O título original do filme é “The Girlfriend Experience” e corresponde a uma expressão usual nos anúncios americanos para acompanhantes que tem um sentido bem preciso: uma moça se oferece para “namorar” o interessado. O sexo se acha implícito no serviço a ser prestado, mas o essencial é a companhia, o bate papo íntimo e, talvez, uma dose de romantismo e cumplicidade. É como diz o crítico Roger Ebert, o “sucedâneo de uma ligação amorosa” e que, eventualmente, pode até apresentar efeitos terapêuticos. No limite, a profissional está vendendo o simulacro de uma relação humana autêntica e espontânea.
Para discutir esse assunto num contexto (a crise econômica de 2008 e a campanha presidencial) em que tudo se acha à venda, Steven Soderbergh (
acima)adota a aparência de documentário, recorrendo a alguns maneirismos do gênero: iluminação natural, câmeras com baixa definição, imagens desfocadas e música incidental funcionando como trilha sonora. Quando não são enquadrados aos pedaços, como se fossem flagrados por uma filmadora indiscreta, os atores se colocam na postura hierática de entrevistados num programa de TV.
Acima de tudo são rostos desconhecidos: não atores, ou profissionais que até hoje só apareceram em papéis secundários ou figurações. Menos a protagonista, que é interpretada por uma atriz veterana de 21 anos. Apesar da carinha de anjo, de 2006 até agora Sasha Grey já atuou em 160 filmes pornográficos e é conhecida naquele meio como especialista em perversões e extremamente ousada. Inclusive do ponto de vista comercial, porque mantém um site de negócios e dirige uma agência de “modelos”. Para a revista Rolling Stones, ela pode ser considerada “the dirtiest girl in the world”. (
acima e abaixo, imagens de reportagem na revista)
Provavelmente do traquejo nos sets de filmes pornô, ela mostra um olhar de quem jamais leva nada a sério e que sugere um excesso de autoconfiança. Mas não há sexo explícito no filme e sua escolha para a personagem talvez tenha sido para explorar o contraditório: diante de uma jovem, bonita, particularmente despudorada e conhecedora de todos os truques eróticos (como o atesta o personagem do companheiro) seus clientes se mostram mais interessados em namorar. Dão conselhos sobre marketing e investimentos, querem que ela lhes conte detalhes sobre a vida particular, se queixam da família e, sobretudo, pedem colo e atenção. Com tanta voracidade e insistência, que ela chega a se contaminar em contato com tamanha carência afetiva. Porque, afinal, ela não é psicanalista, mas uma garota de programa que cobra 2 mil dólares por noite. Talvez por isso, nem pense que, se alguém quisesse um experimentar relacionamento verdadeiro, não pagaria tanto por um sucedâneo, como ela oferece.
E talvez nesse ponto se encontre a o maior interesse desse trabalho de Soderbergh, um novo exercício de refinada ironia, que faz ponte com os demais experimentos de “Full Frontal” (2003), “Bubble” (2005) e até com “O Segredo de Berlim” (2006). Filmes em que ele parece fazer de tudo para aparentar despojamento, apenas para afirmar a inevitável opacidade do cinema – um meio em que a paródia é por vezes mais forte que a própria criação. Aqui, o alvo do escárnio é norte americano atingido em sua auto-estima pela crise e, por meio dela, percebendo que assim, como as ações da bolsa, ele próprio não valia tanto quanto se pensava. A mídia também é atingida por meio do personagem do “erotic conaisseur”, um comentarista de garotas de programa, interpretado por Glenn Kenny, um conhecido crítico de cinema. Na foto abaixo, que não faz parte do filme, ele exibe o cotonete que marca o papel por ele desempenhado na trama.
Confissões de um Garota de Programa
The Girlfriend Experience
EUA, 2009,
distribuição Paris Filmes
estréia 14 agosto de 2009
Direção Steven Soderbergh
com Sacha Grey, Chris Santos, Glenn Kenny
2 comentários:
Caro Luciano,
O meu último post também discorre sobre "Confissões de uma Garota de Programa". Nossas opiniões são um tanto divergentes, mas apecio um texto coerente na análise que propõe. Seria um prazer ter um retorno seu e prolongar a discussão sobre Soderbergh. Abraços
Bruno
Oi Bruno,
Você tem toda razão em seu comentário sobre a "blindagem" emocional do filme. Saí da sessão irritado com a frieza do conjunto, contrastando com a intenção de uma naturalidade próxima ao documentário. Mas depois me rendi à argumentação que me mostrou um mundo desesperado, em que as pessoas (não muito família) vendem tudo. Até o que não podem entregar. Parabéns também pelo teu blog.
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