"Viajo porque preciso, volto porque te amo" é uma inacreditável experiência que bombardeia a fronteira entre o documentário e a ficção. Assinado por dois diretores Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, o filme ganhou os prêmios de Melhor Direção e Melhor Fotografia do Festival do Rio 2009 e também participou do Festival de Veneza. Foi quase inteiramente montado a partir de filmagens operacionais realizadas para a pesquisa de locações para “O Céu de Suely” ( exibido na mostra Orizzonti – Veneza 2006), de Karim Aïnouz, e de “Cinema, Aspirinas e Urubus” (premiado na mostra ‘Um Certo Olhar’ do festival de Cannes em 2005), de Marcelo Gomes. Trata-se de um caso talvez inédito de desenvolvimento de uma narrativa ficcional em função de um conjunto heterogêneo de imagens disponíveis.
O roteiro imagina um geólogo que estaria viajando pelo sertão nordestino, colhendo dados para o projeto de construção de um canal de irrigação. Esse personagem jamais aparece visualmente e só que temos dele é a voz em off, como se ele estivesse registrando um relatório de viagem num gravador portátil. Uma voz que interage com as imagens digitais, muitas vezes frias e precárias que ele mesmo vai captando: aqui uma moradia rural, ali uma feira, acolá um hotel paupérrimo. Há também algumas entrevistas, com famílias sertanejas e prostitutas de beira de estrada, por exemplo. E tudo isso passa a funcionar como se fossem tomadas subjetivas desse protagonista interpretado pelo competente pernambucano Irandhir Santos (“Besouro” e “Quincas Berro d’Água”). A história em si, não tem muita importância, mas pode-se dizer que, durante a viagem, o geólogo vai descrevendo as transformações mentais e afetivas que sofre, em contato íntimo com a aridez daquele ambiente e a tormenta da solidão. Ele não viaja para se divertir e nem o filme tem esse propósito. Espanto e estranhamento, junto com o prazer de observar algo absolutamente novo são algumas das sensações que ele pode provocar. Podemos entendê-lo como a rebeldia de uma coleção imagens digitais confinadas num disco rígido que exigiram para si um drama e um ator para lhes atribuir um novo sentido. E, como criadores sacudidos por esses simulacros de criaturas sepultadas num arquivo morto, Marcelo e Karim foram os médiuns que as trouxeram de volta à luz e à vida nas telas.
Em outras palavras, aquelas imagens que em sua captação original eram estritamente documentais foram inseridas num contexto ficcional e ganharam outro significado. Mais ou menos como fazia Duchamp com objetos prosaicos e utilitários que ele transformava em elementos de um discurso estético. E aí ocorre um rompimento com uma das principais características praticamente exclusivas do cinema documentário e que vem servindo inclusive para diferenciá-lo do filme de ficção, ou seja, a continuidade entre o universo que se posiciona à frente e o outro, que se se situa por atrás da câmera. Numa filmagem de ficção, por mais simples que seja, sempre há um conjunto de coisas e pessoas que pode ser chamado de bastidores, ou “backstage”. Isso também existia no chamado “documentário clássico”, que frequentemente recorria à encenação. Mas quando a câmara se coloca diretamente no mundo, desprovida da mencionada parafernália, é muito provável que ela esteja a serviço de um documentário, como vem acontecendo desde os anos 1960, graças ao advento do som direto e da crescente mobilidade das máquinas de filmar. Em suma, VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO prova que ainda há espaço criativo para o cinema experimental.
O roteiro imagina um geólogo que estaria viajando pelo sertão nordestino, colhendo dados para o projeto de construção de um canal de irrigação. Esse personagem jamais aparece visualmente e só que temos dele é a voz em off, como se ele estivesse registrando um relatório de viagem num gravador portátil. Uma voz que interage com as imagens digitais, muitas vezes frias e precárias que ele mesmo vai captando: aqui uma moradia rural, ali uma feira, acolá um hotel paupérrimo. Há também algumas entrevistas, com famílias sertanejas e prostitutas de beira de estrada, por exemplo. E tudo isso passa a funcionar como se fossem tomadas subjetivas desse protagonista interpretado pelo competente pernambucano Irandhir Santos (“Besouro” e “Quincas Berro d’Água”). A história em si, não tem muita importância, mas pode-se dizer que, durante a viagem, o geólogo vai descrevendo as transformações mentais e afetivas que sofre, em contato íntimo com a aridez daquele ambiente e a tormenta da solidão. Ele não viaja para se divertir e nem o filme tem esse propósito. Espanto e estranhamento, junto com o prazer de observar algo absolutamente novo são algumas das sensações que ele pode provocar. Podemos entendê-lo como a rebeldia de uma coleção imagens digitais confinadas num disco rígido que exigiram para si um drama e um ator para lhes atribuir um novo sentido. E, como criadores sacudidos por esses simulacros de criaturas sepultadas num arquivo morto, Marcelo e Karim foram os médiuns que as trouxeram de volta à luz e à vida nas telas.
Em outras palavras, aquelas imagens que em sua captação original eram estritamente documentais foram inseridas num contexto ficcional e ganharam outro significado. Mais ou menos como fazia Duchamp com objetos prosaicos e utilitários que ele transformava em elementos de um discurso estético. E aí ocorre um rompimento com uma das principais características praticamente exclusivas do cinema documentário e que vem servindo inclusive para diferenciá-lo do filme de ficção, ou seja, a continuidade entre o universo que se posiciona à frente e o outro, que se se situa por atrás da câmera. Numa filmagem de ficção, por mais simples que seja, sempre há um conjunto de coisas e pessoas que pode ser chamado de bastidores, ou “backstage”. Isso também existia no chamado “documentário clássico”, que frequentemente recorria à encenação. Mas quando a câmara se coloca diretamente no mundo, desprovida da mencionada parafernália, é muito provável que ela esteja a serviço de um documentário, como vem acontecendo desde os anos 1960, graças ao advento do som direto e da crescente mobilidade das máquinas de filmar. Em suma, VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO prova que ainda há espaço criativo para o cinema experimental.
VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Brasil, 2009, 75 min, 14 anos.
estréia 07 05 2010
Distribuição Espaço Filmes
Gênero Drama / documentário
Direção Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Com Irandhir Santos
COTAÇÃO
* * *
B O M
Brasil, 2009, 75 min, 14 anos.
estréia 07 05 2010
Distribuição Espaço Filmes
Gênero Drama / documentário
Direção Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Com Irandhir Santos
COTAÇÃO
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