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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Porque “O Segredo dos Seus Olhos” foi o estrangeiro que ganhou o Oscar

O grande preferido pelas críticos, inclusive eu, claro, era a “Fita Branca” do austríaco Mikael Haneke. Mas confesso que fiquei surpreso com a excelência do argentino “O Segredo dos seus Olhos”. Em 2001, com “O Filho da Noiva”, Juan José Campanella (Buenos Aires, 1959) já dizia ao que vinha, afirmando mundialmente o seu talento de construtor de histórias e diretor de cinema. Os brasileiros aplaudiram e o filme ganhou prêmios em São Paulo e Gramado, além de também ter sido indicado ao Oscar.
Depois disso ele foi trabalhar nos EUA, fez muita coisa para a televisão, como as séries “House MD” e “Law & Order”, e agora finalmente conquista um Oscar com este admirável “O Segredo dos Seus Olhos”. Um filme completo, no sentido de reunir excelentes técnicos e atores num um roteiro intrincado, mas absolutamente inteligível na tarefa de contar duas histórias ao mesmo tempo: uma dentro da outra e se desenvolvendo em épocas diferentes (1999 e 1974), ainda que com os mesmos personagens. Uma de amor e descoberta, a outra de suspense e crime. Os personagens falam o tempo todo e sem parar, no entanto, a ação jamais estaciona para abrigar aquelas conversinhas moles de estúdio que marcam as telenovelas.
Ricardo Darín, o ator predileto de Campanella, interpreta um oficial de justiça aposentado e tentando transformar em livro um caso policial em que se envolvera 30 anos antes. Dois outros intérpretes irretocáveis lhe servem de apoio nesse processo: Soledad Villamil, no papel de uma juíza por quem ele se apaixona e a quem nunca se declara, e Guillermo Francella que quase rouba a cena, num papel que se inicia cômico e termina de modo especialmente emocionante. O humor e o drama, aliás, se casam com perfeição no cinema de Campanella por meio de um diálogo econômico, a um só tempo rude e poético. Para emoldurar o quadro, ao seu final, vemos que toda a trama se encaixa em elementos concretos da sociedade argentina, ou seja, o futebol e a ditadura dos anos 70. Ou seja, Camapanella não é um diretor americano que nasceu na Argentina, como resmungam alguns. Ele é, na verdade, um cineasta portenho que incorporou tudo o que aprendeu em Hollywood para engrandecer o cinema de seu país. A cena mais empolgante do filme é um plano-sequencia que se inicia mostrando um estádio de futebol numa tomada aérea. Em seguida a câmara mergulha, se aproxima do campo e voa pelas arquibancadas até captar um personagem no meio da massa, para acompanhá-lo enquanto persegue alguém no meio da multidão. É de cortar o fôlego.
O SEGREDO DOS SEUS OLHOS
El Secreto de Sus Ojos
estreia 26 02 2010
Argentina / Espanha
2009 – 129 min – 12 anos
Gênero Drama / Policial / romance
Distribuição Europa Filmes
Direção Juan José Campanella
Com Ricardo Darín, Soledad Villamil e Guillermo Francella

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

“Simplesmente Complicado” de Nancy Meyers não supera "Alguém tem que Ceder"

Em 2004, Nancy Meyers passou para o primeiro plano das discussões sobre cinema com o seu simpático e instigante “Alguém tem que Ceder” (Something’s Gotta Give) com Jack Nicholson e Diane Keaton, classificado como “comédia romântica pata terceira idade”. Com “Simplesmente Complicado” (It’s Complicated), também escrito e dirigido por ela, que acaba de ultrapassar a marca dos 60 anos, o rótulo poderá ser o mesmo. De novo, o público é levado a se perguntar com que será que a protagonista vai ficar e podemos adiantar que a solução dramática do filme anterior era mais engenhosa. Desta vez ela faz como alguns redatores brasileiros de telenovela e apresentam dois finais para a mesma trama. Steve Martin e Alec Baldwin disputam Meryl Streep de um modo bem original. Baldwin e Meryl estão divorciados há 10 anos. Ele se casou com uma mulher mais jovem, mas o casamento não vai bem. E ela começa a se sentir mais livre, porque os três filhos já são adultos.
Para surpresa deles, no dia da formatura do mais novo, eles começam a ter um caso. Justamente quando ela começa a ser cortejada por um arquiteto vivido por Steve Martin, torna-se amante do ex-marido. Ele se sente atraído pela idéia de reconstituir a família original, porque a mais recente tem trazido muitos problemas e raras alegrias. E ela desenvolve a teoria de que, agora, livres dos problemas que sobrecarregavam o cotidiano casal há 10 anos, é possível retomar um relacionamento apenas no prazer. Aliás, o sexo assume uma função importante nesse enredo, porque, como novos amantes, eles experimentam um desempenho bem mais satisfatório do que no tempo em que eram velhos casados. É nessa área, porém, que a senhora Nancy Meyers escorrega, espalhando alguns gracejos meio grosseiros pelo diálogo, geralmente ágil e elegante, no qual brilham algumas piadas dignas de Woody Allen da primeira fase. O qüiproquó que envolve um computador funciona bem e até atribui um toque mais atual para a trama. Mas, não precisava usar o regador do jardim como metáfora da ejaculação...
Simplesmente Complicado
It's Complicated
2009 - USA - 120 min
estreia 26 02 2010
gênero comédia / romance
distribuição Paramount
Direção Nancy Meyers
Com Meryl Streep, Steve Martin, Alec Baldwin

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os irmãos Coen falam de "Um Homem Sério" que, desta vez, estava lá mesmo.

Nesta comédia “Um Homem Sério” os irmãos Coen ("Onde os Fracos não tem Vez" - 2007) elegem a própria etnia como alvo − o que é, aliás, a principal característica do chamado “humor judaico”, geralmente auto-centrado. Mas aqui os Coen não apenas ridicularizam usos e costumes, como também crenças e tradições religiosas. O roteiro coloca de um lado, o homem sério do título e, de outro, três rabinos que deveriam apoiá-lo em seus dilemas existenciais e familiares, mas só amplificam a sua confusão. E acima de tudo, quase como um personagem fora de cena e que, no entanto, é o mais citado por todos os demais, a presença do Todo Poderoso. Ele só é chamado no filme pelo nome de "Ha Shem", o que obriga o público "goi" a um esforço de dedução: "ah... eles estão falando de Deus". Pois Ele castiga implacavelmente algumas figuras da história, de um modo semelhante ao que se observa em certas passagens do Velho Testamento.
O outro alvo do corrosivo sarcasmo dos irmãos Coen é a família. A do personagem central, um professor de física, é especialmente enlouquecedora: a mulher o troca por um velho amigo e o expulsa de casa, exigindo que ele pague as contas do divórcio; a filha sempre lhe subtrai dinheiro da carteira; o filho vai completamente chapado ao próprio Bar Mitzva e o irmão que dorme no sofá da sua casa é preso por sodomia. Interpretado por Michael Stuhlbarg, esse protagonista sem objetivo dramático e sem vontade própria, quase um fantoche nas mãos dos outros, parece uma versão cômica de "Woyzec", de Georg Büchner (1836).
Apesar de toda a seriedade e da vocação para a obediência e para a conformidade social, ele resiste a tentações, como a vizinha sexy que o convida para um chá gelado na tarde quente, e o aluno coreano que lhe oferece uma fortuna em troca da aprovação. Provavelmente resiste apenas porque teme a ira de Ha Shem. Antes dos créditos de abertura há uma inacreditável sequencia ambientada na Polônia do século XIX que, a princípio, parece cena de horror, mas é a mais engraçada do filme. Em segundo lugar vem um pesadelo do professor, no qual ele usa uma lousa gigante (foto abaixo) para demonstrar matematicamente o princípio da incerteza de Heisenberg, aliás, um tema que sempre fascinou os irmãos Coen e que deles mereceu um filme inteiro como tema: "O Homem que não Estava Lá" (2001).
UM HOMEM SÉRIO
A Serious Man
estreia 19 02 2010
EUA/ Reino Unido / França
2009 – 109 min.-12 anos
Gênero Comédia
Distribuição Paramount
Direção Joel Coen e Ethan Coen
Com Michael Stuhlbarg,
Sari Lennick e Richard Kind

“A Fita Branca” já ganhou em Cannes e no Globo de Ouro. Agora só falta o Oscar.

Assim como foi "O Ovo da Serpente", que Ingmar Bergman fez em 1977, este filme de Michael Haneke tem sido interpretado como um estudo sócio-psicológico a respeito das origens do nazismo na Alemanha. Isso é até explicitado na narração em off que corresponde ao ponto de vista de um dos personagens. No filme ele é um mestre-escola com menos de 30 anos, mas a voz é de um ancião que, aliás, afirma não ter certeza se aquilo que ele testemunhara em 1913 aconteceu exatamente do modo como vai contar, mas tem certeza de que a narrativa (ainda que localizada num ponto qualquer da zona rural) tem ligação com os rumos que a história do país tomaria a partir de então. O narrador se refere a uma série de crimes misteriosos que agitam uma pequena aldeia alemã.
Continuando a comparação com a obra de Bergman, o enredo de "O Ovo da Serpente" situa-se em Berlim no ano de 1923, contemporâneo portanto, das primeiras investidas concretas do nazismo, como a tentativa de golpe em Munique. O protagonista é um indigente judeu, vítima de um médico que o usa como cobaia em experiências mostruosas com gazes alucinógenos. Essa uma referência a "O Gabinete do Doutor Caligari" que Robert Wiene filmaria em 1920 e aos campos de concentração.
Por sua vez, as principais figuras da trama de Haneke estão longe da ação partidária, mas já formam um grupo particularmente coeso em termos doutrinários. Trata-se de uma dúzia de adolescentes, que tomam aulas de catecismo com o pastor local, um líder especialmente rígido e ortodoxo. Essas aulas acontecem sempre a portas fechadas e nem o professor que narra os acontecimentos sabe o que se passa por trás delas. Mesmo assim, o narrador destaca as severas punições corporais que os rapazes sofrem e a fita branca que são obrigados a usar, quando pecam contra a castidade. De fato, eles estariam com 30 e poucos anos em 1933, quando Hitler tomasse o poder.
Mas o filme de Haneke ("Caché" – 2005) transcende a essa marcação histórica e discorre acerca da arquitetura do fanatismo e da violência que esse estado de espírito é capaz de gerar. Além disso, é uma peça de suspense que faria inveja a Hitchcock e seus seguidores porque só revela os criminosos no final, e mesmo assim de modo sutil. Eles só são vistos em grupo em duas ou três ocasiões e quando estão cantando no coro da igreja. Se em "Caché", o mal se achava escondido na memória do protagonista, aqui ele contamina o povoado inteiro e qualquer um pode ser seu agente, menos o professor que narra o filme. Sabiamente, Haneke responsabiliza a todos − o barão, o pastor, os policiais, o médico e até os camponeses – mas, isenta o educador.
A FITA BRANCA
Das Weisse Band
Alemanha/Áustria/França/Itália
2009 – 145 min. - 16 anos
estreia 12 02 2010
Gênero Drama / História
Distribuição Imovision
Direção Michael Haneke
Com Christian Friedel, Ernst Jacobi,
Leonie Benesch, Ulrich Tukur

Peter Jackson de "O Senhor dos Anéis" parte em busca de “Um Olhar do Paraíso”

“Um Olhar do Paraíso” (The Lovely Bones) surpreende por ser um drama espiritualista dirigido por Peter Jackson, o criador da série “O Senhor dos Anéis”. Fala de uma moça de 14 anos assassinada por um pedófilo e que, após a morte, continua interagindo com os vivos. O assassino não é descoberto e continua solto, tornando-se uma ameaça também para a irmã da vítima e para a família dela como um todo. O filme chega a mostrar uma experiência que poderia ser considerada de mediunidade, quando alguns personagens entram em contato verbal com ela. O próprio pai, bem trabalhado por Mark Wahlberg, sente a sua presença e passa a desconfiar do criminoso, que mora na mesma rua.
Poderia ser uma história de fantasma, como tantas outras que já assombraram o cinema. Mas há uma clara identificação com o pensamento kardecista, ao colocar a menina morta numa espécie de estágio intermediário entre o mundo em que vivemos e o além, que a distribuidora do filme se apressou a chamar de “paraíso” no título brasileiro. Esse ambiente é desenhado de forma a não parecer repetitivo ou psicodélico, e nem cair no mau gosto. Só que não foi possível evitar a exuberância nessas imagens, assim como dev ter sido difícil conter os acordes inflamados de Brian Eno, incorporando lembranças da banda Roxy Music na trilha sonora.
Em breve veremos o brasileiro “Nosso Lar”, de Wagner Assis (“A Cartomante” – 2004) baseado em livro de Chico Xavier, em que esse limbo funciona como uma cidade, na qual os espíritos são preparados para seguirem em frente. Stanley Tucci (foto abaixo) constrói uma personificação tão marcante desse psicopata, que foi indicado para o Oscar de coadjuvante. O problema é que ele atua um pouco na linha dos velhos atores característicos, exagerando nos recursos exteriores à interpretação, como enchimento nas bochechas e outros truques. Interpretando a avó, Susan Sarandon cuida dos momentos cômicos, mas a boa surpresa é mesmo a iniciante Saoirse Ronan no papel central. E o próprio Jackson, como diretor competente também no terreno do intimismo, soltando a câmera do tripé e buscando a agilidade nos cortes e a fluência na narrativa.
UM OLHAR DO PARAISO
The Lovely Bones
EUA/ Reino Unido/ Nova Zelândia
2009 – 135 min. – 14 anos
Estréia 19/02/2010
Direção Peter Jackson
Gênero Drama / Suspense
Distribuição Paramount
Com Saoirse Ronan, Mark Wahlberg,
Stanley Tucci, Susan Sarandon, Rachel Weisz

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Beto Brant continua experimentando com este "O Amor Segundo B. Schiamberg"

"O Amor Segundo B. Schiamberg" é um filme editado a partir uma série de TV produzida em 2009, e no qual Beto Brant ("Cão Sem Dono" – 2007) realiza uma inusitada experiência de linguagem cinematográfica, que consiste em derrubar uma barreira aparentemente instransponível entre o documentário e a ficção. Realizado na TV Cultura, o projeto pretendia oferecer uma alternativa mais humana e inteligente à febre atual dos reality shows. A idéia era flagrar o afeto e o carinho desabrochando sem planejamento nem obrigatoriedade, em lugar do constrangimento erótico e da competição entre pessoas confinadas num cativeiro de voyeurismo televisivo. Um rapaz e uma moça que não se conheciam são instalados num apartamento, junto com oito câmaras de vigilância escondidas no local, e lá permanecem por várias semanas, praticamente sem qualquer interferência por parte da direção. Nisso consistem a sinopse e a estratégia do espetáculo. Ele é o ator Gustavo Machado, profissional de prestígio e já premiado pelo filme "Olho de Boi" (2007). E ela é Marina Previato, uma artista plástica que trabalha com vídeo. Beto Brant não deu nenhuma orientação, a não ser a de que ela aproveitasse o tempo para fazer um vídeo em que ele atuasse. Como só acontecia até então nos documentários, aqui não há bastidores de cena, ou seja, aquele espaço que não vemos na tela e é povoado pelo diretor, pelos técnicos, refletores, rebatedores e demais equipamentos de filmagem.
Ou seja, em "O Amor Segundo B. Schiamberg" não existe mais a costumeira descontinuidade entre o que acontece diante da câmara e o que se esconde por trás dela. A máquina de filmar se acha, portanto, em presença do totalmente inesperado, num contato imediato com a chamada “carne do mundo” − o que era uma prerrogativa exclusiva do gênero documentário. Um detalhe: pela foto abaixo, vemos que ela sabia onde cada câmara se escondia. Ele não...
As centenas de horas gravadas foram editadas junto com vídeo da Marina e o filme ficou pronto, com um som sofrível, uma imagem pouco definida e captada sem iluminação. E, mesmo assim, sensacional. Não só pela poesia de um encontro verdadeiro ao desabrochar diante dos nossos olhos, mas pela natureza inovadora do experimento.
O AMOR SEGUNDO B. SCHIANBERG
Brasil - 2009 – 80 min. 14 anos
Gênero drama / documentário?
Distribuição Espaço Filmes
Direção Beto Brant
Com Gustavo Machado e Marina Previato

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

"Percy Jackson e o Ladrão de Raios": aventura educativa baseada na mitologia grega

Nos livros “O Minotauro” e “Os 12 Trabalhos de Hércules”, Monteiro Lobato colocava a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo em plena Grécia antiga, para interagir com os deuses do Olimpo. Por meio do “faz-de-conta” e do “pó de pirlimpimpim”, Dona Benta ensinava mitologia grega a Pedrinho, Narizinho e outras milhares de crianças brasileiras que se deliciavam com as peripécias da Emília e do Visconde de Sabugosa, enfrentando monstros como a hidra de Lerna. Guardadas as devidas proporções, o filme Percy Jackson e o Ladrão de Raios faz a mesma coisa, só que com a ajuda de efeitos visuais requintados e um elenco de figuras expressivas: Rosario Dawson como Perséfone; Uma Thurman no papel de Medusa e Peirce Brosnan, fazendo o centauro Quiron. Aquele que aparecia no livro do Lobato, aliás, foi batizado pela boneca Emília como Meioameio, por ser meio homem meio cavalo.
Apesar de meio educativo e meio caótico, Percy Jackson é uma brincadeira de Chris Columbus, diretor que fez dois exemplares de Harry Potter. Aqui, ele adapta outra série literária juvenil, criada pelo escritor Rick Riordan, sobre um garoto que é filho do deus grego Poseidon com uma mortal (Catherine Keener). O plano era criar outra franquia de adolescente mágico, mas talvez tenha faltado a Columbus o “pó de pirlimpimpim”. Ele se chama Percy, numa referência ao herói Perseu, que era filho de Zeus. No filme, ele enfrenta Medusa, como fez o Perseu da mitologia. Um dia roubam os raios de Zeus e é o rapaz que leva culpa. A mãe é capturada por um minotauro e o garoto dá início a uma odisséia para resgatá-la. É interessante a identificação com este gênero de narrativa, na qual os deuses e heróis gregos se movimentam. Mas, para exemplificar o nível do humor do filme, entre os objetos mágicos a que ele recorre para agir, há um tênis com asas que pertencia ao deus Hermes. Ou seja, o filme é engraçado e bem produzido, mas as piadas de Lobato eram melhores.
PERCY JACKSON E O LADRÃO DE RAIOS
Percy Jackson & The Olympians: The Lightning Thief
Canadá / EUA - 2010 – 121 min. – Livre
Gênero Comédia / Aventura
Distribuição Fox Films
estréia 21 02 2009
Direção Chris Columbus
Com Logan Lerman, Uma Thurman,
Pierce Brosnan, Rosario Dawson

Em "O Lobisomem", o filme B de 1941 se transforma em superprodução

Essa foto que abre a matéria não é do Benício del Toro há 15 anos, mas do Lon Channey Jr, que fez O Lobisomem em 1941. O folheto publicitário do filme diz que Benício Del Toro resolveu refilmar O Lobisomem antigo por sugestão de seu empresário, que o julgava exageradamente peludo. É mais provável, porém, que o ator de Che tivesse se inspirado em sua própria semelhança com Lon Chaney Jr, o intérprete do filme clássico (o olhar é o mesmo, como vemos na foto acima).
A trama de O Lobisomem se desenvolve numa mansão do século XIX iluminada apenas por velas e lampiões, cercada de bosques repletos de luar filtrado pela névoa. Por serem capazes de filmar com pouquíssima luz, as modernas câmeras de alta definição abrem novas possibilidades expressivas para o velho gênero do horror, cujo habitat natural são as sombras na noite. Essa modalidade de cinema vive agora um grande momento porque, além das câmeras digitais veio a computação gráfica, oferecendo novas facilidades para criar monstros sempre mais horripilantes, dinâmicos e verossímeis.
Esta nova versão de O Lobisomem se beneficia especialmente dessas inovações, mostrando-se bem mais gótico e assustador que o clássico de 1941 − ainda que tenha se baseado no roteiro original de Curt Siodmack, ambientado em meados do século XX. O novo diretor Joe Johnston e os roteiristas Andrew Walker e David Self − profissionais com grande experiência em séries de TV − criaram um visual mais sofisticado e deram mais densidade aos personagens, aprofundando o conflito entre o protagonista e seu pai, aqui interpretado por sua excelência Antonhy Hopkins. Ou seja, enveredaram por um caminho ficcional que o cinema americano do início dos anos 40 não podia seguir. Pontuado por referências a Shakespeare, esse drama ganha o peso de uma tragédia: uma espécie de Édipo invertido de maneira demoníaca, o que permite a Anthony Hopkins citar a mais conhecida fala de Hamlet, numa cena particularmente impressionante. A propósito, o personagem central é um ator inglês radicado nos Estados Unidos, que volta para a Inglaterra após a morte violenta e misteriosa do irmão. Não fosse essa solução de roteiro, aliás, Del Toro seria obrigado a interpretar com sotaque britânico. Outro mérito do roteiro é ter dado um motivo para a violência do monstro. Os vampiros matam pelo sangue, os zumbis para comer e os lobisomens por qual razão?
Neste filme ficamos sabendo.
Em suma, o que foi um “filme B” em 1941 foi adaptado para uma produção de primeira categoria, que tem a estilista Milena Canonero cuidando dos figurinos e o mestre Rick Baker fazendo a maquiagem. Em 1981, quando Hollywood decidiu instituir o Oscar de maquiagem, o primeiro premiado foi ele, justamente com o filme Um Lobisomem Americano em Londres que, até hoje, é o filme mais interessante com esse tema. Mas é preciso admitir que a máscara (foto abaixo) criada pelo mago da caracterização Jack Pierce em 1941, apesar de mais simples que a atual, tinha a vantagem de permitir que os olhos do ator ficassem bem visíveis para exprimir a o mundo interior do monstro.
O LOBISOMEM
The Wolfman
Reino Unido / EUA
2010 – 102 min - 14 anos
Gênero herror / Suspense
estréia 12/02/2010
Distribuição Paramount
Direção Joe Johnston
Com Benicio del Toro, Emily Blunt,
Anythony Hopkins e Hugo Weaving

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"O que resta do tempo" é o amadurecimento do estilo pessoal de Elia Suleiman

Finalmente, aos 50 anos de idade, com O que resta do tempo, o cineasta Elia Suleiman acerta a mão e consegue firmar um estilo próprio. Ele é um israelense de etnia árabe, que nasceu e cresceu na cidade de Nazaré e, em 2002, com o discutível Intervenção Divina, ensaiava os primeiros passos em direção ao tipo de cinema que só agora consegue fazer. Difícil de conceituar, antes de tudo essa linha de trabalho busca um ponto intermediário entre a intensa estilização e o relato histórico. Fala de acontecimentos dramáticos que ele e seu povo de fato viveram, desde 1948 com a criação de Israel.
Autobiográfica, a narrativa tem como protagonista o pai do cineasta, um dissidente que fabricava armas para os palestinos, enquanto ele só aparece como testemunha quase calada e totalmente submissa às circunstâncias. Mas, a não ser logo no início, não há cenas de violência, porque o roteiro coloca em primeiro plano o cotidiano das pessoas. Na cena inicial e nas sequencias finais é o próprio Suleiman que interpreta a si mesmo. O ambiente não parece adequado, mas o tom geral é de humor gráfico. Em boa parte das sequencias, os personagens entram em cena num quadro já montado e ali permanecem quase imóveis enquanto dialogam laconicamente. Às vezes os mesmos cenários e personagens se repetem para mostrar uma nova situação − o que remete às tiras de quadrinhos. Várias vezes, por exemplo, o garoto Elia joga no lixo sem tocar o prato de lentilhas que uma tia simpatizante dos israelenses costuma mandar de presente. Trata-se de um ato corriqueiro que adquire força de gesto simbólico, ao ser reforçado pela repetição. É como se, na memória do diretor, aquelas pessoas tivessem se transformado em figuras de cinema mudo ou de gibi. Ou talvez seja um truque para encaixar 60 anos de peripécias e emoções em algumas páginas de roteiro cinematográfico. O efeito é encantador, cômico e melancólico ao mesmo tempo, como as comédias de Jacques Tati. O filme foi selecionado para a competição do Festival de Cannes 2009. Participou no Festival do Rio 2009 e na 33ª Mostra de Cinema de SP.

O QUE RESTA DO TEMPO
The Time That Remains
Direção Elia Suleiman
Bélgica/França/Itália/Reino Unido 2009
estreia 05 02 2010
Gênero Drama / História
Distribuição Imovision
Com Elia Suleiman, Saleh Bakri,
Samar Tanus, Shafika Bajjali

"Guerra ao Terror" contundente manifesto anti militarista por meio do suspense

Em Guerra ao Terror, sob o sol incandescente do Iraque, um homem enverga uma armadura que parece construída com o casco de um tanque blindado. Seus dedos trabalham nervosos para desarmar um artefato terrorista. Em volta e à distância, os soldados se protegem e apontam suas armas para os cidadãos, cada um deles um terrorista em potencial. Há um traço de Roma Cidade Aberta (Rosselini – 1945) no DNA deste Guerra ao Terror, só com o sinal inverso. Em vez dos nazistas agredindo os romanos, temos os ocupantes ocidentais do Iraque aterrorizados pelos nativos que não aceitam o fim da guerra e espalham armadilhas explosivas por todo o lado. A história é escrita por Mark Boal − o mesmo roteirista de No Vale das Sombras (2007) dirigido por Paul Haggis que, até este Guerra ao Terror, era o mais contundente libelo anti-militarista feito pelo cinema nos Estados Unidos, após o 11 de setembro. Um militar aposentado investigava a morte do filho que acabara de voltar da guerra no Iraque.
Se no filme de 2007 o gatilho da trama era o mistério, agora a palavra de ordem é o suspense. Suspense e mistério − dois pólos opostos, como ensinava Hitchcock. Um dos exemplos que ele gostava de dar, aliás, era exatamente o da bomba prestes a explodir: qualquer movimento equivocado pode detonar o explosivo. Estrelado por Jeremy Renner (abaixo), essa incerteza percorre por inteiro o filme de Kathryn Bigelow, que vai mostrando horrores a cada cena mais insuportáveis.
Não há qualquer discussão política ou ideológica em Guerra ao Terror. E isso permite que possa ser visto como um mero filme catástrofe. Que catástrofe? O maior desastre capaz de acontecer com o ser humano, que é justamente a perda de sua humanidade. A guerra teoricamente já acabou, e os protagonistas são soldados cuja missão é desativar as minas e os torpedos que os rebeldes deixam para arrebentar na cara dos invasores ingleses e americanos. Mais técnicos (ou lixeiros) do que guerreiros, eles lidam com o pior que pode existir num conflito militar, que é o medo elevado à sua expressão mais aguda: o pavor que se encontra exposto a cada centímetro quadrado daquele território. O filme é todo desenvolvido a partir do ponto de vista deles.

Nem precisava a produção ter contratado os famosos Ralph Fiennes, David Morse e Guy Pearce (acima) para reforçar o elenco. O personagem de Jeremy Renner que concorre ao Oscar exprime no rosto o drama todo do filme. Ele encarna sozinho e por inteiro uma das supremas contradições da nossa espécie que é a obrigatória convivência da racionalidade com a loucura. Só uma personalidade doentiamente desprovida de qualquer receio pode se concentrar na lógica deste quebra-cabeça que é uma bomba relógio construída por um terrorista. Enquanto isso, num sentido contrário, o roteirista Mark Boal e a diretora Kathryn Bigelow vão armando a verdadeira crueldade do filme, que estoura como petardo na reflexão final de Guerra ao Terror.

GUERRA AO TERROR
The Hurt Locker
Direção Kathryn Bigelow
EUA - 2008 – 131 min
estreia 05/ 02/ 2010
Gênero Guerra/Ação
Distribuição: Imagem Filmes
Com Jeremy Renner, David Morse,
Guy Pearce e Ralph Fiennes