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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Vale a pena rever o documentário "A Identidade de Nós Mesmos" de Wim Wenders

Motivado pela presença de Wim Wenders em São Paulo, por meio de uma exposição de suas fotos (Lugares, Quietos e Estranhos) que ficará no MASP até 16 de janeiro de 2011, recomendo um documentário que pode ser visto em DVD. Trata-se de "A Identidade de Nós Mesmos" (A Notebook on Cities and Clothes), lançado no Brasil pela distribuidora Europa. É uma obra essencial para a história do cinema e particularmente para o gênero documentário, que pouca gente viu por aqui.
Em 1989, ano em que exerceu a presidência do Júri do Festival de Cannes, Wim Wenders recebeu do Centro Georges Pompidou a encomenda de um filme a ser elaborado no contexto da moda, até então completamente estranho ao cineasta. Em resultado, foi produzido o documentário de longa metragem sobre o estilista japonês Yohji Yamamoto, então radicado em Paris, realizado em tom de levantamento etnográfico. A indústria francesa se achava empenhada em valorizar determinados designers que produziam em Paris e promovê-los à condição de "autores", como os poetas, músicos ou cineastas.
Ao mesmo tempo, e provavelmente para simplificar a produção, Wenders começa neste filme a utilizar gravações em vídeo ao lado de filmagens em película e desenvolve uma reflexão crítica a esse respeito. No decorrer da captação das cenas, porém, ele modifica o seu ponto de vista negativo em relação às “imagens eletrônicas” − o que atribui ao documentário o valor de um relato que registra importantes transformações na história do cinema.
Ao longo dessa investigação cinematográfica, ele descobre que, de um modo único em seu meio, o designer Yammamoto fundamenta suas criações em referências históricas e passa a considerá-lo um “autor” de uma atividade tão artística quanto o cinema. Vemos abaixo uma fotografia do alemão August Sander que registrava pessoas comuns no começo do século XX e que serve de referência para a criação do estilista japonês.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Arnaldo Jabor regressa ao cinema em alto estilo, com "A Suprema Felicidade"

Após cerca de 20 anos de espera, “A Suprema Felicidade” marca o retorno de Arnaldo Jabor − o cineasta que nos deu alegrias como “Toda a Nudez Será castigada” (1973). A história do filme que estréia agora se inicia em 1945 e se encerra em 1961, abrangendo, portanto, o período entre o fim da 2ª Guerra e os últimos momentos do governo JK. Algumas pessoas já apontaram ligações entre este filme e o “Amarcord” (1973) de Fellini ou o “Baaría” (2009) de Tornatore. Nota-se um parentesco mais concreto, porém, com “Foi Apenas um Sonho” (2008), de Sam Mendes, que se aprofunda nas contradições daquele período.
Os personagens centrais formam uma família carioca de classe média, naquele período em que euforia libertária proporcionada pela derrota do nazi-fascismo era gradativamente sufocada pelo provincianismo do país – “sub-desenvolvido”, como então se dizia. O pai, um capitão da Força Aérea e a mãe uma moça cujos sonhos moldados pelo cinema americano são esmagados pela aridez de um casamento típico da época. Ou seja, ao marido provedor cabiam todos os direitos e à esposa, de prendas domésticas em tempo integral, todos os deveres. Mas o protagonista é o filho, que chega à adolescência em 1950.
O essencial do folclore juvenil da época está ali: as absurdas aulas de religião e seus padres caricatos, os livros de medicina usados como revistas pornográficas e a imaginação alimentada pelos programas de rádio. Como alternativa à mediocridade familiar, surge a figura do avô Noel, magnificamente trabalhada por Marco Nanini. De fato, esse tipo sugere alguém parecido com o próprio compositor (Noel Rosa), se ele não tivesse morrido em 1937.
O roteiro de “A Suprema Felicidade” não segue um encaminhamento linear e se compõe de quadros relativamente autônomos, em termos de estilo e narrativa. A aula de educação sexual do padre Ary Fontoura, por exemplo, não tem ligação dramática com as piadas eróticas do pipoqueiro João Miguel. Mas o contraste entre a comicidade dessas cenas ajuda a erguer um painel psicológico e cultural daquele tempo. Deste quadro fazem parte aspectos que o filme descreve quase sem diálogos. Como a melancolia despertada pelo pregão do homem que comprava jornais velhos; o nojo de beijar a mão do padre; a tristeza de ver o melhor amigo optando pela homossexualidade; o constrangimento diário de presenciar os pais eternamente brigando; o terror e o fascínio proporcionado pelo prostíbulo onde se fazia a iniciação sexual.
E aqui acontece uma curiosa coincidência entre a passagem em que os garotos fogem do bordel sem pagar e outra, de idêntico significado, no filme “As Melhores Coisas do Mundo” (2010) de Laís Bodanzky. Essa semelhança serve, porém, para enfatizar o fato de que Jabor não está aqui preocupado em reconstituir este retrato de época de um modo naturalista. Estes bocados de realidade, os olhares sobre aquele passado, que é dele e de toda uma geração de brasileiros, se articulam por meio do sentimento. Ou seja, desse caldo de lembranças emergem mais símbolos e imagens emocionais do que fatos históricos propriamente ditos. Assim, a moça virgem que se despe num cabaré exprime a fantasia romântica da flor que nasce no lodo − uma constante no imaginário dos sambas-canções e novelas de rádio.
Tanto o funcionário público que freqüenta rodas de choro para não enlouquecer quanto a beldade maluca que se esconde num casarão em ruínas representam fantasmas de um tempo que se recusa a passar na mente do poeta. Por isso, as imagens que o filme elabora com mais esmero são justamente as de caráter explicitamente musical e alegórico − como a dionisíaca irrupção do carnaval na monotonia de um bairro carioca; o tenebroso caldeirão de erotismo, loucura e violência na sequência do mangue; e o deslumbrante encerramento, com Marco Nanini dançando pra não cair morto: no papel de um Noel Rosa que insiste em não sair de cena, ele representa um país se equilibrando precariamente entre os enganos do passado e as ilusões do futuro. Só por essa cena, ator e diretor merecem aquele prêmio, secreto e intangível, da lágrima enxugada disfarçadamente no rosto do espectador, antes que se acendam as luzes do cinema
A SUPREMA FELICIDADE
Brasil - 2010 – 125 min. - 16 anos
estreia 29 10 2010
Gênero Drama / história / autobiografia
Distribuição Paramount
Direção Arnaldo Jabor
Com Jayme Matarazzo, Marco Nanini,
Elke Maravilha, Dan Stulbach,
João Miguel Ary Fontoura
COTAÇÃO
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ÓTIMO

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"O Solteirão", com Michael Douglas: um belo filme em que poucos repararam

Nesta maré enchente de ofertas da Mostra Internacional que está acontecendo em São Paulo, cabe prestar atenção em algumas pérolas da programação de rotina, como "O Solteirão", dirigido por Brian Koppelman e David Levien, uma parceria que mostrou bons trabalhos como “Os Filhos da Máfia” (2001). A indicação é principalmente para quem viu "Wall Street - o dinheiro nunca dorme", porque Michael Douglas aqui também é o protagonista. Aliás, com um personagem um tanto parecido com o daquele filme recente de Oliver Stone, só que muito mais profundo e humano, uma criação dramaticamente bem mais séria e elaborada: o mesmo empresário maquiavélico e agressivo, transbordando carisma, mas se engasgando com a própria vaidade. Em vez de financista de Wall Street, em "O Solteirão" ele é um bem sucedido vendedor de automóveis que se envolve em falcatruas e, quando elas se revelam, perde tudo e precisa começar do zero. Só que quanto mais se esforça, mais ele fracassa.
Parece até um personagem trágico, que não consegue deixar de fazer as mesmas besteiras, especialmente com as mulheres com as quais está sempre enredado. Em algumas situações, porém, essa figura chega a ser quase cômica, como um boneco de mola que volta sempre ao mesmo ponto, por mais que seja empurrado para um lado ou para o outro. Nos momentos finais deste bem enredado roteiro de Brian Koppelman, entretanto, há uma reviravolta que nos leva de volta ao drama. Ou seja, o personagem precisa tomar uma decisão que poderá lhe redimir ou conduzi-lo definitivamente à absoluta ruína. "O Solteirão" é um novo acerto dessa promissora dupla.
O SOLTEIRÃO
Solitary man
estreia 22 10 2010
EUA - 2009 – 90 min. 12 anos
Gênero drama / romance
Distribuição California filmes
Direção de Brian Koppelman e David Levien
Com Michael Douglas, Susan Sarandon,
Danny DeVito, Mary-Louise Parker
COTAÇÃO
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B O M

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“As Melhores coisas do Mundo", parece continuação de "Eu e o Meu Guarda-chuva"

Com "Eu e o meu Guarda Chuva" (foto acima) voltado para os pré-adolescentes ainda em cartaz, chega às locadoras o DVD “As Melhores coisas do Mundo”. Dirigido por Laís Bodanzky, este é um filme sobre e para adolescentes. O roteirista Luis Bolognesi baseia o roteiro em livro de Gilberto Dimenstein que parte de uma observação muito próxima dos estudantes paulistas. E assim elabora uma trama emocionante e bem humorada sobre as coisas de fato relacionadas com a juventude. Entre elas o chamado bullying – variadas agressões e humilhações que os estudantes infligem uns aos outros – um processo agora muitas vezes amplificado por meio do celular e da internet. Segundo uma pesquisa recente, 10% dos alunos sofre esse tipo de violência que, no filme, vemos se espalhar em todos os níveis da atividade escolar.

O protagonista é um garoto que se vê gravemente atingido pela separação dos pais, pela calúnia lançada contra o professor mais admirado da escola e por ter se apaixonado justamente por sua melhor amiga. Pra completar o quadro, há a tentativa de iniciação sexual num prostíbulo e a depressão sofrida pelo irmão mais velho. Veremos que, no mundo atual, um professor de violão pode desempenhar o papel que os gurus e eremitas cumpriam nas fábulas. E também percebemos que, para a adolescência, a participação política – mesmo não partidária e nem ideológica – é fundamental para a promoção de seu amadurecimento. Quando os personagens centrais se posicionam ao lado do professor injustiçado, eles começam a ver as coisas mais claramente e a ter condições de comandar seus próprios destinos.

AS MELHORES COISAS DO MUNDO
estreia 16 04 2010
DVD lançado em outubro de 2010
Brasil - 2010 – 107 min. - 14 anos
Gênero Drama / social
Distribuição Warner Bros.
Direção Laís Bodanzky
Com Denise Fraga, Paulo Vilhena,
Caio Blat, Francisco Miguez
COTAÇÃO
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ÓTIMO

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Lançado em DVD "Alice" de Tim Burton é tema de palestra na Livraria Cultura.

"Alice no País das Maravilhas" acaba de ser lançado em DVD, com ótimos documentários exolicando como foi feito. Por coincidência eu e a Jô Souza vamos dar uma palestra sobre o filme no dia 18, às 16 horas, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Todos vocês estão convidados. Para refrescar a memória, publico o encerramento do artigo que postei no dia 24/04/2010.
Tim Burton e a roteirista Linda Woolverton desenvolveram duas histórias para o filme, uma recheando a outra, como num sanduiche narrativo. Desta forma: no primeiro ato, vemos a história real de uma menina rica que vai ser pedida em casamento por um aristocrata; no segundo, ela cai num buraco e vive (ou sonha de novo com) tudo aquilo com que sempre sonhou; o terceiro ato conclui a história esboçada no primeiro, ou seja, ela volta para a realidade, recusa o pedido e tem um insight que a leva a embarcar em viajem mercantil para a China. Tim Burton e os executivos da Disney podem ter decidido essa linha para poder trabalhar com dois níveis de dramaturgia, fazendo com que o plano do discurso realista enfatize e valorize a narrativa fantástica transcorrida no País das Maravilhas. Foi, aliás, o mesmo estratagema de Guillermo Del Toro em “O Labirinto do Fauno” (El Laberinto del Fauno, 2006).
Mas os enigmas permanecem. Por exemplo, por que a Rainha Branca prepara feitiços num laboratório, como uma bruxa? O que significa esse o Chapeleiro Louco, sempre com um dedal de costura no dedo? Na passagem em que ele participa mais ativamente da trama, está criando e costurando chapéus para a Rainha Vermelha que irá experimentá-los um a um. Naquela parte do século XIX, ainda não existia a indústria de confecção e as roupas ainda não apresentavam marcas.
E esse personagem talvez possa ser visto como o protótipo de um estilista de moda, um designer excêntrico sempre em conflito com a padronização. Talvez o símbolo da manufatura de roupas e tecidos que se tornaria o carro chefe da industrialização inglesa e o núcleo de seu comércio exterior. Quem sabe a figura central de uma alegoria surreal e onírica sobre o colonialismo britânico, em busca das maravilhas da China. Em suma, essa estrutura de roteiro é um enigma que Tim Burton submete ao público, equivalentes aos que o próprio Lewis Carrol inventava e com os quais os personagens do livro desafiavam uns aos outros.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Com "Tropa de Elite 2", José Padilha consegue um resultado superior ao primeiro

O ritmo e o poder de envolvimento da narrativa de “Tropa de Elite 2” se acham à altura dos grandes filmes internacionais de suspense. Fotografia, direção de arte e montagem impressionam pela fluência, numa história que evolui nervosa como um documentário contemporâneo, mas que não dispensa virtuosismos de linguagem e nem passagens de intensa dramaticidade: em sua primeira exibição pública para uma plateia de 1.300 pessoas, por três vezes, o filme foi aplaudido em cena aberta. Um dia antes de seu lançamento no cinemas, já é quase consenso de que a continuação supera o primeiro “Tropa de Elite” porque, além de investir na continuidade, os roteiristas atualizaram o discurso, estabelecendo conexões mais profundas com a realidade atual.
Começa com um motim no presídio do Bangu no Rio de Janeiro. Os presos fazem reféns e o BOPE é chamado para intervir, com o coronel Nascimento (Wagner Moura) no comando da operação. Ele se posiciona numa sala em que todas as câmeras de vigilância do presídio são monitoradas e, de lá, comunica-se por rádio com o encarregado do ataque, que é seu pupilo, o capitão Matias (André Ramiro), enquanto vai pedindo ao operador de vídeo as precárias movimentações de ângulo e enquadramento que as tais câmeras podem realizar. Nessa posição que, aliás, foi escolhida para ilustrar a capa do livro e o pôster, é como se ele estivesse dirigindo um filme dentro do filme, manipulando atores e equipamento de som e imagem.
O clima remete de imediato ao curioso thriller espanhol “Cela 211” (Daniel Monzón, 2009), que foi lançado no Brasil apenas em DVD. Na linha de frente, os soldados já têm os amotinados sob a mira dos fuzis quando, por telefone, o Secretário de Segurança Pública ordena ao coronel: “Não quero outro Carandiru!”. É claro que ele se refere à carnificina ocorrida no presídio paulista em 1992, durante uma rebelião. Numa outra leitura, entretanto, poderíamos ouvir aí a voz dos produtores advertindo o diretor José Padilha quanto à necessidade de se diferenciar claramente da premiada obra “Carandiru”, lançada em 2003. Segundo Eduardo Escorel (Revista Piauí #27, 2009), apesar da sua indiscutível qualidade cinematográfica, aquele filme de Hector Babenco se encerrava com um plano documental registrando a implosão do presídio e que, assim tão concretamente conclusivo, eliminaria a ambiguidade do espetáculo. Ou seja, procurava “causar impacto cuidando, ao mesmo tempo, de apaziguar o espectador”.
É exatamente isso que “Tropa de Elite 2” busca evitar o tempo todo. Se o primeiro da série chegou a ser tachado de desenhar uma apologia da violência policial, a proposta agora é apontar todos os integrantes de uma corrente perversa aqui chamada de “o sistema”. Ainda que a cúpula desse organismo seja formada pelos líderes da corrupção – tais como determinados policiais e políticos – todos nós fazemos parte dele. Isto é, traficantes e demais bandidos justificam a existência dos milicianos mantidos pela população, que julgam ser por eles protegidos. Estes se organizam numa espécie de máfia que oferece sustentação e se apoia em autoridades públicas eleitas pelo povo. Quando não são cúmplices, por consumirem os produtos do tráfico, os cidadãos pecam por omissão ou incompetência. Assim, voltando ao motim que abre filme, quando o subalterno do Coronel Nascimento faz exatamente aquilo para o que fora treinado e mata diante das câmaras de TV o bandido que apontava uma arma para um refém, verifica-se uma primeira fratura no andamento da narrativa.
A propósito, há um incidente dessa mesma natureza no encerramento do memorável documentário “Ônibus 174” (2002), com o qual José Padilha dava início à carreira de cineasta. Aqui, porém, essa cena funciona como gatilho da história. Nascimento é afastado do comando do batalhão e assume a Subsecretaria de Inteligência do Estado do Rio de Janeiro, de onde passa a observar melhor e a interagir com o crime organizado. Por causa dele, o BOPE é militarmente fortalecido, a ponto de diminuir a força dos traficantes. Em consequência, os rendimentos destes e dos policiais por eles subornados diminuem sensivelmente. Como resultado, essa banda podre da polícia passa a ser o fundamento das milícias, ainda mais nocivas e violentas. Ao se associar com políticos e até com figuras da mídia, elas criam uma organização mais letal que aquela máfia mostrada nos filmes americanos.
Por meio de um travelling aéreo da Esplanada dos Ministérios à Praça dos Três Poderes, Padilha generaliza a abrangência do conceito de “sistema”. E sublinha o enunciado com falas do personagem central, como “no Brasil, eleição é negócio”, ou “os políticos não dependem do sistema para ganhar dinheiro, mas para se eleger”. É inegável a sintonia entre essas imagens e o noticiário político atual, cada vez mais abundante em ternos de escândalos e falcatruas. Contido e amargurado, mas a ponto de desabar a qualquer momento Wagner Moura carrega no rosto todas as contradições deste personagem quase trágico, que parece se debater com forças cada vez mais incontornáveis: “tudo o que tentei construir resultou no oposto do que eu planejava”.
Se “Tropa de Elite 2” fosse apenas isso, poderia até ser acusado de didático ou panfletário, mas tudo o que explica e denuncia se mostra integrado ao drama pessoal do Coronel Nascimento. O refém da primeira sequência (Irandhir Santos) é um militante em prol dos Direitos Humanos que, por coincidência, se casara com a sua ex-mulher. Portanto, o filho desse casal separado cruza a adolescência dividido entre dois modelos antagônicos de figura paterna. Essa estratégia narrativa perigosamente limítrofe ao melodrama pode não ser rigorosamente verossimilhante, mas tem a vantagem de aguçar os conflitos, fazendo-os convergir de maneira explosiva numa elipse de tempo que focaliza a situação alguns anos mais tarde: o filho já o despreza explicitamente, o padrasto se elege deputado e procura a imprensa para desmascarar o “sistema”. Só que este se acha plenamente consolidado − a ponto de usar o próprio BOPE como instrumento em seus projetos de poder e ampliação. Esses são os dados que Padilha e seus personagens lançam à mesa para provocar as incômodas emoções de um encerramento que nada tem de apaziguador para as nossas consciências.
TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO
Direção: José Padilha
Brasil - 2010 – 118 min. - 16 anos
estreia 08 10 2010
Gênero Policial / Política
Distribuição Zazen Produções
Com Wagner Moura, André Ramiro,
Irandhir Santos, Maria Ribeiro, Milhen Cortaz
COTAÇÃO
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Ó T I M O

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Com Eva Wilma, "A Guerra dos Vizinhos" lembra as comédias brasileiras dos anos 50.

Pode ser considerado um espetáculo infantil, porque é narrado do ponto de vista de um menino de oito anos: o confronto entre uma família de classe média e três insuportáveis irmãs solteironas e idosas que vivem na casa ao lado. No relacionamento entre os dois grupos, tudo ia de mal a pior, principalmente depois que o pai da família (Tony Correia) transforma a casa numa oficina mecânica e a mãe (Ângela Dip) rouba uma receita de doce das vizinhas para montar uma fábrica de compotas. Impossível não comparar essa história com a trama de “Os Inquilinos” (2009) que tinha como subtítulo “Os incomodados que se mudem”. Aquele trabalho de Sergio Bianchi tinha como pano de fundo o crime organizado na periferia urbana de São Paulo.
Mas, neste filme de estréia de Rubens Xavier, muito mais leve e descompromissado, temos o clima interiorano de um bairro visivelmente ambientado em São Paulo, mas que evoca uma bucólica cidadezinha mineira, até pelo sotaque das pessoas. No entanto há certa ambigüidade na construção das personagens porque, apesar de irritantes e antipáticas as velhinhas é que levam a pior no conflito. Além de lesadas em sua autoria culinária e serem obrigadas a agüentar a barulheira de uma oficina mecânica, elas são condenadas judicialmente a usar máscaras cirúrgicas que as obrigam a ficar de boca fechada. Estrelado por boas atrizes como Eva Wilma, Vera Mancini e Karin Rodrigues, em sua singeleza o filme lembra as comédias familiares dos anos 50, que veiculavam a comicidade de Dercy Gonçalves, Zé Trindade e outros comediantes tão brasileiros quanto o feijão com arroz.
A GUERRA DOS VIZINHOS
Brasil - 2009 – 84 min. – 14 anos
estreia 24 09 2010
Gênero: Comédia
Distribuição Polifilmes / Raiz
Direção Rubens Xavier
Com Eva Wilma, Karin Rodrigues,
Vera Mancini e Tony Correia
COTAÇÃO
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BOM

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

“O Sol do Meio Dia” de Eliane Caffé: excelentes intérpretes e personagens fortes

Um texto enxuto, no sentido em que não carrega uma só vírgula desnecessária. Nenhum ornamento nem hesitação na corrente dramática. A história de “O Sol do Meio Dia” é pequena, mas dotada de múltiplos sentidos: dois homens à deriva na Amazônia, vagamente em busca de uma cidade populosa o suficiente para se perderem, de si mesmos e dos fantasmas vivos e mortos que os perseguem. O personagem de Chico Dias se esquiva de uma perigosa dívida, enquanto o de Luiz Carlos Vasconcelos foge de um crime que cometera antes do filme começar, com ele saindo da cadeia. De repente aparece uma mulher (Claudia Assunção) que os descobre e com quem eles se engancham sem querer. Entre eles começa uma disputa pela preferência dessa figura suave e enigmática e que, de certa maneira, reflete a competição à qual ambos os intérpretes se entregam para conquistar as atenções do público.
O papel de Chico é fascinante por ser mostrar agudamente contraditório: um canalha simpático, extrovertido e sorrateiro, ao mesmo tempo ousado e covarde, sem nenhum vestígio de caráter ou perspectiva de vida. Já o de Luis Carlos desperta curiosidade pelo mistério que o acompanha, ao usar a eloqüência do silêncio como escudo e distintivo. Seu companheiro casual nessa jornada rumo a Belém do Pará até se exaspera com o peso dessa introversão. A fugaz doçura de seus gestos e eventuais sorrisos contrasta com o horror que nutre de si mesmo e que inviabiliza a manutenção da dupla ao longo do trajeto. Como vemos, a diretora paulistana Eliane Caffé (“Kenoma”, 1998, e “Narradores de Javé”, 2003) trabalha com uma matéria prima dramática que provavelmente seria mais fácil de se aprofundar na unidade cênica de um palco de teatral. Mas, neste tórrido cenário amazônico e fluvial, ela enfrenta o fluxo do deslocamento no espaço e, assim, atribui uma dimensão a mais a esse drama que beira a tragédia, mas que se resolve de modo inesperadamente luminoso − como se as furiosas correntezas emocionais da trama desaguassem na calmaria de um lago. Incapaz de optar por um ou outro, o júri do Festival do Rio do ano passado entregou a Chico Diaz e a Luiz Carlos Vasconcelos o prêmio de melhor ator. Já na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2009, “O Sol do Meio Dia” foi premiado pela crítica, como melhor filme brasileiro. Trata-se, de fato, de uma obra merecedora de todos os louvores.
O SOL DO MEIO
Brasil - 2009 – 106 min. 16 anos
Gênero Drama
estreia 01 10 2010
Distribuição Pandora
Direção Eliane Caffé
Com Luiz Carlos Vasconcelos, Chico Diaz,
Cláudia, Assunção e Ary Fontoura
COTAÇÃO
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Ó T I M O