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domingo, 16 de maio de 2010

Ridley Scott apresenta um "Robin Hood" diferente de tudo o que o cinema já mostrou

Tudo bem quanto às liberdades que Ridley Scott tomou em relação à sua versão de “Robin Hood”. Elas partem de uma linha que ele vem seguindo em todos os seus espetáculos históricos. Ela consiste em dotar o protagonista de um determinado ponto de vista que coincide com o da classe a que pertence. Em “Gladiador” (Gladiator, 2000), a trama se organizava em função de um escravo, enquanto em “Cruzadas” (Kingdom of Heaven, 2005) a narrativa se construía a partir da visão de um senhor feudal, conforme o ideário cristão daquela época. Desta vez o herói é filho de um pedreiro, ou seja, de um artesão – categoria social que, junto com os mercadores, séculos mais tarde formaria o grupo chamado de burgueses. No século XII, em que se situa a lenda do aventureiro que “roubava os ricos para dar aos pobres”, eles constituíam um conjunto de pessoas quase marginais àquele modo de produção voltado para subsistência que se articulava basicamente em senhores feudais e camponeses
Como no campo da ficção história é lícito inventar, desde que não se contrarie o que esteja documentado, Scott fez do herói um arqueiro do exército com o qual Ricardo Coração de Leão foi lutar na Terceira Cruzada. Um personagem que esteve presente no cerco à fortaleza de Chalus-Chabrol, na França, onde o monarca morreu por meio de uma flecha disparada por um cozinheiro – mostrado, aliás, em close, porque o diretor costuma destacar a participação dos trabalhadores na ação dramática. Observado do ângulo em que Robin se situa, o cotidiano da batalha se assemelha à rotina dos operários numa fábrica. Em compensação, um letreiro comete a impropriedade de dizer que, após seu regresso do oriente, de passagem pela França e sem dinheiro, Ricardo resolveu saquear alguns castelos pelo caminho.
Na realidade ele estava sufocando uma revolta de seus vassalos na França, que aproveitaram a sua ausência da Europa para se rebelar. É que o rei da Inglaterra possuía vastos territórios no continente – quase um terço do que hoje é a França – de onde viera a sua família. Inclusive os cronistas afirmam que ele mal sabia falar inglês. Outra inexatidão de Scott é colocar o conflito com o rei Felipe II da França como se fosse uma guerra entre nações. Naquele tempo, os monarcas europeus eram quase todos parentes entre si e as guerras significavam imensas brigas de família.
Não existia o sentimento que hoje chamamos de patriotismo e que, ao final do filme, movimenta a batalha de defesa do litoral britânico contra um ataque de navios franceses comandado por Felipe II. Além de se parecer visualmente com a invasão dos aliados à Normandia em 1942, com os soldados desembarcando de barcaças muito parecidas, esse fato é inteiramente fictício. Felipe até chegara a se preparar para uma expedição invasora, mas foi seu filho Luis que conseguiu invadir a ilha em 1216. Igualmente imaginário é aquele grupo de centenas de terroristas franceses atacando os nobres na Inglaterra se fazendo passar por emissários do rei João.
Mas a par dessas ousadias que poderão irritar os puristas da historiografia, o filme oferece muitas qualidades. Em primeiro lugar, a fidelidade à história social e cultural: nada de roupinha verde ou bigodinho à lá Errol Flynn, por exemplo. Segundo o protesto de Lady Marion, majestosamente vivida por Kate Blanchet, o herói se vestia de cota de malha e cheirava mal. Além da aventura e do suspense, o filme apresenta uma forte acentuação dramática, na qual o personagem de Max Von Sidow, como uma espécie de pai adotivo de Robin, tem uma participação emocionante. Por sua vez, o componente visual do filme é irretocável, com destaque para os feudos, os palácios, as batalhas e a impressionante chegada da frota real àquilo que teria sido Londres daquele tempo. O aspecto mais curioso e imaginativo do roteiro, porém, é desenhar Robin Hood como o mentor intelectual da Magna Carta Libertatum, assinada por João Sem Terra em 1215. Há muito assassinado, o pai do protagonista teria sido o próprio redator do documento. Engrandecido como personagem, Robin chega proferir um discurso em prol da liberdade diante do monarca e seus barões. E nessa fala, Scott revela com clareza o horizonte ideológico daquele tempo, ao definir a essência política do que significava a palavra “liberdade”, que é o princípio tribal da reciprocidade – esse um forte legado tradicional das comunidades bárbaras. O documento exigia que o rei mantivesse reciprocamente o respeito e a lealdade aos seus vassalos. Assim como o cineasta que, mesmo se deixando levar pela imaginação, respeita e homenageia a inteligência de seu público.
ROBIN HOOD
Robin Hood
estreia 14 05 2010
Distribuição Paramount
EUA/Reino Unido – 2010 - 140 min. - 12 anos
Direção Ridley Scott
Gênero História / Ação / Política
Com Russell Crowe, Cate Blanchett e Max von Sydow
COTAÇÃO
***
BOM

5 comentários:

Paloma Rodrigues disse...

Eu não gostei muito do filme, achei lutas de mais e Robin Hood de menos =)

Bj

pseudo-autor disse...

Achei magnífico!!! Não é à toa que Ridley Scott vem se especializando no gênero nos últimos anos. Ele reapresentou o personagem de uma forma corajoso (sem aquele romantismo bobo de versões passadas).

Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Rodrigo Fernandes disse...

Scott já perdeu seu punch de grande realizador faz tempo. "Cruzada", "Um bom ano", "Os vigaristas" e até o superestimado (pelos motivos errados) "Falcão negro em perigo", sinalizam para um diretor aquém de sua própria história. Em Robin Hood temos ainda sua marca registrada - uma estética bombástica, invencível - mas Scott se perde numa história frouxa e autoreferente.

Minha análise completa, aqui:

http://www.adorocinema.com/colunas/os-cabecas-duras/

Abraços a todos

Rodrigo Fernandes.

ANA RODRIGUES disse...

Eu gostei bastante de Robin Hood. E achei sua análise muito interessante. Sydow e Blanchett são a alama do filme.

ANA RODRIGUES disse...

BLANCHETT E SYDOW SÃO A ALMA DO FILME