Lançado numa única sala, aliás, naquele espaço de resistência que é o cine Belas Artes da Consolação, “Meu Mundo em Perigo” confirma a idéia de estilos, ou formas de olhar o mundo que repetem em obras de diferentes artistas ou nas diversas obras de um único autor. Assim como Walter Hugo Khoury ou Woody Allen, o diretor José Eduardo Belmonte faz com que seus filmes sejam cotejados uns com os outros para que, do confronto, surjam novas reflexões. Este é uma espécie de continuação de “Se Nada mais der Certo” (2009). Inclusive começa no mesmo local em que o lançado anteriormente termina. Ou seja, uma praia paulista onde os personagens tentam se limpar por dentro, com as ondas que espumam na beira do mar.
A presença do babalorixá Ronaldo De Oxum na ficha técnica de ambas as produções mostra que esses dois títulos se constroem sobre um terreno comum da cultura afro-brasileira. Uma linha devocional que, por sua própria natureza, prefere se resguardar de olhares nocivos e permanecer um pouco na sombra. Na trilha sonora, vez por outra se ouve a voz da Ebomi Delza do Gantois entoando Oromimao − uma bela cantiga de Oxum, acompanhada por Yomar, o assobá da casa. Antigamente isso era secreto, mas agora a internet já explica que é assim que se chama o responsável pelo culto a Obaluaê, o orixá dono da terra.
A cidade de São Paulo é essa terra (a 600 metros acima do mar) em que aflora o drama: um fotógrafo entra em crise quando a ex-mulher se cura do vício e recupera a guarda do filho. Desesperado, ele atropela um desconhecido e se esconde num hotel decadente do centro, que se chama Paramount e usa o mesmo logotipo dessa empresa multinacional. A propósito, a máquina fotográfica do protagonista é uma velha Polaroid, um dos raros resquícios ainda vivos da imagem analógica no mundo de hoje.
Na cidade grega clássica, o centro era o local do encontro. Já em São Paulo, ele é a sede da dor e da solidão, que tem como um de seus núcleos secretos, a Igreja das Almas, na Praça da Liberdade que, aliás, já foi o Largo dos enforcados. É assim que Belmonte articula a trama nas entrelinhas do roteiro. A metrópole gigantesca direciona a movimentação nessa tragédia de vidas pequenas, escorrendo por feiras livres, vagões de metrô, bancas de jornais e botecos infectos. Uma paisagem cuja degradação urbana corresponde ao mundo interior das pessoas, como no film noir e no expressionismo alemão. De vez em quando, o barulho da rua costuma suplantar os diálogos que, de resto, significam menos do que os gritos e o pranto dos personagens centrais. O de Milhem Cortaz berra pela rua, mas ninguém escuta. O de Rosane Mulholland se tranca no armário para gritar e o de Eucir de Souza chora em silêncio.
A presença do babalorixá Ronaldo De Oxum na ficha técnica de ambas as produções mostra que esses dois títulos se constroem sobre um terreno comum da cultura afro-brasileira. Uma linha devocional que, por sua própria natureza, prefere se resguardar de olhares nocivos e permanecer um pouco na sombra. Na trilha sonora, vez por outra se ouve a voz da Ebomi Delza do Gantois entoando Oromimao − uma bela cantiga de Oxum, acompanhada por Yomar, o assobá da casa. Antigamente isso era secreto, mas agora a internet já explica que é assim que se chama o responsável pelo culto a Obaluaê, o orixá dono da terra.
A cidade de São Paulo é essa terra (a 600 metros acima do mar) em que aflora o drama: um fotógrafo entra em crise quando a ex-mulher se cura do vício e recupera a guarda do filho. Desesperado, ele atropela um desconhecido e se esconde num hotel decadente do centro, que se chama Paramount e usa o mesmo logotipo dessa empresa multinacional. A propósito, a máquina fotográfica do protagonista é uma velha Polaroid, um dos raros resquícios ainda vivos da imagem analógica no mundo de hoje.
Na cidade grega clássica, o centro era o local do encontro. Já em São Paulo, ele é a sede da dor e da solidão, que tem como um de seus núcleos secretos, a Igreja das Almas, na Praça da Liberdade que, aliás, já foi o Largo dos enforcados. É assim que Belmonte articula a trama nas entrelinhas do roteiro. A metrópole gigantesca direciona a movimentação nessa tragédia de vidas pequenas, escorrendo por feiras livres, vagões de metrô, bancas de jornais e botecos infectos. Uma paisagem cuja degradação urbana corresponde ao mundo interior das pessoas, como no film noir e no expressionismo alemão. De vez em quando, o barulho da rua costuma suplantar os diálogos que, de resto, significam menos do que os gritos e o pranto dos personagens centrais. O de Milhem Cortaz berra pela rua, mas ninguém escuta. O de Rosane Mulholland se tranca no armário para gritar e o de Eucir de Souza chora em silêncio.
2 comentários:
Salve.
Desde a radio Cultura FM sigo o Cinema Falado. Ficava de plantão as 11 ou as 15 horas para ouvi-lo. Pensei que havia parado quando, por razões desconhecidas, saiu da referida emissora. Dias atras, pesquisando arquivos da rádio USP na Internet, legal, encontrei o programa em novo endereço e com a disponibilidade de acesso ao arquivo online. Mas não foi para contar minha história que estou escrevendo. E, sim, para indagar se a data de estreía de Meu Mundo em Perigo não teve um lapso ortográfico? Se não for, desculpe meu equivoco.
Espero ter ajudado.
Oubí Inaê Kibuko, fotógrafo. Cidade Tiradentes para o mundo...
Desculpe a demora em responder. Mas agradeço por notar o erro.
Pensei que vc fosse comentar o conteúdo do texto falando de cânticos sagrados...
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