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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

“A Origem dos Guardiões” retrabalha e recicla as lendas "educativas" para a infância

“A Origem dos Guardiões” é um novo produto da Dreamworks (“Schrek” e “Kung Fu Panda”) empresa fundada em 1994 por Steven Spielberg. É uma aventura  protagonizada por Jack Frost, uma espécie de Saci Pererê, loiro e de olhos azuis, dos países que tem neve. Trata-se de uma lenda de origem europeia, praticamente desconhecida no resto do mundo e que, por isso, no filme é tratado como se fosse invisível: um duende brincalhão, que preside a mania das crianças atirar bolas de neve umas na outras, e se encarrega de pintar de amarelo ou vermelho as folhas das árvores quando chega o inverno. 
O roteiro se caracteriza por permitir a convivência entre os seres fabulosos e os humanos comuns, com uma ação mirabolante, muito humor e momentos de poesia visual, como o sonho em que brontossauros dourados caminham pela cidade. Há uma ameaça que se manifesta com a volta do “Papão”, ou Boogeyman nos países de língua inglesa. Esta é uma figura quase universal criada pelos pais para incutir um “pavor educativo” nas crianças e que, no mundo de hoje tem perdido terreno para motivos muito mais reais e palpáveis para sentir medo. 
No filme, ele é representado por um jovem sinistro cuja aparência lembra Ivan o Terrível (1945) de Eisenstein, só que sem barba. Seus adversários são as lendas que, em vez de temor e insegurança, proporcionam alegrias e esperança para a criançada, ou seja, o Papai Noel, o coelho da páscoa, a fada do dente e o Sandman – aquele que nos presenteia com sonhos dourados. O objetivo do vilão é fazer com que ninguém mais acredite naquelas fábulas benfazejas. Há por traz desse enredo a ideia de que essas ilusões culturalmente instituídas sejam essenciais para a saúde mental dos pequeninos.
 Afinal, receber presentes em retribuição ao bom comportamento pode ser visto como uma forma de reforço positivo para o condicionamento social. Para engrossar esse time do bem, o marginalizado Jack Frost é convocado a se tornar um dos “guardiões” da felicidade infantil por um personagem misterioso, citado o tempo todo e que, no entanto jamais aparece no filme. É alguém que, no interior da narrativa, tem poderes quase divinos e pode influenciar os rumos da história. Como ele é chamado pelos demais de o “homem da lua”, é possível que signifique uma referência ao próprio Spielberg – esse mito vivo, idealizador do logo do menino pescador sentado naquela lua minguante que forma o logotipo da empresa produtora. 
A ORIGEM DOS GUARDIÕES 

Rise of the Guardians

EUA – 2012 – 97 min. – Livre
Distribuição Paramount
Direção Peter Ramsey
COTAÇÃO
* * *
BOM

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Guerra do Contestado aconteceu há um século e até hoje não a entendemos por inteiro


Está em cartaz na cidade um documentário essencial para quem se interessa pela História do Brasil, especialmente sobre temas e personagens que não aparecem nos livros didáticos – nem naqueles que são publicados nas regiões onde determinados fatos aconteceram. Falo de “O Contestado - Restos mortais”, produzido e dirigido por Sylvio Back (“Lost Zweig” – 2002), que é um cineasta catarinense profundamente interessado nesse episódio histórico que foi a Guerra do Contestado. Já fez inclusive um longa metragem de ficção sobre ela: “A Guerra dos Pelados” (1970), um de seus melhores filmes, hoje considerado um clássico do gênero drama histórico no Brasil. Aquele conflito em que morreram milhares de militares e civis aconteceu entre 1912-1916, num lugar que tem esse nome porque foi cenário de questões de fronteira e disputa de terras situadas na divisa do Paraná com Santa Catarina.
(abaixo, os vaqueanos - jagunços em foto de época)
Ali aconteceu uma revolta popular e messiânica, em muitos aspectos semelhante à Guerra de Canudos que eclodiu no interior da Bahia entre 1896 e 1897, só que mais duradoura e provavelmente mais sangrenta. É possível até que essa lacuna nos livros didáticos seja motivada também pela complexidade das suas causas, de explicação sempre difícil para alunos e professores. Por isso mesmo, Sylvio Back fez questão de incluir no filme diversos pontos de vista, ouvindo historiadores, jornalistas, descendentes de pessoas que viveram os acontecimentos no Contestado (foto abaixo) e até cronistas, compositores e folcloristas que lidaram com o tema. Todos filmados com o mesmo fundo negro, que destaca a expressão e as feições do entrevistado, mas não rouba a atenção do que é dito por eles. 
Talvez para não deixar nada de fora da discussão, ele também filmou manifestações do que seriam espíritos de vítimas e combatentes da guerra, incorporados em cerca de 30 médiuns (foto abaixo). Aliás, Back já tinha experimentado esse recurso em 1984, no média-metragem “O Autorretrato de Bakun”. Apesar de não acrescentaram novas informações à pesquisa histórica, essas cenas atribuem forte dramaticidade ao filme que, na realidade, é um relato multifacetado, verbal e racional acerca do assunto. Além do cuidado do diretor em atribuir coerência e uma ordem sociológica a todos esses discursos tão diferenciados, o filme é amplamente ilustrado com fotos, caricaturas, filmes de época e as surpreendentes passagens de transe mediúnico – esse o grande achado desta obra, que adiciona assim mais um lance na discussão atual a respeito do sentido ético e ontológico do recurso da encenação na construção dos documentários.

O CONTESTADO – RESTOS MORTAIS 
Brasil – 2011 – 118 min. – Livre
estreia 23 11 2012
gênero documentário/ história
Distribuição Espaço Filmes
Direção Sylvio Back
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

domingo, 25 de novembro de 2012

"Curvas da Vida" traz Clint Eastwood em filme de rotina, produzido por ele e para ele


"Curvas da Vida” marca a volta à atuação do veteraníssimo Clint Eastwood, que não aparecia diante das câmeras desde “Gran Torino” (2008) e não trabalhava num filme de outro diretor, que não ele próprio, desde “Na Linha de Fogo” (1993). Sua presença sempre chama a atenção, mesmo quando o filme não é grande coisa como é o caso deste. Trata-se também da estreia na direção de Robert Lorenz, que foi assistente do astro de 82 anos em diversos títulos. 
Clint ainda produz o filme que é, de fato, um melodrama feito sob medida para ele, agora interpretando um velho olheiro de baseball que se acha em fim de carreira, começando a ter problemas de visão, e que tem apenas uma chance pra se livrar da aposentadoria. O personagem resulta de uma mistura de ingredientes já vistos outros tipos que ele já interpretou. É o mesmo viúvo rabugento solitário que descobre a solidariedade humana em “Gran Torino” (2008) e o sentimento paternal em “Menina de ouro” (2004). 
Desta vez ele contracena com a cativante Amy Adams (“Encantada”, 2007) no papel da filha com quem mantém uma relação difícil, mas que decide apoiá-lo nesta missão de escolher um novo atleta a ser contratado para o time onde trabalha. Apesar de advogada em franca ascensão profissional, ela é uma especialista em baseball, pelo fato de ter acompanhado o pai por toda a infância. É daí que o filme retira a sua comicidade, explorando o confronto entre esta amadora e os calejados profissionais do esporte, como o personagem de Justin Timberlake – um ex-jogador por quem ela se apaixona. Não dá pra entender completamente como é que funciona esse jogo que os americanos adoram, mas o filme tem sua graça e chega a emocionar. 
CURVAS DA VIDA 
Trouble With The Curve
EUA – 2012 – 111 min. – 12 anos
estreia 23 11 2012
gênero melodrama/ esporte
Distribuição Warner.
Direção: Robert Lorenz  
Com Clint Eastwood, Amy Adams, Justin Timberlake
COTAÇÃO
* *
REGULAR

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

“E agora para onde vamos?” é título e desfecho deste filme em forma de farsa medieval


“E agora para onde vamos” é uma comédia filmada no Líbano, sobre um tema que não tem a menor graça. Ou seja, a atual inviabilidade da convivência de cristãos e muçulmanos: um hábito que já foi patrimônio cultural daquele país que agora parece estar constantemente à beira da Guerra Civil. A bela Nadine Labaki (“Caramelo”, 2007) que o dirige resolveu desenvolver uma farsa moral a partir de conflitos reais, como que para conjurá-los na tela de cinema transformada literalmente em quadro votivo. Parece um caso raro de filme-oração, um roteiro em forma ex-voto – objeto religioso que, no Brasil descende de práticas católicas medievais. A imagem inicial do filme (acima) já nos coloca numa atmosfera adornada com impostação de fábula, por meio de um balé alegórico: um cortejo de mulheres de preto num cemitério. Com essa encenação sóbria, talvez ingênua, somos apresentados a um povo de luto. 
Lembra a pintura naïf de um ex-voto de sacristia que exibe alguém enfermo, em perigo de vida. Essas pessoas formam toda a população feminina de uma minúscula aldeia, quase inacessível no topo de uma montanha, separada do mundo por uma ponte sobre a qual apenas uma lambreta pode passar. Metade dos habitantes do lugar é católica, metade é islâmica, mas o padre é amigo do imam, e os dois estão sempre apartando o choque entre as duas facções. Há aqui um clima que lembra as velhas comédias italianas de Don Camilo escritas por Giovanni Guareschi nos anos de 1950, em que a rivalidade milenar se revelava sob a forma de pequenas provocações mútuas, mas que poderia explodir a qualquer momento. Apesar de precária, portanto, reina a paz entre os moradores. 
Tanto, que a moça mais bonita do lugar (interpretada por Nadine Labaki - acima) está apaixonada e flertando discretamente com um dos rapazes do outro lado. Aliás, as mulheres de ambos os credos são solidárias e decidem sabotar os sinais de TV e de rádio quando ouvem notícias da cidade, sobre novas violências envolvendo os dois grupos. A comédia se beneficia pelo ridículo de algumas brincadeiras de mau gosto, como roubar os sapatos dos muçulmanos na mesquita ou colocar sangue de galinha na pia de água benta. 
Quando a tragédia toma conta do cenário, porém, elas aplicam o golpe final na agressividade masculina. E o fazem por meio da uma farsa que inventam e executam por falta de uma ideia melhor. Só que funciona, de fato, como um pedido de intervenção à Virgem Maria – cuja imagem chora por duas vezes no filme: uma fingida e outra de verdade. A diretora envereda pela encenação dentro da encenação, para terminar em círculo, do mesmo modo como começou e fazendo do título do filme o seu desfecho.
E AGORA AONDE VAMOS? 

Et Maintenant On Va Où?
Líbano, Egito, Ìtália, 2011, 110 min, 14 anos
estreia 16 11 2012
gênero comédia / política
Distribuição Vinny Filmes. 
Direção Nadine Labaki
Com Nadine Labaki, Claude Baz Moussawbaa, Leyla Hakim 
C O T A Ç Ã O
* * * *
Ó T I M O

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O drama policial “Marcados para Morrer” cai na cilada do falso documentário


“Marcados para Morrer” pode até ganhar um bom número de espectadores, talvez por conta de Jake Gyllenhaal, o bom ator para sempre marcado como o caubói gay de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005). Os outros intérpretes são quase desconhecidos, inclusive o hispânico Michel Peña que se destacou no volumoso elenco de “Crash no Limite” (2005). Os dois formam um time de guardas de Los Angeles, dos mais comuns, ou seja, aqueles patrulheiros fardados que ficam circulando de automóvel pela cidade e só têm autonomia para combater delitos municipais. Sim, porque nos Estados Unidos, os crimes são escalonados de acordo com as esferas estatais e os policiais se dividem conforme a competências que exercem. Tráfico de drogas ou de escravos, por exemplo, são crimes federais. Em seu cotidiano, porém, a mencionada dupla incomoda uma quadrilha ligada a um cartel mexicano e dedicada a ambos os crimes. Em resultado disso, eles passam a amargar a condição designada pelo título do filme. 
A história se resume a isso, mas o filme ambiciona se diferenciar em termos de linguagem e adota o estilo do “falso documentário” – rodado com câmara subjetiva de mentira e celebrizado com “A Bruxa de Blair” (1999). Como “novidade” nesse esquema, um dos policiais desenvolve um “projeto documental” e grava tudo o que faz, com diversos tipos de câmara. O mais ridículo é que os bandidos fazem o mesmo – até porque, se não fosse assim, não haveria filme. As cenas de violência não precisariam ser registradas com tanta crueza, os diálogos não teriam que ser tão banais, e nós não seríamos constrangidos a percorrer as quebradas de Los Angeles naquele carro de polícia, ouvindo música ruim e conversa fiada. 
MARCADOS PARA MORRER

End of Watch
EUA, 2012
gênero drama /policial
estreia 09 11 2012
direção David Ayer
com Jake Gyllenhaal e Michel Peña
COTAÇÃO
**
REGULAR

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Em DVD "Fanny & Alexander" de Bergman, na versão para cinema e para minissérie de TV


Acaba de ser lançado em DVD a obra prima de Ingmar Bergman premiada com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1983. É “Fanny & Alexander”, numa edição luxuosa, remasterizada e em duas versões – a do cinema e a original, produzida como minissérie para a TV. Escrevi a crítica do filme em seu lançamento,  e reproduzo aqui o texto que publiquei na Folha de São Paulo, em 23 de dezembro de 1983.
Bergman nasce de novo e, após 42 filmes e 65 anos de idade, exibe uma fé absolutamente renovada nos poderes da vida e da arte. “Fanny & Alexander” nada tem de obra derradeira, trabalho que o cineasta realiza para encerrar um ciclo, ou testamento artístico de um criador cansado. Tudo no filme é novo e aponta para caminhos recém-descobertos, como se Bergman sonhasse com mais 65 anos de existência ou tivesse despertado para o pouco que lhe resta para viver. Ele inclusive elege uma nova musa, atriz que como fizeram antes Harriet Andersson, Bibi Andersson, Käbi Laretei e Liv Ullman, chega para trazer inspiração ao diretor e energia vital para as personagens por ela vividas. Trata-se de Ewa Fröling, vibrando de sensibilidade e elegância no papel da mãe de Fanny e Alexander, jovem protagonista do espetáculo. 
A história começa em Uppsala, no natal de 1907, e o garoto Alexander (Bertil Guve) é, sem dúvida, um alter ego do próprio diretor. O filme inclui um evidente elemento autobiográfico e mostra uma espécie de batalha entre o puritanismo e a sensualidade. O grande vilão do filme é o bispo Vergerus (Jan Malmsjo) padrasto de Alexander que disfarça seus impulsos sádicos e autodestrutivos com uma furiosa mania de frugalidade e religião, obrigando Alexander a um desagradável e inumano exercício de ascetismo. O menino, no entanto, fora criado na casa da avó (Gun Wallgren) uma atriz abastada que vive longe dos preconceitos e da mesquinharia, mantendo um longo caso de amor com um judeu amigo da família, o comerciante Isak (Erland Josephson).
O antagonismo é constante no filme: de um lado o puritanismo desumano e hipócrita, corporificado na pessoa do bispo Vergerus, seus familiares e sua casa gelada, carente de móveis e de decoração; de outro, o prazer da vida, simbolizado pelas fartas refeições, pelo bom-humor e pela liberação sexual que reinam na casa da avó, uma mansão cuja barroca opulência pouco tem a ver com a tradição sueca. O pai do pequeno Bergman era pastor protestante e, várias vezes, o castigou trancando-lhe num armário. Agora, o garoto Alexander, dono de uma imaginação que não se contenta em permanecer presa, sofre a humilhação de ser chicoteado e pedir desculpas pelas coisas que inventa, como se fossem mentiras ou ofensas à religião e a Deus. A maneira como ele enfrenta o bispo, seu inconfundível inimigo desde o início, é talvez o lance mais surpreendente da história, revelando o fascínio que Bergman sempre teve pelo sobrenatural. 
Os terrores infantis são aqui reproduzidos com uma acuidade nunca vista no cinema. Eles servem para que o cineasta possa exorcizar as ideias religiosas que tanto o atormentaram. Numa sequência em que Alexander está refugiado na casa de Isak, por exemplo, ele vê uma porta se abrir e pergunta “quem está aí?” Apavorado, ouve uma voz que reponde: “Deus! Meu rosto não pode ser visto por nenhum mortal!”. A porta se abre e o terror de Alexander se dissipa quando percebe que a voz vem de uma marionete que desaba no chão. Metáfora perfeita para o próprio movimento interior do cineasta. 

sábado, 10 de novembro de 2012

A comédia inglesa “Hysteria” é um dos filmes históricos mais interessantes do momento.


Um tanto desprezado por boa parte dos críticos que o comentaram, “Hysteria” é admirável, como filme de ficção histórica e como comédia de costumes. Embora dirigido por Tanya Wexler, natural de Chicago com 42 anos de idade e irmã da atriz Daryl Hannah, trata-se de uma produção inglesa, que segue um padrão clássico de realização, pautada por uma linha de comicidade que busca a sofisticação da ironia e evita a palhaçada. Uma direção de arte impecável nos coloca no ápice da época vitoriana e é exatamente com aquele contexto moral e científico que a equipe de roteiristas – cinco a todo – se dispõe a brincar. A partir de um personagem curioso embora verdadeiro, toma-se com ele e seu ambiente todo o tipo de liberdade ficcional que for possível. Não para distorcer a realidade histórica, mas ao contrário, para torná-la inteligível. 
Marca daquela época é o fato das mulheres não terem direito a voto e serem excluídas do mundo acadêmico. A maior parte de seus integrantes julgava não existir o orgasmo feminino e taxava de “histeria” os indícios naturais da sua privação, por conta da moralidade reinante. Uma das principais fontes de humor do filme é a impressionante ignorância dos homens daquele tempo em relação ao organismo e à estrutura emocional do sexo oposto. Quanto ao seu psiquismo, aliás, o próprio Freud que também viveu naquela quadra do século XIX, confessava-se incapacitado para desvendar. 
Alguns médicos ingleses, porém, praticavam massagens manuais nas partes íntimas de suas clientes, com a intenção de conduzi-las a um estado de efeito pacificador e calmante que chamavam de “paroxismo”. Assim, o protagonista é o Dr. Mortimer Granville (1833-1900) o inventor oficial do vibrador – máquina que, durante as primeiras décadas do século XX, podia ser encomendada pelo catálogo da Sears e, eventualmente, era também usada para combater dores musculares. 
Outras figuras patéticas compõe um quadro caricatural do universo masculino de então, por meio de grandes intérpretes como Jonathan Pryce e Rupert Everett (acima) – este o melhor amigo do médico-inventor (Hugh Dancy, “Rei Arthur” – 2004) e responsável por atribuir-lhe certa ambiguidade sexual. Para fazer contraponto com esse personagem, o roteiro inventa uma mulher avançada demais para o período (Maggie Gyllenhaal, “Batman – o cavaleiro das trevas”, 2008) que ajuda no entendimento do absurdo social imposto aos indivíduos (abaixo).
Assim como ela, a diretora se faz de recatada e comedida, mas nos oferece ousadas cenas de sexo ao mostrar bem de perto mulheres gritando em pleno orgasmo, ainda que pesadamente vestidas com aquele espesso vestuário tão ao gosto da Rainha Vitória. Aliás, nem a soberana escapa ao implacável humorismo do filme. Pelo que nele se vê, certamente Tanya Wexler jamais receberá a comenda de Dama da Ordem do Império Britânico, como aconteceu com Judy Dench, Helen Mirren e outras artistas de cinema.
HYSTERIA
Histeria
Reino Unido/ França/ Alemanha 
2012, 100 min, 14 anos
estreia 09 11 2012 
gênero comédia/ histórica
Direção Tanya Wexler
com Hugh Dancy, Maggie Gyllenhaal, 
Jonathan Pryce e Rupert Everett
COTAÇÃO
* * *
BOM


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

"Argo" de Ben Afleck: um falso filme que fez história e é um candidato evidente ao Oscar


“Argo” é dirigido e protagonizado por Ben Afleck, mais conhecido como galã de Hollywood. A gente pensa que esses sujeitos só têm minhoca na cabeça, mas não é o caso de muitos deles – como este profissional de 40 anos que atuou em 56 filmes e, no entanto já possui um expressivo trabalho também por trás das câmaras. Em 1997, por exemplo, Afleck celebrou-se como roteirista, recebendo um Oscar por "Gênio Indomável". Este “Argo”, entretanto, representa a sua consagração como diretor: uma mistura bem dosada de suspense e humor, numa história real e importante, até porque era pouco conhecida, ou melhor, secreta porque se trata de um caso de espionagem internacional. É o seu terceiro trabalho em direção, depois de "Medo da verdade" (2007) e "Atração perigosa" (2010).
Em 1979, quando os aiatolás derrubaram o Xá da Pérsia e fundaram a república islâmica do Irã, a embaixada dos EUA foi invadida pelos rebeldes muçulmanos em fúria e seus funcionários ficaram presos como reféns. Menos meia dúzia deles, que conseguiram se esconder na embaixada do Canadá, mas precisavam ser tirados logo de lá, sob pena de serem executados assim que fossem descobertos. Afleck interpreta um agente da CIA especializado em “exfiltração” – ou seja, o contrário de infiltração – o encarregado executar essa proeza praticamente impossível. Ele inventa um plano mirabolante, porém curiosamente viável: fazer de conta que eles estavam no Irã escolhendo locações para uma produção de Hollywood – uma aventura de ficção científica chamada “Argo”. 
É aí que reside o humor filme, com as atuações de John Goodman e Alan Arkin, em cujo diálogo não falta críticas mordazes à própria indústria do cinema americano. Para que o plano funcionasse, seria preciso que a tal produção existisse mesmo, que tivesse um roteiro, elenco, desenhos de produção e que viesse a merecer uma reportagem na revista Variety, para mostrar à polícia iraniana. Entre os diversos méritos deste filme, destaca-se um inteligente cotejo entre a narrativa cinematográfica e o que ficou gravado pelas televisões da época, atribuindo vida e frescor ao roteiro. 
Isso, além de uma cuidadosa reconstituição da revolução islâmica, captando com detalhes o clima de histeria coletiva do período, incluindo as impressionantes execuções sumárias, o que valoriza o reconhecimento público daqueles heróis improvisados, que foram obrigados a se manter por tantos anos no anonimato. 

ARGO 

Argo 

EUA, 2012,120 min, 14 anos

estreia 09 11 2012
gênero docudrama/ suspense/ comédia
Distribuição Warner Bros. 
Direção Ben Afleck 
Com Bryan Cranston, Ben Affleck, 
John Goodman, Alan Arkin
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Retrospectiva completa da obra de Louis Malle no CINUSP Paulo Emílio e no CCBB - SP


Celebrando os 80 anos de seu nascimento, o CCBB e CINUSP Paulo Emílio apresentam de hoje até o dia 25 uma ampla retrospectiva com 21 filmes do cineasta francês Louis Malle, um dos mais populares de sua geração, e um dos poucos a conquistar sucesso também nos Estados Unidos. Nascido em 1932 Malle estudou ciência política na Sorbonne e cinema no IDHEC, em Paris. Começou sua carreira em 1953, como assistente de direção de Robert Bresson. Com seu primeiro filme solo, o suspense Ascensor para o Cadafalso, estrelado por Jeanne Moreau. Malle já alcançou sucesso comercial. O reconhecimento internacional veio no ano seguinte, com o polêmico Os Amantes (foto abaixo), novamente estrelado por Moreau. Falecido em 1995, Louis Malle deixou uma diversificada obra cinematográfica, na qual se destacam clássicos como Trinta Anos Esta Noite, O Sopro no Coração, Pretty Baby (Menina Bonita, foto acima), Atlantic City, Zazie no Metrô, Lacombe Lucien, Adeus Meninos e o documentário O Mundo do Silêncio, feito em parceria com Jacques Cousteau, primeiro filme do gênero a ser premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e vencedor do Oscar da categoria. Além de um livreto com toda a programação da mostra, sinopses, fotos, fichas técnicas e fortuna crítica sobre todos os filmes, esta retrospectiva do cineasta Louis Malle também deve motivar a publicação, no primeiro semestre de 2013, de um novo volume da Coleção CINUSP de livros, que pretende reunir textos críticos e históricos sobre grandes nomes do cinema mundial.

domingo, 4 de novembro de 2012

“Frankenweenie” e “Diário de um Banana”: dois modos de ver o mundo por olhos infantis


Entram em cartaz ao mesmo tempo dois filmes absolutamente diversos que tratam do mesmo assunto: meninos vivendo a difícil passagem da infância para a adolescência, ou seja, os protagonistas de “Frankenweenie” e de “Diário de um Banana – dias de cão”. Se a animação de humor negro, em branco e preto e em 3D, de Tim Burton chega ao mercado impulsionado pelos milhões que a Disney sempre aplica em seus lançamentos, a comedia naturalista dirigida por David Bowers (“Astro Boy” – 2009) – um competente diretor especializado em animações – chega aos cinemas sem que a Fox tenha se empenhado muito no lançamento, provavelmente confiando no imenso público dos livros em que baseia. 
Trata-se de uma série escrita por Jeff Kinney, um cartunista e desenvolvedor de videogames de 40 anos, agora vitorioso com as vendas do Diary of a Wimpy Kid (“Diário de um banana”) que já ultrapassam 60 milhões de cópias. Esse apelido remete ao amigo do marinheiro Popeye que só comia hambúrguer – até hoje o protótipo da “junk food”. Mas também carrega o significado de “fracote”, ou seja, um garoto avesso a qualquer tipo de atividade física, a não ser aquela que envolve os dedos, durante a prática do videogame. 
Por isso, Greg Heffley (esse é o nome do “Banana”) poderia ser quase uma alma gêmea do jovem outsider Victor de “Frakenweenie”, se tivesse como ele alguma curiosidade artística e intelectual e vivesse numa época pré-informática e pré-internet. Tim Burton situou essa sua paródia de Mary Shelley, num período em que os moleques ainda curtiam filmes super-8, levavam a sério as competições escolares tipo “feira de ciências” e se espantavam como a eletricidade podia movimentar as pernas de uma rã morta, no laboratório do colégio. E, sobretudo, amavam os seus bichos de estimação a ponto de desejar resgatá-los da morte, por meio de descargas elétricas capturadas dos raios em noites de chuva, igualzinho ao clássico “Frankenstein” de James Whale (1931), com Boris Karloff. 
Já o nosso contemporâneo Greg “Banana” Heffley apenas suporta o inoportuno cachorro que seu pai lhe dera de presente, só para que ele aprendesse a “assumir responsabilidades”. Provavelmente ele preferisse a companhia dos bichinhos virtuais do Nintendo DSI, que não babam, não soltam pelo e não lhe acordam pulando na cama dele. Enquanto “Frankenweenie” cria um ambiente soturno e alegórico na improvável cidade de New Holland, em que seu herói se movimenta com certa dificuldade, o roteiro de “Diário de um Banana 3 - dias de cão” satiriza de modo franco e direto os absurdos da atual cultura americana a partir do ponto de vista de um garoto comum, mas especialmente sensível. 
Mais ou menos como fazia o cartunista francês Sempé, em relação à Paris dos anos de 1950, por meio de seu personagem o pequeno Nicolau: as idiossincrasias dos pais e vizinhos, somadas à mediocridade dos colegas e parentes e reforçadas pela necessidade de “aproveitar a natureza e o ar livre”, durante as férias de verão, isto é, os “dias de cão” mencionados no título. Além das surpreendentes acuidade e leveza da maioria das piadas, o filme mostra uma bem sucedida experiência de adaptação cinematográfica de um tipo de humor de natureza gráfica e literária, mesclando a “live action” com os desenhos originais de Jeff Kinney. 
FRANKENWEENIE 

Frankenweenie 
EUA, 2012, 87 min, 10 anos
estreia 02 11 2012
gênero comédia / animação/ horror
Distribuição Disney.
Direção Tim Burton 

COTAÇÃO

* * *
BOM

DIÁRIO DE UM BANANA - DIAS DE CÃO 

Diary of a Wimpy Kid: Dog Days
EUA, Canadá, 2012, 94 min, 10 anos

estreia 02 11 2012
Distribuçao Fox

Direção David Bowers

gênero Comédia / juvenil 

COTAÇÃO
* * *
BOM

O centenário de Nelson Rodrigues em mostra comemorativa na Cinemateca Brasileira


A Cinemateca Brasileira celebra neste mês o centenário de nascimento do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). A programação é composta, entre outros títulos, por Meu destino é pecar, de Manuel Peluffo, primeiro filme adaptado de um texto do escritor, e Bonitinha, mas ordinária, versão de J. P. de Carvalho para a aquela tragédia carioca, uma das melhores leituras cinematográficas da obra de Nelson, estrelada por Jece Valadão e Odete Lara. Há também Engraçadinha depois dos trinta, de J. B. Tanko, adaptação da segunda parte de Asfalto selvagem, folhetim publicado no jornal Última hora entre 1959 e 1960. Em produções dos anos 1960 temos O beijo, de Flávio Tambellini, versão expressionista para a peça O beijo no asfalto, e A falecida, primeiro longa do cineasta Leon Hirszman, e primeiro papel da atriz Fernanda Montenegro no cinema. Baseado no romance homônimo censurado pelos militares, O casamento traz o ator Paulo Porto no papel de um pai de família apaixonado pela filha. Considerada pela crítica brasileira uma das mais brilhantes versões da obra de Nelson para o cinema, Toda nudez será castigada traz novamente Paulo Porto, agora ao lado da atriz Darlene Glória (acima), na pele de um viúvo cindido pelo desejo e pela culpa. Entre as adaptações recentes destacam-se Gêmeas, de Andrucha Waddington, com a atriz Fernanda Torres, e Traição: 3 histórias de Nelson Rodrigues, de Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca, produção baseada em contos do dramaturgo.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Os premiados e o melhor da 36 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo



Como foram exibidos 380 filmes, a premiação da Mostra Internacional de cinema é meio complicada, mas funciona. Logo na primeira semana são exibidos todos os filmes e, a seguir, eles fazem o rodízio pelos vários cinemas. Conforme a votação do público é selecionada uma dúzia de títulos só de novos diretores, que são assistidos por um grupo de jurados. Eles escolheram como melhor filme de ficção o israelense “Preenchendo o Vazio” de Rama Burshtein. Na área do documentário, foi escolhido “We came home” de Ariana Delawari, uma jovem do Afeganistão. A ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) elegeu o melhor dos brasileiros que foi “Francisco Brennand” (acima)  – um documentário sobre o artista pernambucano, de Mariana Brennand Fortes. O detalhe é que havia dezenas de filmes de ficção competindo com ele. Já os críticos presentes no Festival escolheram como o melhor de toda a Mostra “A Bela que dorme”, do veterano italiano Marco Belochio e deram menção honrosa ao belga “Perder a razão”, de Joaquim Lafosse. Eu particularmente gostei muito de uma animação coreana para adultos chamada “Padak”, e do documentário “Miradas Múltiplas”, sobre o fotógrafo mexicano Gabriel Figueroa. Além de “A caça”, do dinamarquês Tomas Vitenberg, e do alemão “Hanna Harendt” de Margarethe Von Trotta. Tomara que todos estes venham a ser exibidos comercialmente o país.


O fim do Jornal da Tarde, tristezas, lágrimas e lembranças


O  fim do Jornal da Tarde é uma tristeza, porque ali trabalhei, fazendo crítica de cinema de 1973 a 1979, quando o Mino Carta abriu o Jornal da República e me levou pra lá, por meio do Nirlando Beirão que era o editor de cultura. Semanas depois o jornal fechou e, como não dava pra voltar, fui para a Folha de São Paulo, e lá fiquei até o fim da década de 1980. Mando a ilustração de uma matéria de página inteira (29/08/1975) na qual fazia um balanço do cinema brasileiro da época. A imagem acima, do Severino é meio tétrica, numa alusão às dificuldades do período, mas que também se adapta a este momento fúnebre em que o Jornal da Tarde vai para o túmulo. Foi um dos poucos artigos que encontrei na gaveta, em meio às centenas que guardei mas perdi em alguma mudança. Ainda bem que o JT vai ser digitaliza todo, conforme me disse o Edmundo Leite, que é o responsável pelo acervo do Estadão. 

A crítica Maria do Rosário Caetano me mandou a seguinte resposta em seu blog:

Cheguei a SP, para morar com Zanin, numa gelada manhã de julho de 1994 (dois graus, JURO!), com meus dois filhos: Jorge Artur com 13 anos e Guto com 7. Eles de férias (pois voltariam a morar com Helinho, meu saudoso e amicíssimo ex-marido, que, para minha grande tristeza, morreu dois anos atrás) e eu para ficar! (Ainda hoje eles moram em Brasília). Era tempo de SHORT CUTS, de crise braba do cinema brasileiro e de sessões no Maksoud Plaza. Conheci seu trabalho crítico na Folha de SP. Fui sua leitora frequente! O JT que li com boa frequência é posterior a 1994. Em plena ERA EDMAR PEREIRA. Quando ele já estava bastante doente, Zanin e eu convivemos muito com ele. No último FEST GRAMADO dele, tomávamos café JUNTOS toda manhã. Ele queria estar sempre conosco. E nós com ele, que era uma pessoal maravilhosa! O contato com Marcão Faerman se deu mais pela política, pelos sonhos de uma NUESTRA AMERICA revolucionária!

Ao que assim respondi:
Eu recebi o Edmar na redação do JT, quando ele, que era da reportagem, se iniciava como crítico, passando a fazer uma matéria de “preview”, toda a sexta feira, que comentava as estreias da semana. Era uma tarefa super difícil naquela época em que, juro, não havia cabines e nem se sonhava em internet. Os que podiam assinavam revistas estrangeiras que serviam como as principais fontes de referência no cinema, festivais, prêmios, bilheterias, recepção pela crítica etc. Tinha uma espécie de rodízio de críticos (Bruna Becherucci, Pola Vartuck, Claudio Bojunga e Telmo Martino) que, periodicamente, encaravam esse abacaxi por uma temporada (exagero meu... acabava ficando divertido, pelo próprio clima da redação). Era eu que cumpria a pena quando o Edmar chegou e o editor Edson Paes de Mello o encarregou da coluna, que dava no mínimo meia página. Ficamos felizes ambos, ainda que por motivos opostos: ele por abraçar a incumbência e eu por ter me livrado dela.