sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Vale a pena rever o documentário "A Identidade de Nós Mesmos" de Wim Wenders
Em 1989, ano em que exerceu a presidência do Júri do Festival de Cannes, Wim Wenders recebeu do Centro Georges Pompidou a encomenda de um filme a ser elaborado no contexto da moda, até então completamente estranho ao cineasta. Em resultado, foi produzido o documentário de longa metragem sobre o estilista japonês Yohji Yamamoto, então radicado em Paris, realizado em tom de levantamento etnográfico. A indústria francesa se achava empenhada em valorizar determinados designers que produziam em Paris e promovê-los à condição de "autores", como os poetas, músicos ou cineastas.
Ao mesmo tempo, e provavelmente para simplificar a produção, Wenders começa neste filme a utilizar gravações em vídeo ao lado de filmagens em película e desenvolve uma reflexão crítica a esse respeito. No decorrer da captação das cenas, porém, ele modifica o seu ponto de vista negativo em relação às “imagens eletrônicas” − o que atribui ao documentário o valor de um relato que registra importantes transformações na história do cinema.
Ao longo dessa investigação cinematográfica, ele descobre que, de um modo único em seu meio, o designer Yammamoto fundamenta suas criações em referências históricas e passa a considerá-lo um “autor” de uma atividade tão artística quanto o cinema. Vemos abaixo uma fotografia do alemão August Sander que registrava pessoas comuns no começo do século XX e que serve de referência para a criação do estilista japonês.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Arnaldo Jabor regressa ao cinema em alto estilo, com "A Suprema Felicidade"
Os personagens centrais formam uma família carioca de classe média, naquele período em que euforia libertária proporcionada pela derrota do nazi-fascismo era gradativamente sufocada pelo provincianismo do país – “sub-desenvolvido”, como então se dizia. O pai, um capitão da Força Aérea e a mãe uma moça cujos sonhos moldados pelo cinema americano são esmagados pela aridez de um casamento típico da época. Ou seja, ao marido provedor cabiam todos os direitos e à esposa, de prendas domésticas em tempo integral, todos os deveres. Mas o protagonista é o filho, que chega à adolescência em 1950.
O essencial do folclore juvenil da época está ali: as absurdas aulas de religião e seus padres caricatos, os livros de medicina usados como revistas pornográficas e a imaginação alimentada pelos programas de rádio. Como alternativa à mediocridade familiar, surge a figura do avô Noel, magnificamente trabalhada por Marco Nanini. De fato, esse tipo sugere alguém parecido com o próprio compositor (Noel Rosa), se ele não tivesse morrido em 1937.
O roteiro de “A Suprema Felicidade” não segue um encaminhamento linear e se compõe de quadros relativamente autônomos, em termos de estilo e narrativa. A aula de educação sexual do padre Ary Fontoura, por exemplo, não tem ligação dramática com as piadas eróticas do pipoqueiro João Miguel. Mas o contraste entre a comicidade dessas cenas ajuda a erguer um painel psicológico e cultural daquele tempo. Deste quadro fazem parte aspectos que o filme descreve quase sem diálogos. Como a melancolia despertada pelo pregão do homem que comprava jornais velhos; o nojo de beijar a mão do padre; a tristeza de ver o melhor amigo optando pela homossexualidade; o constrangimento diário de presenciar os pais eternamente brigando; o terror e o fascínio proporcionado pelo prostíbulo onde se fazia a iniciação sexual.
E aqui acontece uma curiosa coincidência entre a passagem em que os garotos fogem do bordel sem pagar e outra, de idêntico significado, no filme “As Melhores Coisas do Mundo” (2010) de Laís Bodanzky. Essa semelhança serve, porém, para enfatizar o fato de que Jabor não está aqui preocupado em reconstituir este retrato de época de um modo naturalista. Estes bocados de realidade, os olhares sobre aquele passado, que é dele e de toda uma geração de brasileiros, se articulam por meio do sentimento. Ou seja, desse caldo de lembranças emergem mais símbolos e imagens emocionais do que fatos históricos propriamente ditos. Assim, a moça virgem que se despe num cabaré exprime a fantasia romântica da flor que nasce no lodo − uma constante no imaginário dos sambas-canções e novelas de rádio.
Tanto o funcionário público que freqüenta rodas de choro para não enlouquecer quanto a beldade maluca que se esconde num casarão em ruínas representam fantasmas de um tempo que se recusa a passar na mente do poeta. Por isso, as imagens que o filme elabora com mais esmero são justamente as de caráter explicitamente musical e alegórico − como a dionisíaca irrupção do carnaval na monotonia de um bairro carioca; o tenebroso caldeirão de erotismo, loucura e violência na sequência do mangue; e o deslumbrante encerramento, com Marco Nanini dançando pra não cair morto: no papel de um Noel Rosa que insiste em não sair de cena, ele representa um país se equilibrando precariamente entre os enganos do passado e as ilusões do futuro. Só por essa cena, ator e diretor merecem aquele prêmio, secreto e intangível, da lágrima enxugada disfarçadamente no rosto do espectador, antes que se acendam as luzes do cinema
Brasil - 2010 – 125 min. - 16 anos
estreia 29 10 2010
Gênero Drama / história / autobiografia
Distribuição Paramount
Direção Arnaldo Jabor
Com Jayme Matarazzo, Marco Nanini,
Elke Maravilha, Dan Stulbach,
João Miguel Ary Fontoura
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ÓTIMO
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
"O Solteirão", com Michael Douglas: um belo filme em que poucos repararam
Parece até um personagem trágico, que não consegue deixar de fazer as mesmas besteiras, especialmente com as mulheres com as quais está sempre enredado. Em algumas situações, porém, essa figura chega a ser quase cômica, como um boneco de mola que volta sempre ao mesmo ponto, por mais que seja empurrado para um lado ou para o outro. Nos momentos finais deste bem enredado roteiro de Brian Koppelman, entretanto, há uma reviravolta que nos leva de volta ao drama. Ou seja, o personagem precisa tomar uma decisão que poderá lhe redimir ou conduzi-lo definitivamente à absoluta ruína. "O Solteirão" é um novo acerto dessa promissora dupla.
Solitary man
estreia 22 10 2010
EUA - 2009 – 90 min. 12 anos
Gênero drama / romance
Distribuição California filmes
Direção de Brian Koppelman e David Levien
Com Michael Douglas, Susan Sarandon,
Danny DeVito, Mary-Louise Parker
COTAÇÃO
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B O M
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
“As Melhores coisas do Mundo", parece continuação de "Eu e o Meu Guarda-chuva"
O protagonista é um garoto que se vê gravemente atingido pela separação dos pais, pela calúnia lançada contra o professor mais admirado da escola e por ter se apaixonado justamente por sua melhor amiga. Pra completar o quadro, há a tentativa de iniciação sexual num prostíbulo e a depressão sofrida pelo irmão mais velho. Veremos que, no mundo atual, um professor de violão pode desempenhar o papel que os gurus e eremitas cumpriam nas fábulas. E também percebemos que, para a adolescência, a participação política – mesmo não partidária e nem ideológica – é fundamental para a promoção de seu amadurecimento. Quando os personagens centrais se posicionam ao lado do professor injustiçado, eles começam a ver as coisas mais claramente e a ter condições de comandar seus próprios destinos.
AS MELHORES COISAS DO MUNDO
estreia 16 04 2010
DVD lançado em outubro de 2010
Brasil - 2010 – 107 min. - 14 anos
Gênero Drama / social
Distribuição Warner Bros.
Direção Laís Bodanzky
Com Denise Fraga, Paulo Vilhena,
Caio Blat, Francisco Miguez
COTAÇÃO
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ÓTIMO
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Lançado em DVD "Alice" de Tim Burton é tema de palestra na Livraria Cultura.
Mas os enigmas permanecem. Por exemplo, por que a Rainha Branca prepara feitiços num laboratório, como uma bruxa? O que significa esse o Chapeleiro Louco, sempre com um dedal de costura no dedo? Na passagem em que ele participa mais ativamente da trama, está criando e costurando chapéus para a Rainha Vermelha que irá experimentá-los um a um. Naquela parte do século XIX, ainda não existia a indústria de confecção e as roupas ainda não apresentavam marcas. E esse personagem talvez possa ser visto como o protótipo de um estilista de moda, um designer excêntrico sempre em conflito com a padronização. Talvez o símbolo da manufatura de roupas e tecidos que se tornaria o carro chefe da industrialização inglesa e o núcleo de seu comércio exterior. Quem sabe a figura central de uma alegoria surreal e onírica sobre o colonialismo britânico, em busca das maravilhas da China. Em suma, essa estrutura de roteiro é um enigma que Tim Burton submete ao público, equivalentes aos que o próprio Lewis Carrol inventava e com os quais os personagens do livro desafiavam uns aos outros.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Com "Tropa de Elite 2", José Padilha consegue um resultado superior ao primeiro
Começa com um motim no presídio do Bangu no Rio de Janeiro. Os presos fazem reféns e o BOPE é chamado para intervir, com o coronel Nascimento (Wagner Moura) no comando da operação. Ele se posiciona numa sala em que todas as câmeras de vigilância do presídio são monitoradas e, de lá, comunica-se por rádio com o encarregado do ataque, que é seu pupilo, o capitão Matias (André Ramiro), enquanto vai pedindo ao operador de vídeo as precárias movimentações de ângulo e enquadramento que as tais câmeras podem realizar. Nessa posição que, aliás, foi escolhida para ilustrar a capa do livro e o pôster, é como se ele estivesse dirigindo um filme dentro do filme, manipulando atores e equipamento de som e imagem.
O clima remete de imediato ao curioso thriller espanhol “Cela 211” (Daniel Monzón, 2009), que foi lançado no Brasil apenas em DVD. Na linha de frente, os soldados já têm os amotinados sob a mira dos fuzis quando, por telefone, o Secretário de Segurança Pública ordena ao coronel: “Não quero outro Carandiru!”. É claro que ele se refere à carnificina ocorrida no presídio paulista em 1992, durante uma rebelião. Numa outra leitura, entretanto, poderíamos ouvir aí a voz dos produtores advertindo o diretor José Padilha quanto à necessidade de se diferenciar claramente da premiada obra “Carandiru”, lançada em 2003. Segundo Eduardo Escorel (Revista Piauí #27, 2009), apesar da sua indiscutível qualidade cinematográfica, aquele filme de Hector Babenco se encerrava com um plano documental registrando a implosão do presídio e que, assim tão concretamente conclusivo, eliminaria a ambiguidade do espetáculo. Ou seja, procurava “causar impacto cuidando, ao mesmo tempo, de apaziguar o espectador”.
É exatamente isso que “Tropa de Elite 2” busca evitar o tempo todo. Se o primeiro da série chegou a ser tachado de desenhar uma apologia da violência policial, a proposta agora é apontar todos os integrantes de uma corrente perversa aqui chamada de “o sistema”. Ainda que a cúpula desse organismo seja formada pelos líderes da corrupção – tais como determinados policiais e políticos – todos nós fazemos parte dele. Isto é, traficantes e demais bandidos justificam a existência dos milicianos mantidos pela população, que julgam ser por eles protegidos. Estes se organizam numa espécie de máfia que oferece sustentação e se apoia em autoridades públicas eleitas pelo povo. Quando não são cúmplices, por consumirem os produtos do tráfico, os cidadãos pecam por omissão ou incompetência. Assim, voltando ao motim que abre filme, quando o subalterno do Coronel Nascimento faz exatamente aquilo para o que fora treinado e mata diante das câmaras de TV o bandido que apontava uma arma para um refém, verifica-se uma primeira fratura no andamento da narrativa.
A propósito, há um incidente dessa mesma natureza no encerramento do memorável documentário “Ônibus 174” (2002), com o qual José Padilha dava início à carreira de cineasta. Aqui, porém, essa cena funciona como gatilho da história. Nascimento é afastado do comando do batalhão e assume a Subsecretaria de Inteligência do Estado do Rio de Janeiro, de onde passa a observar melhor e a interagir com o crime organizado. Por causa dele, o BOPE é militarmente fortalecido, a ponto de diminuir a força dos traficantes. Em consequência, os rendimentos destes e dos policiais por eles subornados diminuem sensivelmente. Como resultado, essa banda podre da polícia passa a ser o fundamento das milícias, ainda mais nocivas e violentas. Ao se associar com políticos e até com figuras da mídia, elas criam uma organização mais letal que aquela máfia mostrada nos filmes americanos.
Por meio de um travelling aéreo da Esplanada dos Ministérios à Praça dos Três Poderes, Padilha generaliza a abrangência do conceito de “sistema”. E sublinha o enunciado com falas do personagem central, como “no Brasil, eleição é negócio”, ou “os políticos não dependem do sistema para ganhar dinheiro, mas para se eleger”. É inegável a sintonia entre essas imagens e o noticiário político atual, cada vez mais abundante em ternos de escândalos e falcatruas. Contido e amargurado, mas a ponto de desabar a qualquer momento Wagner Moura carrega no rosto todas as contradições deste personagem quase trágico, que parece se debater com forças cada vez mais incontornáveis: “tudo o que tentei construir resultou no oposto do que eu planejava”.
Se “Tropa de Elite 2” fosse apenas isso, poderia até ser acusado de didático ou panfletário, mas tudo o que explica e denuncia se mostra integrado ao drama pessoal do Coronel Nascimento. O refém da primeira sequência (Irandhir Santos) é um militante em prol dos Direitos Humanos que, por coincidência, se casara com a sua ex-mulher. Portanto, o filho desse casal separado cruza a adolescência dividido entre dois modelos antagônicos de figura paterna. Essa estratégia narrativa perigosamente limítrofe ao melodrama pode não ser rigorosamente verossimilhante, mas tem a vantagem de aguçar os conflitos, fazendo-os convergir de maneira explosiva numa elipse de tempo que focaliza a situação alguns anos mais tarde: o filho já o despreza explicitamente, o padrasto se elege deputado e procura a imprensa para desmascarar o “sistema”. Só que este se acha plenamente consolidado − a ponto de usar o próprio BOPE como instrumento em seus projetos de poder e ampliação. Esses são os dados que Padilha e seus personagens lançam à mesa para provocar as incômodas emoções de um encerramento que nada tem de apaziguador para as nossas consciências.
Direção: José Padilha
Brasil - 2010 – 118 min. - 16 anos
estreia 08 10 2010
Gênero Policial / Política
Distribuição Zazen Produções
Com Wagner Moura, André Ramiro,
Irandhir Santos, Maria Ribeiro, Milhen Cortaz
COTAÇÃO
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Ó T I M O
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Com Eva Wilma, "A Guerra dos Vizinhos" lembra as comédias brasileiras dos anos 50.
Mas, neste filme de estréia de Rubens Xavier, muito mais leve e descompromissado, temos o clima interiorano de um bairro visivelmente ambientado em São Paulo, mas que evoca uma bucólica cidadezinha mineira, até pelo sotaque das pessoas. No entanto há certa ambigüidade na construção das personagens porque, apesar de irritantes e antipáticas as velhinhas é que levam a pior no conflito. Além de lesadas em sua autoria culinária e serem obrigadas a agüentar a barulheira de uma oficina mecânica, elas são condenadas judicialmente a usar máscaras cirúrgicas que as obrigam a ficar de boca fechada. Estrelado por boas atrizes como Eva Wilma, Vera Mancini e Karin Rodrigues, em sua singeleza o filme lembra as comédias familiares dos anos 50, que veiculavam a comicidade de Dercy Gonçalves, Zé Trindade e outros comediantes tão brasileiros quanto o feijão com arroz.
Brasil - 2009 – 84 min. – 14 anos
estreia 24 09 2010
Gênero: Comédia
Distribuição Polifilmes / Raiz
Direção Rubens Xavier
Com Eva Wilma, Karin Rodrigues,
Vera Mancini e Tony Correia
COTAÇÃO
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BOM
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
“O Sol do Meio Dia” de Eliane Caffé: excelentes intérpretes e personagens fortes
Brasil - 2009 – 106 min. 16 anos
Gênero Drama
estreia 01 10 2010
Distribuição Pandora
Direção Eliane Caffé
Com Luiz Carlos Vasconcelos, Chico Diaz,
Cláudia, Assunção e Ary Fontoura
COTAÇÃO
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Ó T I M O