No cinema, como na vida, os conceitos e as preferências mudam sem cessar. Por exemplo, em 1968, quando François Truffaut lançou “A Noiva estava de Preto” a reação contrária da crítica francesa foi atroz. O filme era um mergulho profundo na estilística do suspense a partir do cinema de Alfred Hitchcok. A estrutura e até música do filme, composta por Bernard Hermann, eram hitchcockianas. O elenco representava a nata do cinema europeu, com Michael Lonsdale, Jean Claude Brially e Michel Bouquet. Mas naquele ano a contracultura se achava no apogeu e, na França, só se pensava em revolução. O trabalho de Truffaut, portanto, não foi recebido como um estudo de natureza estética, mas como obra comercial, puro objeto de consumo que visava somente à diversão do espectador. Lembro que eu mesmo, que ainda não era crítico profissional, torci o nariz para esse filme que sucedia os instigantes "Um Só Pecado" (La Peau Douce) e "Farenheit 451". Anos mais tarde, o próprio Truffaut declarou que não gostava muito do filme. Isto é, talvez o próprio diretor estivesse enganado.
Um noivo é assassinado na porta da igreja na hora do casamento e a noiva, interpretada por Jeane Moreau, decide se vingar, matando os cinco assassinos um por um. Apesar de Quentin Tarantino afirmar nunca ter visto o filme, esse é exatamente o tema do célebre “Kill Bill” – uma esfuziante homenagem às histórias em quadrinhos, ao spaghetti-western e aos filmes de kung-fu. Ou seja, o que se aplaude hoje em dia, como estilização da cultura de massa, era execrado há 40 anos, quando os críticos não perdoavam qualquer suspeita de “escapismo” ou “alienação”.
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2 comentários:
O filme é ótimo. O curioso é que ao começar, estamos em MARNIE, e depois haverá passagens em que serão lembrados filmes como UM CORPO QUE CAI, PSICOSE e até mesmo um vestido usado por Moreau se assemelhará ao de um usado por Joan Fontaine em SUSPEITA. Até a trilha sonora é de Bernard Herrmann, e lembra descaradamente a de MARNIE. Mas Truffaut insere tudo isso na sua maneira de francês grande amante das mulheres e faz tudo com classe. Na verdade, a personagem de Julie (Moreau) é fascinante porque dúbia, e não é implausível, visto que muitas mulheres poderiam ter feito ou desejado fazer aquilo tudo. O doloroso é que há inocentes nisso. E é especialmente patético o Robert Coral que é levado a um teatro e depois envenenado com Arak. A sua morte me pareceu a mais triste e cruel de todas. A semelhança de KILL BILL com isso é realmente notável. Mas Tarantino não tem a leveza, o humor e a classe de Truffaut de modo algum.
Oi Chico,
Excelente comentário. Só vi agora. Obrigado por colocá-lo neste espaço.
Apareça mais vezes para torná-lo interessante.
Abração
Luciano
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