinha sido reeleito cinco vezes consecutivas.

Na imagem acima, o diretor Zach Snyder orienta o ator Robert Wisden, de nariz postiço. Abaixo, o verdadeiro Richard Nixon cumprimenta Mao Tse Tung em 1972.

A caracterização amadoristicamente caricatural do ex-presidente, aliás, é um dos raros defeitos da direção de arte. Ocorre que nenhum desses heróis possui super poderes e, ao contrário, todos ostentam vícios e fraquezas das mais comuns, como luxúria, soberba, sadismo e alcoolismo. A não ser um deles, cujos poderes beiram a onipotência e que parece não se interessar pelo destino dos humanos, com exceção da esposa, ela mesma uma super-heroína aposentada que o troca por um colega. Aborrecido, ele se isola em Marte, enquanto se planeja uma jogada perversa e ameaçadora para a humanidade. Para quem leu a graphic novel original e queira conferir os resultados, pode ser divertido. Caso contrário, é melhor refletir sobre a frase de Alan Moore: “Hollywood enxágua a nossa imaginação cultural coletiva: Watchmen é essencialmente infilmável.”

WATCHMEN – O FILME
Watchmen
Direção: Zach Snyder
Com Malin Akerman, Billy Crudup, Mathew Goode, Carla Gugino
Inglaterra / EUA - 2009 – 163 min.