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sábado, 24 de abril de 2010

“Alice no País das Maravilhas”, um enigma de Tim Burton na linha de Lewis Carrol

Este texto poderia ser considerado um spoiler, se “Alice no País das Maravilhas” fosse um filme de suspense. Mas há de fato uma maciça dose de mistério cercando esse trabalho de Tim Burton. Vejamos: por que motivo ele atribuiu à protagonista a idade de 20 anos, colocando-a como herdeira de um poderoso empresário de comércio internacional? E por que, na última cena, ela toma um navio mercante em direção à China, no comando de uma missão de negócios, ostentando uma anacrônica gravata masculina? Para facilitar a fruição do filme, uma explicação deveria ser apresentada logo na abertura, talvez num letreiro, como fez George Lucas em “Guerra nas Estrelas”. O procedimento esclareceria a complexa estratégia que ele adotou para adaptar o livro do inglês Charles Dodgson (1832-1898), publicado sob o pseudônimo de Lewis Carrol em 1865 – ano em que se iniciou uma guerra de 4 anos entre a China a Grã Bretanha, que ficou conhecida como a Segunda Guerra do Ópio. O que era mesmo aquilo que a lagarta azul fumava de um narguile, sentado num cogumelo?
O que ela iria comprar e vender no então chamado Império do Meio? A pista para responder esta pergunta está na história. Naquela época, os britânicos importavam seda, porcelana e chá – bebida da qual a Rainha Vitória era dependente, junto com a totalidade de seus súditos. Ingerir essa infusão de ervas era um hábito tão importante que servira de gancho para uma revolta considerada um dos estopins da guerra da Independência dos Estados Unidos: a “Boston Tea Party”, de 1773. Naquele ano, o Parlamento inglês entregara o monopólio do comércio do chá à Companhia das Índias Orientais, que pertencia a uma maioria de capitalistas ingleses. Em resposta, os americanos jogaram ao mar o carregamento de chá dos navios da companhia que estavam no porto de Boston.
Por outro lado, na primeira metade do século XIX o ópio representava o grosso das exportações britânicas para a China, porque era a mercadoria que mais interessava aos consumidores. Assim, quando a sua importação foi proibida pela dinastia Qing, os britânicos lhe declararam guerra. Produzida em alguns locais da Índia e do Oriente Médio, que na época era ocupado pelo Império Otomano, a droga era vendida ilegalmente aos chineses por mercadores ingleses que a trocavam basicamente por seda, porcelana e chá. Será por acaso que esses produtos dominam a cena de Alice, por meio do Chapeleiro Louco e seus comensais − a Lebre de Março, o Gato Risonho e o Coelho Branco? Nessa sequencia central do filme que é a “Mad Tea Party”, Alice se encontra com a “elite social” do País das Maravilhas e, miniaturizada como um chip, é escondida dentro de um bule.
O nome original do país com o qual a menina Alice sonhava todas as noites desde os 6 anos, aliás, era simplesmente “Under Ground” – instância social em que se situavam as transações mercantis envolvendo o produto aspirado pela Lagarta Azul que, ao fim da história, “morre” para se transformar em borboleta da mesma cor. Aí a simbologia se completa: ao longo da história, os ingleses trocam o comércio subterrâneo de escravos e drogas por mercadorias mais nobres, como produtos manufaturados. Na versão de Tim Burton, antes de recusar o pedido de casamento do filho de um Lorde, a Alice de 20 anos cai na toca do Coelho e experimenta na carne as mesmas aventuras com as quais sempre sonhara. É importante notar que essa queda se prolonga por vários minutos e, ao seu término, a personagem cai sentada sobre o teto de uma sala, com os cabelos para cima. Ao olhar em torno, ela depara com um candelabro em que as velas se acham com a chama virada para baixo e, aí sim, cai ao chão. Isso indica que o fundo da toca coincide com um local antípoda à Europa, ou seja, o extremo oriente do planeta, onde se localiza a China.
Após o término da fantástica aventura ocorrida no mundo subterrâneo, ao sair do buraco, ela encara o mundo real: recusa o pedido de casamento e chama o pai do noivo para uma conversa privada. É quando ela lhe propõe sociedade num empreendimento comercial no império da Grande Muralha. Como lembra o crítico Luiz Zanin, a “Interpretação dos Sonhos” de Sigmund Freud só seria lançado três décadas depois. Mas, mesmo assim, a protagonista deve ter vislumbrado retalhos de uma realidade futura por trás dos símbolos contidos naqueles sonhos recorrentes desde a infância. Numa pré-munição, observou um confronto interno entre brancos e vermelhos. Brancos, como a droga e como era designado o próprio chá chinês obtido da camellia sinensis – o "chá branco". Vermelhos, como é a bandeira da China e, que na tradição da marinha britânica, também é a cor da bandeira que representa guerra. Há finalmente uma batalha da qual ela mesmo participou, empunhando a espada para defender um dos lados. De fato, os ocidentais venceram a Guerra do Ópio. Em resultado, a China abriu 50 de seus portos para o comércio com estrangeiros e a Ilha de Hog-Kong permaneceu sob o domínio inglês até 1997.
Em outras palavras, a hipótese é que Tim Burton e a roteirista Linda Woolverton desenvolveram duas histórias para o filme, uma recheando a outra, como num sanduiche narrativo. Desta forma: no primeiro ato, vemos a história real de uma menina rica que vai ser pedida em casamento por um aristocrata; no segundo, ela cai num buraco e vive (ou sonha de novo com) tudo aquilo com que sempre sonhou; o terceiro ato conclui a história esboçada no primeiro, ou seja, ela volta para a realidade, recusa o pedido e tem um insight que a leva a embarcar em viajem mercantil para a China. Tim Burton e os executivos da Disney podem ter decidido essa linha para poder trabalhar com dois níveis de dramaturgia, fazendo com que o plano do discurso realista enfatize e valorize a narrativa fantástica transcorrida no País das Maravilhas. Foi, aliás, o mesmo estratagema de Guillermo Del Toro em “O Labirinto do Fauno” (El Laberinto del Fauno, 2006).
Mas os enigmas permanecem. Por exemplo, por que a Rainha Branca prepara feitiços num laboratório, como uma bruxa? O que significa esse o Chapeleiro Louco, sempre com um dedal de costura no dedo? Na passagem em que ele participa mais ativamente da trama, está criando e costurando chapéus para a Rainha Vermelha que irá experimentá-los um a um. Naquela parte do século XIX, ainda não existia a indústria de confecção e as roupas ainda não apresentavam marcas. E esse personagem talvez possa ser visto como o protótipo de um estilista de moda, um designer excêntrico sempre em conflito com a padronização. Talvez o símbolo da manufatura de roupas e tecidos que se tornaria o carro chefe da industrialização inglesa e o núcleo de seu comércio exterior. Quem sabe a figura central de uma alegoria surreal e onírica sobre o colonialismo britânico, em busca das maravilhas da China. Em suma, essa estrutura de roteiro é um enigma que Tim Burton submete ao público, equivalentes aos que o próprio Lewis Carrol inventava e com os quais os personagens do livro desafiavam uns aos outros.
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Alice in Wonderland
estreia 23 04 2010
EUA - 2010 – 111 min. - 10 anos
gênero infantil / fantasia / Aventura
Direção Tim Burton
Distribuição Columbia
Com Johnny Depp, Helena Bonham Carter e Anne Hathaway
COTAÇÃO
* * *
BOM

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lançada em DVD duplo a mini-série biográfica "Coco-Chanel", com a vida da estilista

Lançada em DVD duplo, a famosa mini-série de televisão "Coco Chanel", uma produção franco-inglesa para a GNT, em que a célebre estilista é encarnada por Shirley Mc Laine. É impressionante como o estilo da série tem pontos em comum com as brasileiras do mesmo gênero. Nota-se uma diferença entre o didatismo realista da reconstituição de época e dos fatos e a falta de objetividade em seu tratamento dramático. Ou seja, o roteiro evita os pontos controvertidos e que possam chocar as audiências e romantiza os acontecimentos, especialmente os diversos envolvimentos amorosos de Chanel. Ela coloca suas idéias em frases, como “a mulher precisa a se vestir para ela e não para os homens”. Mas a narrativa traz imagens interessantes. Por exemplo: o primeiro presente do primeiro namorado é um colar de pérolas. Ele vai pareticipar de uma engenhosa estratégia ficcional para “explicar” a fixação da estilista nesse tipo de ornamento. Naquela mesma noite, Coco devolve o colar, ao ver o namorado flertando com uma antiga amante que revela ter sido a “usuária anterior” da jóia. Com isso o filme cria um símbolo − a pérola significa o que seria para a protagonista a relação de amor: algo transitório, como um presente que pode ser dado e tomado de volta e que só pode ser eternizado, ou fixado no tempo, na qualidade de mera representação, ou seja, enquanto objeto inanimado. Avessa aos relacionamentos estáveis e exclusivos, Chanel guarda a pérola como amuleto (um símbolo) do poder que julga exercer sobre a própria afetividade. Vale como estudo de uma personalidade que marcou profundamente o design de moda no século XX.
COCO CHANEL
Itália / França/ Inglaterra (2008) 139 min
DVD duplo Distribuição Versáil
gênero docudrama
Direção Christian Duguay
Com Barbara Bobulova, Malcolm McDowal, Shirley MacLaine
COTAÇÃO
* * *
BOM

Obra de um gênio da animação, “Mary & Max” faz pensar, rir e chorar ao mesmo tempo

Continua em cartaz o sensacional desenho animado para adultos “Mary & Max”, dirigido por Adam Elliot, que já ganhou um Oscar de animação em 2003 pelo curta "Harvey Krumpet". É um requintado trabalho em “stop motion”, praticamente monocromático, e que surpreende pela agudeza de seu olhar crítico sobre a vida em sociedade e pelo poder de síntese na representação em movimento dos gestos humanos. Um texto avassaladoramente sarcástico e um traço impiedoso, tamanha a precisão com que revela o interior dos tipos representados.
É difícil classificar o filme como comédia ou tragédia, porque ele traz essas mesmas características em proporções iguais. É extremamente triste e engraçado ao mesmo tempo e, consegue esse efeito porque trabalha com matérias diferentes numa mesma trama. A história mostra um relacionamento por meio de carta, que se estende por duas décadas, entre uma menina australiana de 8 anos e um novaiaorquino de 40. Por correspondência, eles trocam segredos e chocolates e se tornam os únicos amigos um do outro. Mas nunca se encontram fisicamente ao longo do filme e isso permite que o desenho de um e de outro, assim como do universo em que vivem, tenham estilos diferentes. Não muito... Ambos na verdade são caricaturais, mas as diferenças de linha, cor e traço são essenciais para diferenciá-los em termos de personagens.
Com voz de Toni Collete (“A Pequena Miss Sunshine”), ela parece uma figura de quadrinho, portanto, cômica por natureza. Ou seja, age sempre de modo padronizado, como Luluzinha, Mônica ou Mafalda. No entanto, luta para ser alguém de carne e osso e, como tal, acaba com o coração quebrado e sofrendo muito. Mas, dublado por Phillip Seymour Hoffman (“Capote”) ele é tratado como uma pessoa real, cujo comportamento ridículo e repetitivo se explica por uma doença grave: a Síndrome de Asperger, que é um tipo de autismo. Aos poucos, a gente vai percebendo que o sofrimento dele é verdadeiro e, aí, o o nosso riso vira piedade e compaixão. Trata-se de uma experiência sofisticada absolutamente inédita no cinema.
MARY E MAX
Mary and Max
estreia 16 04 2010
Austrália - 2009 – 93 min. - Livre
Gênero Animação / comédia / tragédia
Distribuição Playarte
Direção Adam Elliot
Vozes: Phillip Seymour Hoffman e Toni Collete
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

quarta-feira, 21 de abril de 2010

“Sonhos Roubados”: a prostituição seria uma espécie de karma para toda uma geração?

Boa parte do cinema brasileiro insiste em justificar a criminalidade como efeito da falta de recursos e apoio do estado. Falando sobre o seu “Sonhos Roubados”, sobre três colegas de escola na periferia carioca, a experiente Sandra Werneck (de “Cazuza”) repete o mesmo clichê. Ela declara literalmente que “a falta de possibilidades no dia a dia, a falta de escola e de políticas, fazem com que essas meninas tenham que se virar”. O roteiro se baseia em histórias reais, mas cabem as perguntas, porque não mostrar personagens significativos da maioria das garotas, isto é, as que não se prostituem apesar da pobreza? Ou ainda quais são os “Sonhos Roubados” do título?
As próprias personagens respondem: a primeira sonha com uma festa de quinze anos; a segunda deseja ser beijada pelo namorado; e a terceira gostaria de ver o avô livre de uma doença. Mas logo se emenda, dizendo “mas o que eu queria mesmo era aquela calça da loja”. Como vemos são três personagens a procura de um objetivo dramático. Uma delas ainda luta, sem muito empenho, para manter a guarda da filha. Outra faz amizade com uma cabeleireira da vizinhança que lhe convence a denunciar os abusos do tio pedófilo com quem mora e a restante do trio decide a levar adiante uma inoportuna gravidez.
No drama social “Sonhos Roubados”, que estréia nesta semana, as mães que costumavam assumir a função de principal esteio dos lares, desaparecem do horizonte dramático, por terem morrido drogadas, ou terem fugido para sempre com um bandido. Pior é no drama quase político “As Melhores coisas do Mundo”, também em cartaz na qual é o pai quem sai de casa (e do armário) para viver com um aluno. Ou seja, nos filmes brasileiros atuais sobre adolescentes, a garotada volta a se afastar de casa, não mais porque os pais continuem tirânicos, mas porque “casas” quase já não existem – pelo menos no sentido tradicional do termo. Amigos, vizinhos e professores representam os elementos mais próximos ao que seria uma família, como é o caso da personagem de Marieta Severo em “Sonhos Roubados”.

Além da própria sobrevivência física e mental, os principais problemas enfrentados pelos personagens do novo cinema teen brasileiro são a convivência com as pessoas da mesma idade e o relacionamento com o ambiente social. Isso envolve a busca de uma identidade e de uma compreensão mínima acerca das condições sociais em que se movimentam. As meninas de “Sonhos Roubados” se sentem atraídas pela prostituição, sem que ninguém as seduza para essa atividade, mas como uma opção quase única que se manifesta em tudo e em todos, no meio em que vivem. Ou seja, num movimento duplo, vemos, de um lado, o esforço pela individuação e, de outro, a constatação sartreana de que “o inferno são os outros”.
Só em “As Melhores coisas do Mundo” aparece com mais força a questão da solidariedade e a consciência de que, mesmo que não haja mais uma ditadura para criticar, os jovens fazem parte de uma coletividade e também são responsáveis pelos rumos que ela pode tomar. Como “As Melhores Coisas do Mundo” fez mais de R$ 500 mil em seu primeiro fim de semana, o público parece interessado no que esses personagens representam e no que eles têm a dizer. Novos questionamentos, novas tecnologias (celular, internet) e uma nova geração. Os jovens que voltam ao cinema brasileiro não são os mesmos que sumiram nos anos 90 – e ainda bem.
SONHOS ROUBADOS
estreia 23 04 2010
Brasil - 2010 – 91 min. - 16 anos
Gênero Drama / Adolescência
Distribuição Europa Filmes
Direção Sandra Werneck
Com Marieta Severo, Daniel Dantas, Nelson Xavier
COTAÇÃO
* *
REGULAR

segunda-feira, 19 de abril de 2010

“As Melhores coisas do Mundo”: o melhor da nova safra de filmes sobre e para adolescentes

Após ter ficado evidente que o nicho estava vazio, resolveu-se investir no cinema sobre e para adolescentes. Não valeria filmes para adultos que usam a garotada como tema, como foi o caso de “À Deriva” de Heitor Dhalia. O mercado se ressente de produções brasileiras capazes de arrancar a galera dos videogames e atraia a moçada para as salas de cinema. Afinal, eles representam uma valiosa fatia do público, como ficou provado nas séries “Crepúsculo” e “High School Musical”. Somente neste mês se anunciam quatro longas −“Os Famosos e os Duendes as Morte” (de Esmir Filho), “Antes que o Mundo Acabe” (de Ana Luiza Azevedo), “Sonhos Roubados” (de Sandra Werneck) e “As Melhores coisas do Mundo” que estréia nesta semana.
Dirigido por Laís Bodanzky, este é o melhor. O de Esmir Filho é uma viajem quase metafísica: numa cidadezinha no interior de Sta Catarina, um rapaz se acha obcecado pelo suicídio da irmã de um colega. Com um dedo de Jorge Furtado no roteiro, o filme de Ana Luiza Azevedo narra o encontro de garoto com o pai que nunca conheceu. Para justificar o fato de que a comunicação entre eles acontece por meio do correio, esse pai foi colocado num convento da Tailândia, onde se recupera de malária. Já Sandra Werneck descreve a trajetória de três amigas numa favela carioca se iniciando na prostituição. Mas “As Melhores coisas do Mundo” se coloca acima dos concorrentes. O roteirista Luis Bolognesi baseia o roteiro em livro de Gilberto Dimenstein que parte de uma observação muito próxima dos estudantes paulistas. E assim elabora uma trama emocionante e bem humorada sobre as coisas de fato relacionadas com a juventude. Entre elas o chamado bullying – variadas agressões e humilhações que os estudantes infligem uns aos outros – um processo agora muitas vezes amplificado por meio do celular e da internet. Segundo uma pesquisa recente, 10% dos alunos sofre esse tipo de violência que, no filme, vemos se espalhar em todos os níveis da atividade escolar.
O protagonista é um garoto que se vê gravemente atingido pela separação dos pais, pela calúnia lançada contra o professor mais admirado da escola e por ter se apaixonado justamente por sua melhor amiga. Pra completar o quadro, há a tentativa de iniciação sexual num prostíbulo e a depressão sofrida pelo irmão mais velho. Veremos que, no mundo atual, um professor de violão pode desempenhar o papel que os gurus e eremitas cumpriam nas fábulas. E também percebemos que, para a adolescência, a participação política – mesmo não partidária e nem ideológica – é fundamental para a promoção de seu amadurecimento. Quando os personagens centrais se posicionam ao lado do professor injustiçado, eles começam a ver as coisas mais claramente e a ter condições de comandar seus próprios destinos.
AS MELHORES COISAS DO MUNDO
estreia 16 04 2010
Brasil - 2010 – 107 min. - 14 anos
Gênero Drama / social
Distribuição Warner Bros.
Direção Laís Bodanzky
Com Denise Fraga, Paulo Vilhena,
Caio Blat, Francisco Miguez
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

terça-feira, 13 de abril de 2010

"A Estrada", filme triste e de qualidade, baseado em livro vencedor do Pullitzer

“A Estrada” se baseia numa novela do mesmo autor de “Onde Os Fracos Não Têm vez”, com o qual os irmãos Coen ganharam 4 Oscars, inclusive o de melhor roteiro adaptado. Trata-se de Cormac Mccarthy (Providence – 1933), que é considerado pelo crítico Harold Bloom um dos melhores ficcionistas americanos da atualidade. O livro “The Road”, que deu origem a este filme, ganhou o prêmio Pullitzer de 2007 e, foi filmado pelo australiano John Hillcoat, que evitou qualquer concessão ao conforto do público e fez dele um dos títulos mais amargos dos últimos anos.
Trata-se de uma visão do apocalipse especialmente dolorosa porque é desenhada sem qualquer traço de romantismo. Numa paisagem gelada e inerte, sem nenhuma planta ou animal vivo, os indivíduos vagueiam apanhando o pouco que ficou e sempre fugindo dos demais, porque a maioria sobrevive pela prática do canibalismo. Ou seja, os laços sociais entre as pessoas desapareceram por completo. Charlize Theron e Viggo Mortensen formam uma família que procura manter valores humanos e um mínimo de dignidade em meio ao desespero.
Mas o que vemos na estrada é o filho deles conduzido pelo pai e caminhando sempre em direção ao sul, na expectativa de encontrar um clima menos frio e alguma forma de vida. Nesse trajeto, os únicos fragmentos de esperança tomam a forma de alguns insetos e de um velho andarilho ainda lúcido. Este é vivido por Robert Duvall, numa atuação curta, mas impressionante: uma sequência dolorosa em que a humanidade inteira parece se achar resumida a três homens que, apesar de unidos, se encontram desgraçadamente apartados da presença feminina.

O resto do ambiente se acha entregue à mais acabada abominação: o rompimento por inteiro com o compromisso básico, responsável pela própria continuidade da organização social. Uma situação que resulta em cenas horripilantes e diálogos capazes de gelar o sangue de qualquer um. “A Estrada” horroriza porque, mais do que o fim do mundo, nos mostra o desaparecimento da vida em sociedade.
A Estrada
The Road
estreia 23 04 2010
gênero ficção científica / drama
Distribuição Paris Filmes
Direção John Hillcoat
Com Vigo Mortensen, Charlize Theron, Robert Duval
C O T A Ç Ã O
* * * *
Ó T I M O

segunda-feira, 12 de abril de 2010

“Chico Xavier”, o fenômeno atual de bilheteria no Brasil e seu estranho parente inglês.

O filme “Chico Xavier” vem sendo considerado a biografia do médium mineiro que escreveu mais de 400 livros e que arrecadou milhões em direitos autorais, sem jamais receber um tostão, por não considerá-los de sua autoria, uma vez que eram psicografados, isto é, ditados a ele por entidades do além túmulo. O roteiro, na verdade, constitui-se de uma seleção de episódios da vida de Chico, costurados pela entrevista que ele concedeu em 1971 ao “Pinga Fogo”, da TV Tupi. Na foto acima, vemos Chico já idoso, vivido por Nelson Xavier. Abaixo, Angelo Antônio interpretando o Chico mais jovem.
Os fragmentos do passado vão sendo reconstituídos na medida em que são mencionados no programa. Nessa estratégia se encontra a sabedoria do diretor Daniel Filho e do roteirista Marcos Bernstein, ao eleger a tragédia pessoal do diretor daquela emissora de televisão para servir de espinha dorsal da narrativa. Interpretado por Tony Ramos, ele perdera o filho num acidente e, ao contrário da esposa vivida por Cristiane Torloni, é totalmente cético em relação à mediunidade do entrevistado.
Daniel Filho acerta em cheio ao adotar um estilo naturalista, quase jornalístico, para este docudrama a respeito de um personagem que sempre viveu em contato com o sobrenatural. Por si só extraordinários, o diretor evitou atribuir uma tonalidade melodramática aos fatos relatados, ou seja, a singular trajetória de um líder religioso de abrangência nacional. Tudo é mostrado com elegância e simplicidade de recursos cênicos, lembrando o ascetismo expressivo das obras de Humberto Mauro, em plena consonância com a excelente trilha sonora composta por Egberto Gismonti.

CHICO XAVIER
estreia 02 04 2010
Brasil - 2010 – 124 min. - Livre
Gênero Drama / História / Religião
Distribuição Columbia
Direção Daniel Filho
Com Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Mateus Rocha,
Giovanna Antonelli, Letícia Sabatella e Tony Ramos
COTAÇÃO
* * *

B O M


Por uma curiosa obra do acaso, dois docudramas estranhamente relacionados se acham em cartaz em São Paulo. São eles “Chico Xavier”, sobre o mais respeitado médium brasileiro, e “Criação” focalizando um período complicado da vida do inglês Charles Darwin, o cientista que concebeu a teoria da evolução. A coincidência é que o escritor Alan Kardec incorporou conceitos darwinianos à doutrina do espiritismo, que ele estava elaborando naquela mesma segunda metade do século XIX. Para ele não apenas os organismos vivos, como também o plano espiritual se achavam em constante processo de evolução. Ambos os filmes elegem momentos em que seus protagonistas são confrontados no plano das idéias e das concepções sobre o mundo.
No caso de Darwin, testemunhamos o período em que o naturalista já havia concluído o texto básico do livro “A Origem as Espécies”, mas ainda não tinha decidido enviá-lo para publicação. Nessa fase, ele enfrentava a oposição das pessoas de seu próprio convívio, entre os quais se incluía a própria esposa, e a dor provocada pela morte da filha. Por outro lado, Chico Xavier era questionado em suas crenças e práticas religiosas, numa rede nacional de televisão que obteve 75% de audiência e foi a maior da história da TV brasileira. O trabalho de Daniel Filho, aliás, oferece um recorte histórico bastante esclarecedor, ao demonstrar que a força da televisão como formadora de opinião vai além dos programas de entretenimento. Produzido pela respeitável BBC britânica, o filme sobre Darwin, o mostra vendo e trocando idéias com a filha morta, sem esclarecer se ele estava alucinando ou se era um médium, assim como Chico Xavier.
CRIAÇÃO
Creation
estreia 19 03 2010
Inglaterra - 2009 – 108 min. - 10 anos
Gênero Drama / História / Ciência
Distribuição Imagem Filmes
Direção Jon Amiel
Com Jennifer Connelly, Jeremy Northam e Toby Jones
COTAÇÃO
* * *
B O M

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Novidades no "Cinema Falado": avaliação dos filmes analisados, com cotações em estrelas

Em contato direto com alguns leitores, conclui que neste blog, além das críticas dos filmes, faltava indicar ao leitor quais dentre os analisados são os espetáculos verdadeiramente indispensáveis, do ponto de vista estético. "Fita Branca" (foto acima), por exemplo, teria cinco estrelas, enquanto "A Ilha do Medo" (foto abaixo) ficaria com quatro. Quais os que mereceriam quatro ou cinco estrelas, se estivessem incluídos num dicionário, numa página de jornal ou de um guia, como o que eu editava para a Nova Cultural, nos anos 80? Naquela redação, eu contava com uma dezena de colaboradores e, por isso, as cotações em termos de “estrelas” precisavam obedecer a um critério relativamente objetivo, que pode ser resumido da seguinte maneira:
Qualquer filme pode ser arbitrariamente dividido em cinco aspectos constitutivos. O argumento é o nível de conteúdo do filme, pelo qual se avaliam suas idéias e significados: se é superficial, se é original, se reflete com honestidade um episódio histórico. Ao roteiro corresponde a estrutura do filme, revelando o ritmo das ações, a fluência da narrativa, seu grau de interesse, a criatividade das soluções e os diálogos. No elenco, se encontra o trabalho dos artistas. A interpretação de cada um e sua adequação aos papéis. A produção designa o nível físico do espetáculo: cenários, figurinos, fotografia, iluminação, trilha sonora, efeitos especiais e montagem. Já a direção significa a instância mais elevada de autoria do produto. O diretor é, em suma, o regente da orquestra, responsável pela afinação e harmonia de todos os anteriores que, juntos, determinam a qualidade do espetáculo.
As estrelas, enfim, apontam para uma qualidade marcante em cada um desses aspectos. Uma obra é excelente, quando agrada em todos os cinco. Pode ser considerada ótima, ao acertar em quatro, e boa, ao se destacar em três. Se mostra apenas duas áreas aceitáveis, pode ser vista como regular e, se só tiver uma estrela, é sem dúvida uma realização fraca. A identificação dessas qualidades, no entanto, depende do olhar pessoal de cada crítico: a sagrada cidadela da sua subjetividade de indivíduo. No século 19, Baudelaire já notava que “em sua linguagem o crítico investe toda a parcialidade de seu olhar – é ficando mais perto de sua paixão que ele consegue ser universal – pois essa paixão subjetiva tem o mesmo fundamento que a do artista e, potencialmente do público”. Por exemplo, "Coração Selvagem" (foto acima) levaria três estrelas: elenco, argumento e direção. Já "Um Sonho Possível" (foto abaixo), mereceria duas estrelas, pelo elenco e pela produção.

Fraco
*
Regular
**
Bom
***
Ótimo
****
Excelente
*****

sábado, 3 de abril de 2010

Mais uma história de vampiros, mas "Sede de Sangue” busca ser diferente das outras

"Sede de Sangue” é o mais recente trabalho do coreano Park Chan-Wook – o festejado autor de “Old Boy” , que faz parte da sua “trilogia da vingança”. Para boa parte do público e dos críticos, o diretor decepciona com esta história de vampiros que traz um padre católico como protagonista e cuja exuberância de recursos expressivos pode resultar em algo penoso para público ocidental. Pra começar, o humor um tanto pesado que cerca esta saga masoquista na qual o personagem se oferece para testar a vacina contra um novo vírus mortal e que, misteriosamente, não afeta pessoas de raça negra.
Ele morre, mas volta à vida como um vampiro que passa por experiências cruelmente cômicas e filmadas de modo criativo – ainda que nem tanto quanto se observa em seus trabalhos anteriores. Por exemplo, a passagem em câmara subjetiva em que acompanhamos a ampliação de seus sentidos e podemos ver até os ácaros que passeiam sobre a sua pele. As pessoas com as quais ele se relaciona se mostram especialmente grotescas, formando um universo quase expressionista que, curiosamente, se assemelha ao do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. A primeira cena de sexo do filme, aliás, traz uma percussão tipicamente afro-brasileira na trilha sonora.
A câmara se mostra ágil e irriquieta o tempo todo, geralmente evitando o zoom e os contraplanos. A trama caminha num percurso inesperado, ao mostrar o vampiro mais como vítima do que como predador dos seres humanos de seu convívio. Ao longo do filme, mesmo se tornando um monstro, essa figura central procura preservar o altruísmo cristão. Assim como o diretor, mesmo lidando com personagens tão sem consistência, luta para dar coerência à narrativa e prosseguir exibindo seus talentos de cineasta.
SEDE DE SANGUE
Bakjwi
estréia 02 04 2010
Coréia do Sul - 2009 – 133 min. - 16 anos
Gênero horror / comédia
Distribuição Paris Filmes
Direção Park Chan-Wook
Com Kang-ho Song, Mercedes Cabral, Ok-bin Kim

COTAÇÃO
* * *

“A Caixa” é um belo filme de suspense, só que feito propositalmente à moda antiga

Para apontar um defeito de “A Caixa” (The Box), um colega escreveu que ele não passa de um episódio estendido da clássica série “Além da Imaginação”. Essa afirmação é quase correta, porque de fato ele parte de um programa produzido em 1986. Mas para mim, funciona como uma abordagem positiva para este filme dirigido por Richard Kelly e que se situa muito além dos limites dos seriados de TV. Kelly deve ter considerado 60 minutos tempo curto demais para desenvolver tudo o que sugeria o conto original de Richard Matheson.
O tema ainda hoje é pouco explorado pelo cinema, na medida em que fala de um mundo praticamente já sob o controle de alienígenas, ainda que os personagens centrais não saibam disso. E, assim, se afasta da maioria dos roteiros do gênero, que costumam colocar o conflito antes ou durante a chegada dos extraterrestres. De “Vampiros de Almas” (The Invasion of the Body Snatchers – 1956) a “Guerra dos Mundos” (War of Worlds – 2005), em geral o herói luta para evitar a iminente ocupação da terra pelos invasores.
Numa linha diferente, porém, “A Caixa” é uma fábula moral construída com o cuidado de se colocar em seu contexto primordial que é a própria ficção científica, tal como se encontrava no momento em que foi imaginada por Richard Matheson, um dos mais importantes autores dessa modalidade literária. Ou seja, o ano de 1976, quando a NASA enviou a primeira sonda espacial para outro planeta, que no caso era Marte. Na verdade, a trama se inspira na passagem bíblica de Sodoma e Gomorra, em que os humanos são testados por forças superiores.
Como um requinte a mais, toda a ambientação, a montagem e a sonorização de “A Caixa” recuperam o estilo e o ritmo das obras de suspense daquela época, muito marcada por uma tradição hitchcockiana. Além de contar uma história, portanto, o diretor exercita e homenageia um modo atualmente old fashioned de fazer cinema, inclusive em termos de efeitos especiais. Em 2006, Richard Kelly foi indicado para a Palma de Ouro em Cannes, com o filme “Southland Tales - o fim do mundo”, que só foi lançado em DVD no Brasil. Com 35 anos de idade, o cineasta tem juventude e ousadia suficientes para reverenciar aquilo que muitos consideram hoje descartável. Vale até tentar rever o seu primeiro longa, o controvertido e cultuado “Donnie Darko” (2001), considerado pelos admiradores uma alucinante obra-prima da produção independente.
A Caixa
The Box
estreia 02 04 2010
gênero / ficção científica / história / fábula
Distribuição Imagem
Direção Richard Kelly
Com Frank Langella, Cameron Diaz, James Marsden