Mas o prefácio do filme não termina aí. Ainda que suavizadas pela ambientação noturna, as cores da cena subseqüente surpreendem também pela definição da imagem, bem dura e contrastada, justamente como se filmava em meados nos ano 50 – época em que se ambienta a encenação na tela, mostrando o primeiro encontro entre Fidel Castro e Ernesto Guevara, no México. Terminada a conversa em que os dois celebram a parceria para lutar contra o governo de Cuba, saberemos que o objeto principal do filme é a trajetória do protagonista em Sierra Maestra, até a conquista do poder, uma narrativa que se inicia logo na seqüência seguinte. E que também causa surpresa com uma textura de imagem diferente das anteriores, talvez captada com câmaras digitais de alta definição.
Com essa tomada, o autor deixa combinado a chave para entendermos a triplicidade do plano imagético da obra: o pronunciamento da ONU em 64; a conversa com Fidel no México em 55; a guerrilha em Cuba em 58. E nela, coloca-se em primeiro plano a asma de que padece o herói, que consiste numa das raras características pessoais incluídas na construção do personagem. Do homem que foi Ernesto Guevara ficamos sabendo muito pouco, além da sua voz, da aparência física e de algumas de suas idéias que ouvimos pela voz em off, em que ele lê trechos de seus livros ou dialoga com uma repórter americana. O personagem se define quase que apenas pela ação física, sem conflitos internos e, portanto, sem dramaticidade. Quase como uma figura de livro didático colocada em movimento para animar o relato factual dos acontecimentos. Dito de outro modo, o estilo de Steven Sorderbegh se aproxima aqui do chamado “docudrama”, em que apesar dessa palavra, a narrativa troca o dramático pelo descritivo.
Ou seja, os fatos encenados nem sempre estão no roteiro porque colaboram com (ou dificultam) a conquista do objetivo que orienta o herói (a derrubada da ditadura de Batista). Muitos desses eventos se mostram circunstanciais e anedóticos, como o caso do guerrilheiro ferido por trás e que, por isso, teria de lutar com as calças arriadas. E outros parecem servir à necessidade de ocultar determinadas intimidades do comandante. É o caso da bela guerrilheira interpretada por Catalina Sandino Moreno (foto acima) com a qual, apesar de ser sua companhia constante, não o vemos trocar nem ao menos um olhar carinhoso. Apenas a virtuosa informação de que, após a vitória, ele iria reencontrar a esposa e a filha no México.
A energia gasta em imitar um documentado é impressionante, em especial no que se refere à atuação de Benício Del Toro, cujo peso parece variar em mais de 20 quilos, para diferenciar a silueta de Che antes, durante e depois da guerrilha. De resto, a trama praticamente estaciona naquela fase em que Che atua mais como médico do que combatente, no comando de uma coluna que transporta os feridos e corresponde à parte mais longa do espetáculo. Reflexões profundas (sempre em off) sobre os destinos do capitalismo e da humanidade convivem com eventos corriqueiros, como os guerrilheiros que desertam e passam a roubar os camponeses. E, o que é mais grave, as decisões do protagonista deixam de ter influência no resultado global do movimento, cujo comando se acha nas mãos de Fidel Castro (foto abaixo), Camilo Cienfuegos e Raul Castro – este interpretado por Rodrigo Santoro, aparecendo apenas em duas ou três passagens. Aliás, geralmente esses líderes só entram em cena para transmitir ordens ou instruções ao personagem central. De tal modo que, por diversas vezes, as falas do ator interpretando Fidel Castro repetem (para Che e para o público) que ele precisa permanecer vivo porque “é uma figura muito importante para o futuro da revolução”. Isto é, para a 2ª parte do filme, estrear brevemente.
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