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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Entre diversas qualidades, "O Discurso do Rei" mostra origens da sociedade do espetáculo.

Com 12 indicações para o Oscar, “O Discurso do Rei” pode ser considerado como parte de uma tradição audiovisual britânica iniciada há meio século. Em meados dos anos 1960, as televisões públicas da Inglaterra e da Itália inauguravam um tipo de filme que procurava dramatizar os acontecimentos históricos, não apenas reproduzindo, mas também explicando os fatos. Essa explicação, porém, não deveria ser didática, mas cinematográfica. Esse novo gênero foi batizado de docudrama pelo seu pioneiro Peter Watkins, que pretendia diferenciá-lo tanto do entretenimento hollywoodiano “de época” quanto dos fantasiosos épicos italianos. O filme inaugural daquela nova linha foi “Culloden” (1964), sobre uma revolta escocesa do século 18, em que os atores eram "entrevistados", como num telejornal. Em seguida, o mestre Roberto Rossellini faria “A Tomada do Poder por Luis XIV” (1966) para a RAI, com o qual ele dissecava os procedimentos políticos pelos quais Luis Bourbon consolidou o absolutismo no século XVII, com um mínimo de diálogos.
Igualmente quase sem palavras, logo em suas magníficas sequencias iniciais “O Discurso do Rei” revela o doloroso constrangimento de um herdeiro ao trono inglês, ao exibir à totalidade de seu povo a incompetência para governá-los. Com a carreira pavimentada na BBC, o jovem diretor Tom Hooper mostrou-se o profissional adequado para levar avante este projeto que não visa enaltecer o medalhão histórico, mas ressaltar a contribuição do cidadão comum para as transformações históricas. Ou seja, daquele indivíduo que não entra para os manuais acadêmicos e cujo nome não precisa ser decorado pelos estudantes secundários. É possível que, em termos de ficção histórica, essa reflexão possa ter se iniciado com Bertolt Brecht em seu romance inacabado “Os Negócios do Senhor Julio Cesar”, escrito na Dinamarca por volta de 1938, exatamente na mesma época em que se passa o enredo deste filme. Naquele texto, o dramaturgo alemão reconstituía a complicada cena política da república romana sob a ótica de um escravo pessoal do ditador.
Em 1964, Rosselini nos mostrava como Luis XIV criou métodos e técnicas sofisticadas de controlar a nobreza e a França inteira, no século XVII. Mas agora, por meio de interpretações extremamente elaboradas de Colin Firth e Geoffrey Rush, presenciamos ao complexo espetáculo da luta de classes, tal como ele se manifesta no mundo atual. O enfrentamento entre o rei e o microfone, portanto, não se resume ao problema da gagueira, mas abrange toda a formação do monarca como personalidade pública e privada. Não apenas no significado cênico, como na prática efetiva do poder, o papel de rei numa monarquia constitucional de regime democrático acarreta uma infinidade de determinantes: desde a rígida etiqueta comportamental até as graves limitações éticas e legais de alguém que, ao mesmo tempo, representa a nação e é o chefe da igreja Anglicana. Numa piada, a rainha (Helena Bonham Carter) compara o exercício da realeza a uma espécie de escravidão. Reparem na família real ouvindo o noticiário pelo rádio...
No caso de “O Discurso do Rei”, temos um fonoaudiólogo, ou melhor, um professor de dicção (Geoffrey Rush) que ensina o Duque de York (Colin Firth) a falar em público. Justamente às vésperas dele herdar o trono real, com a ameaça de seu irmão Edward VIII (Guy Pearce) abdicar da coroa para se casar com uma americana duas vezes divorciada. O nobre necessita inventar seu próprio modo de relacionamento com esse plebeu australiano interpretado por Geoffrey Rush, como condição prévia para aprender a se comunicar com o grande público por meio do rádio. É nesse ponto que se encontra o requinte do trabalho do ator ao construir esse personagem, tão diversificado em termos de aspectos e nuances.
A propósito, o discurso de abdicação de Edward VIII representa a primeira manifestação midiática de importância verdadeiramente global do século 20. Ao ser transmitida ao vivo pelo rádio (na foto acima) para o mundo inteiro, a abdicação marcou a importância dessa mídia para o fortalecimento da democracia, na medida em que acentuava a proximidade do povo em relação às grandes decisões políticas. O roteiro do veterano David Seidler (“Tucker”, 1988), por sinal, nos oferece também a pouco comentada simpatia de parte da monarquia britânica e do governo do primeiro ministro Stanley Baldwin (Anthony Andrews) para com o nazismo, que viam como aliado contra os comunistas. O novo rei, por sua vez, precisaria demonstrar aos súditos porque o nazismo tinha se tornado o inimigo, ao contrário do comunismo soviético, e unir a nação contra a Alemanha. O futuro rei George VI da Inglaterra precisaria se fazer entender por meio da mídia durante a guerra, para comandar o país contra os nazistas e fascistas − que, aliás, já tinham percebido e experimentado com sucesso a prodigiosa força da propaganda política. “O Discurso do Rei”, portanto, também registra o ponto inicial daquilo que pensadores como Guy Debord chamam de “sociedade do espetáculo”.
O DISCURSO DO REI
The King's Speech
Inglaterra - 2010 – 118 min. – 12 anos
Gênero docudrama / história da mídia / política
estreia 11 02 2011
Distribuição Paris Filmes
Direção Tom Hooper
Com Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Boham Carter,
Derek Jacobi, Andrew Havill
Cotação
* * * *
ÓTIMO

3 comentários:

abel disse...

porque o cinema britanico e tao quadrado, faltou verossimilhança em filme sem grandes revelaçoes

abel disse...

hitchcok, david lean,stephen frears,neil jordan,michael winterbom,jim sheridan sao cineastas britanicos reconhecidos por seus talentos, mas o cinema britanico como um todo e muito quadrado, esquematico, sem nada de novo a acrescentar, vai levar oscar vai mais comparado a cisne negro, rede social,127 horas e muito fraco vai ser que nem o paciente ingles, beleza americana , e gente como a gente ja estava esquecendo do insuportavel carruagens de fogo ganhou o oscar, alguem quer rever?

Lee swain disse...

Otimo texto, Luciano, informativo e cativante. Me permiti reproduzí-lo no meu blog (com os devidos créditos, of course). Parabéns pelo blog, fiquei freguês.