Numa noite em que os curtas ofereceram mais e melhor cinema que o longa, o documentário musical "Nós Somos um Poema" dos cariocas Sergio Sbragia e Beth Formaggini chamaram atenção para uma parceria de Vinicius de Morais que talvez tenha sido seminal para explicar toda a transformação da MPB a partir de meados no século passado: a que foi estabelecida com Pixinguinha, por meio do filme "Sol Sobre Lama"(1963) de Alex Viany que, por sua vez, se localiza na raiz do que foi o cinema novo. Mais uma vez se confirma a idéia de que as origens da bossa nova estão ligadas às mudanças estéticas e culturais proposta pelo cinema brasileiro em vulcânica evolução. Na qualidade de curta, o filme traz depoimentos curtos e muito bem posicionados, como o de Gessy Gesse, uma das atrizes que anos depois se casaria com Vinícius e abriria os portais do poeta à sua fase baiana, apresentando-o a Mãe Menininha do Gantois. Com Pixinguinha (segunda foto abaixo), ele já tentava compor uma canção de referência yorubá em homenagem a Yemanjá, mas, que pecava pelo refrão que incluia a saudação umbandista "saravá".
Aliás, toda a safra dos afro-sambas que ele faria com Baden Powell se ressentia de uma aproximação mais íntima profunda com as casas de culto da linha ketu (com toda bagagem rítmica e melódica dos alabês tradicionais de candomblé) que ele só absorveu na fase Toquinho, a partir do que a saudação aos encantados étnicamente correda passava a ser "motumbá". Além de cenas de arquivo inéditas e surpreendentes, outro aspecto artísticamente ousado, especialmente para um curta, é a reconstituição de algumas gravações (na foto acima) daquela histórica trilha sonora da qual fizeram parte Elza Soares e outras entrevistadas, como as mineiras do Quarteto em Cy. Também surpreendeu o curta "Os Sapatos de Aristeu", de Luis René Guerra, formado pela FAAP de São Paulo. Pela requintada fortografia em branco e preto e pela inquietante sugestão do funeral de um travesti. Justamente pelo comportamento da mãe e da irmã dele, interpretadas por Bertha Zemmel (foto abaixo) e Denise Weinberg. Pelo nome delas e pelo modo como prepararam o enterro, na linha da tradição judaica.
Já o longa-metragem "Praça Saens Peña" de Vinicius Reis decepcionou, por causa da má qualidade da cópia apresentada, que proporcionou uma projeção escura demais, e por conta do roteiro estruturalmente equivocado. A crise doméstica afetando uma família de classe média residente naquele local da zona norte carioca poderia até render uma história de interesse humano, se fosse melhor trabalhada em termos dramáticos. Mas seu desenrolar é sistematicamente interrompida por intervenções, digamos pretensamente documentais. Apesar de interpretado pelo competente Chico Diaz, o protagonista se envolve em longas e tediosas discussões com um editor que lhe encomendara um livro sobre o bairro da Tijuca. E a narrativa simplesmente estaciona para que ele possa entrevistar Aldir Blanc, um "morador ilustre" do local (foto abaixo). Em seu desfecho a trama parece mal costurada, como se ainda faltasse um pedaço para a conclusão, deixando para a voz "em off" de um personagem enunciar o modo como o conflito central se resolveu.
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