Continuando a comparação com a obra de Bergman, o enredo de "O Ovo da Serpente" situa-se em Berlim no ano de 1923, contemporâneo portanto, das primeiras investidas concretas do nazismo, como a tentativa de golpe em Munique. O protagonista é um indigente judeu, vítima de um médico que o usa como cobaia em experiências mostruosas com gazes alucinógenos. Essa uma referência a "O Gabinete do Doutor Caligari" que Robert Wiene filmaria em 1920 e aos campos de concentração.
Por sua vez, as principais figuras da trama de Haneke estão longe da ação partidária, mas já formam um grupo particularmente coeso em termos doutrinários. Trata-se de uma dúzia de adolescentes, que tomam aulas de catecismo com o pastor local, um líder especialmente rígido e ortodoxo. Essas aulas acontecem sempre a portas fechadas e nem o professor que narra os acontecimentos sabe o que se passa por trás delas. Mesmo assim, o narrador destaca as severas punições corporais que os rapazes sofrem e a fita branca que são obrigados a usar, quando pecam contra a castidade. De fato, eles estariam com 30 e poucos anos em 1933, quando Hitler tomasse o poder.
Mas o filme de Haneke ("Caché" – 2005) transcende a essa marcação histórica e discorre acerca da arquitetura do fanatismo e da violência que esse estado de espírito é capaz de gerar. Além disso, é uma peça de suspense que faria inveja a Hitchcock e seus seguidores porque só revela os criminosos no final, e mesmo assim de modo sutil. Eles só são vistos em grupo em duas ou três ocasiões e quando estão cantando no coro da igreja. Se em "Caché", o mal se achava escondido na memória do protagonista, aqui ele contamina o povoado inteiro e qualquer um pode ser seu agente, menos o professor que narra o filme. Sabiamente, Haneke responsabiliza a todos − o barão, o pastor, os policiais, o médico e até os camponeses – mas, isenta o educador.
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