Pode ser difícil de acreditar, mas, nas décadas de 50 e 60, os principais filmes japoneses estreavam em São Paulo, quase ao mesmo tempo em que eram lançados em Tóquio. Desde os anos 30, o bairro da Liberdade concentrava a maior quantidade de japoneses na cidade. Ali, perto da Praça da Sé, formou-se uma espécie de cinelândia nipônica que matava a saudade dos imigrantes e o apetite dos cinéfilos paulistanos por filmes de qualidade. O saudoso Walter Hugo Khoury confessava que o seu cinema emanava diretamente daquele contato. Contava que “a convivência de aficcionados brasileiros com o cinema japonês começou no final da década de quarenta, com as exibições que se realizaram no cine São Francisco, situado atrás da Faculdade de Direito de São Paulo, onde alguns filmes passavam até sem legendas − fato que não afastava os espectadores paulistas, fascinados com a novidade. Eram jornalistas, críticos, jovens universitários e intelectuais amantes de cinema, que imediatamente descobriram na produção japonesa um dos pontos altos da criatividade na sétima arte”.
O aumento de interesse junto ao público veio com o desempenho japonês nos Festivais Internacionais a partir de 1950, com “Rashomon” e “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa, e “A Vida de Oharu” e “Contos da Lua Vaga Após a Chuva”, de Kenji Mizoguchi. Conhecedor do assunto, Khoury afirmava que até Glauber Rocha recebeu influência japonesa, especialmente em “Deus e o Diabo na terra do Sol”. Segundo ele, o filme “tem características marcantes do que se convencionou chamar estilo ‘samurai’, principalmente na marcação dos atores, nos gestos largos, gritos e movimentação quase coreográfica, que lembram imediatamente a ‘mise-en-scène’ de alguns filmes de época do Japão”.
O cinema mais antigo da Liberdade era o Niterói, na Galvão Bueno com 1,5 mil poltronas, que começou a funcionar em 1953. Com o aumento da procura até no seio da própria colônia, cinco anos depois, as principais distribuidoras japonesas abriram filiais em São Paulo. O Cine Tóquio era da distribuidora Toho que, logo em seguida, abriu uma sala nova própria, o Cine Jóia, na Praça Carlos Gomes. O Nippon dedicou-se à Shochiku, e o Niterói, à Toei. Em 1962, o Cine Tóquio mudou o nome para Nikkatsu, porque passou a exibir apenas os filmes daquela produtora.
Aos sábados e domingos, a colônia lotava as salas que, durante a semana, ficavam à disposição de estudantes, artistas e críticos que tomavam o bonde em busca das imagens importadas do outro lado do planeta. Provavelmente, veteranos como Walter Hugo Khoury e o crítico Rubem Biáfora preferissem o intimismo de Yasujiro Ozu, Tomo Uchida, Akira Kurosawa, Heinosuke Gosho, Buntaro Futakawa e Teinosuke Kinugasa. Enquanto os mais jovens, como Carlos Reichenbach e o crítico Inácio Araújo, talvez estivessem prestando mais atenção na chamada "nouvelle vague" japonesa, surgida a partir dos anos sessenta, com Yoshishigue Yoshida, Shoei Imamura, Nagisa Oshima, Yasuzo Masumura, Kaneto Shindo e Seijun Suzuki.
Mas o que mantinha aquelas salas em funcionamento era mesmo a colônia, com os nisseis e sanseis, ainda interessados na língua e na cultura dos pais e avós. Quando a obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros se instalou como legislação e foi aumentando gradativamente ao longo dos anos 70, até chegar a 180 dias por ano, aquele público cativo começou a se afastar e os cinemas foram, um a um, fechando suas portas. Em harmonia com a tradição nipônica, último a encerrar suas atividades foi justamente o pioneiro Niterói, que durou até 1988.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Sou grande fã da Liberdade, tendo inclusive estudado um pouco de Japonês na Aliança Cultural Brasil-Japão. Pena que não peguei essa época dos cinemas japoneses por lá. Me lembrou o filme do Alan Parker, "Bem-vindos ao Paraíso", com Dennis Quaid. No início, Quaid trabalha como projecionista em um bairro japonês nos Estados Unidos.
Olá Luciano
Textos sobre exibição e salas de cinema me interessam bastante. Por isso, este seu texto está incluído na coluna do meu blog "Textos sobre exibição" e o seu blog na coluna "Sites e blogs sobre cinema". Espero que não se importe.
Espero um dia, ter em meu blog, um texto de sua autoria. Será uma honra! Um grande abraço.
o cinema japones e pouco conhecido no brasil kurosawa e o nome mais famoso, mas ozu e mazachugi nao sabem quem foram. luciano vc poderia relembrar filmes para uma nova geraçao de cinefilos conhecer, estou assistindo reds do warren beaty o filme ninguem se lembra mas e uma perola.
João e Abel, indo numa boa locadora, ou loja de DVDs, vocês já encontram alguma coisa em termos de filmes japoneses. Outra opção é a Fundação Japão aqui de São Paulo, que deve ter uma filmoteca.
Quanto ao Soriano, claro que gostei muito de de vc ter indicado o meu blog.
Postar um comentário