Como no campo da ficção história é lícito inventar, desde que não se contrarie o que esteja documentado, Scott fez do herói um arqueiro do exército com o qual Ricardo Coração de Leão foi lutar na Terceira Cruzada. Um personagem que esteve presente no cerco à fortaleza de Chalus-Chabrol, na França, onde o monarca morreu por meio de uma flecha disparada por um cozinheiro – mostrado, aliás, em close, porque o diretor costuma destacar a participação dos trabalhadores na ação dramática. Observado do ângulo em que Robin se situa, o cotidiano da batalha se assemelha à rotina dos operários numa fábrica. Em compensação, um letreiro comete a impropriedade de dizer que, após seu regresso do oriente, de passagem pela França e sem dinheiro, Ricardo resolveu saquear alguns castelos pelo caminho.
Na realidade ele estava sufocando uma revolta de seus vassalos na França, que aproveitaram a sua ausência da Europa para se rebelar. É que o rei da Inglaterra possuía vastos territórios no continente – quase um terço do que hoje é a França – de onde viera a sua família. Inclusive os cronistas afirmam que ele mal sabia falar inglês. Outra inexatidão de Scott é colocar o conflito com o rei Felipe II da França como se fosse uma guerra entre nações. Naquele tempo, os monarcas europeus eram quase todos parentes entre si e as guerras significavam imensas brigas de família.
Não existia o sentimento que hoje chamamos de patriotismo e que, ao final do filme, movimenta a batalha de defesa do litoral britânico contra um ataque de navios franceses comandado por Felipe II. Além de se parecer visualmente com a invasão dos aliados à Normandia em 1942, com os soldados desembarcando de barcaças muito parecidas, esse fato é inteiramente fictício. Felipe até chegara a se preparar para uma expedição invasora, mas foi seu filho Luis que conseguiu invadir a ilha em 1216. Igualmente imaginário é aquele grupo de centenas de terroristas franceses atacando os nobres na Inglaterra se fazendo passar por emissários do rei João.
Mas a par dessas ousadias que poderão irritar os puristas da historiografia, o filme oferece muitas qualidades. Em primeiro lugar, a fidelidade à história social e cultural: nada de roupinha verde ou bigodinho à lá Errol Flynn, por exemplo. Segundo o protesto de Lady Marion, majestosamente vivida por Kate Blanchet, o herói se vestia de cota de malha e cheirava mal. Além da aventura e do suspense, o filme apresenta uma forte acentuação dramática, na qual o personagem de Max Von Sidow, como uma espécie de pai adotivo de Robin, tem uma participação emocionante. Por sua vez, o componente visual do filme é irretocável, com destaque para os feudos, os palácios, as batalhas e a impressionante chegada da frota real àquilo que teria sido Londres daquele tempo. O aspecto mais curioso e imaginativo do roteiro, porém, é desenhar Robin Hood como o mentor intelectual da Magna Carta Libertatum, assinada por João Sem Terra em 1215. Há muito assassinado, o pai do protagonista teria sido o próprio redator do documento. Engrandecido como personagem, Robin chega proferir um discurso em prol da liberdade diante do monarca e seus barões. E nessa fala, Scott revela com clareza o horizonte ideológico daquele tempo, ao definir a essência política do que significava a palavra “liberdade”, que é o princípio tribal da reciprocidade – esse um forte legado tradicional das comunidades bárbaras. O documento exigia que o rei mantivesse reciprocamente o respeito e a lealdade aos seus vassalos. Assim como o cineasta que, mesmo se deixando levar pela imaginação, respeita e homenageia a inteligência de seu público.
ROBIN HOOD
Robin Hood
estreia 14 05 2010
Distribuição Paramount
EUA/Reino Unido – 2010 - 140 min. - 12 anos
Direção Ridley Scott
Gênero História / Ação / Política
Com Russell Crowe, Cate Blanchett e Max von Sydow
Robin Hood
estreia 14 05 2010
Distribuição Paramount
EUA/Reino Unido – 2010 - 140 min. - 12 anos
Direção Ridley Scott
Gênero História / Ação / Política
Com Russell Crowe, Cate Blanchett e Max von Sydow
COTAÇÃO
***
BOM
***
BOM
5 comentários:
Eu não gostei muito do filme, achei lutas de mais e Robin Hood de menos =)
Bj
Achei magnífico!!! Não é à toa que Ridley Scott vem se especializando no gênero nos últimos anos. Ele reapresentou o personagem de uma forma corajoso (sem aquele romantismo bobo de versões passadas).
Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com
Scott já perdeu seu punch de grande realizador faz tempo. "Cruzada", "Um bom ano", "Os vigaristas" e até o superestimado (pelos motivos errados) "Falcão negro em perigo", sinalizam para um diretor aquém de sua própria história. Em Robin Hood temos ainda sua marca registrada - uma estética bombástica, invencível - mas Scott se perde numa história frouxa e autoreferente.
Minha análise completa, aqui:
http://www.adorocinema.com/colunas/os-cabecas-duras/
Abraços a todos
Rodrigo Fernandes.
Eu gostei bastante de Robin Hood. E achei sua análise muito interessante. Sydow e Blanchett são a alama do filme.
BLANCHETT E SYDOW SÃO A ALMA DO FILME
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