O ritmo e o poder de envolvimento da narrativa de “Tropa de Elite 2” se acham à altura dos grandes filmes internacionais de suspense. Fotografia, direção de arte e montagem impressionam pela fluência, numa história que evolui nervosa como um documentário contemporâneo, mas que não dispensa virtuosismos de linguagem e nem passagens de intensa dramaticidade: em sua primeira exibição pública para uma plateia de 1.300 pessoas, por três vezes, o filme foi aplaudido em cena aberta. Um dia antes de seu lançamento no cinemas, já é quase consenso de que a continuação supera o primeiro “Tropa de Elite” porque, além de investir na continuidade, os roteiristas atualizaram o discurso, estabelecendo conexões mais profundas com a realidade atual.
Começa com um motim no presídio do Bangu no Rio de Janeiro. Os presos fazem reféns e o BOPE é chamado para intervir, com o coronel Nascimento (Wagner Moura) no comando da operação. Ele se posiciona numa sala em que todas as câmeras de vigilância do presídio são monitoradas e, de lá, comunica-se por rádio com o encarregado do ataque, que é seu pupilo, o capitão Matias (André Ramiro), enquanto vai pedindo ao operador de vídeo as precárias movimentações de ângulo e enquadramento que as tais câmeras podem realizar. Nessa posição que, aliás, foi escolhida para ilustrar a capa do livro e o pôster, é como se ele estivesse dirigindo um filme dentro do filme, manipulando atores e equipamento de som e imagem.
O clima remete de imediato ao curioso thriller espanhol “Cela 211” (Daniel Monzón, 2009), que foi lançado no Brasil apenas em DVD. Na linha de frente, os soldados já têm os amotinados sob a mira dos fuzis quando, por telefone, o Secretário de Segurança Pública ordena ao coronel: “Não quero outro Carandiru!”. É claro que ele se refere à carnificina ocorrida no presídio paulista em 1992, durante uma rebelião. Numa outra leitura, entretanto, poderíamos ouvir aí a voz dos produtores advertindo o diretor José Padilha quanto à necessidade de se diferenciar claramente da premiada obra “Carandiru”, lançada em 2003. Segundo Eduardo Escorel (Revista Piauí #27, 2009), apesar da sua indiscutível qualidade cinematográfica, aquele filme de Hector Babenco se encerrava com um plano documental registrando a implosão do presídio e que, assim tão concretamente conclusivo, eliminaria a ambiguidade do espetáculo. Ou seja, procurava “causar impacto cuidando, ao mesmo tempo, de apaziguar o espectador”.
É exatamente isso que “Tropa de Elite 2” busca evitar o tempo todo. Se o primeiro da série chegou a ser tachado de desenhar uma apologia da violência policial, a proposta agora é apontar todos os integrantes de uma corrente perversa aqui chamada de “o sistema”. Ainda que a cúpula desse organismo seja formada pelos líderes da corrupção – tais como determinados policiais e políticos – todos nós fazemos parte dele. Isto é, traficantes e demais bandidos justificam a existência dos milicianos mantidos pela população, que julgam ser por eles protegidos. Estes se organizam numa espécie de máfia que oferece sustentação e se apoia em autoridades públicas eleitas pelo povo. Quando não são cúmplices, por consumirem os produtos do tráfico, os cidadãos pecam por omissão ou incompetência. Assim, voltando ao motim que abre filme, quando o subalterno do Coronel Nascimento faz exatamente aquilo para o que fora treinado e mata diante das câmaras de TV o bandido que apontava uma arma para um refém, verifica-se uma primeira fratura no andamento da narrativa.
A propósito, há um incidente dessa mesma natureza no encerramento do memorável documentário “Ônibus 174” (2002), com o qual José Padilha dava início à carreira de cineasta. Aqui, porém, essa cena funciona como gatilho da história. Nascimento é afastado do comando do batalhão e assume a Subsecretaria de Inteligência do Estado do Rio de Janeiro, de onde passa a observar melhor e a interagir com o crime organizado. Por causa dele, o BOPE é militarmente fortalecido, a ponto de diminuir a força dos traficantes. Em consequência, os rendimentos destes e dos policiais por eles subornados diminuem sensivelmente. Como resultado, essa banda podre da polícia passa a ser o fundamento das milícias, ainda mais nocivas e violentas. Ao se associar com políticos e até com figuras da mídia, elas criam uma organização mais letal que aquela máfia mostrada nos filmes americanos.
Por meio de um travelling aéreo da Esplanada dos Ministérios à Praça dos Três Poderes, Padilha generaliza a abrangência do conceito de “sistema”. E sublinha o enunciado com falas do personagem central, como “no Brasil, eleição é negócio”, ou “os políticos não dependem do sistema para ganhar dinheiro, mas para se eleger”. É inegável a sintonia entre essas imagens e o noticiário político atual, cada vez mais abundante em ternos de escândalos e falcatruas. Contido e amargurado, mas a ponto de desabar a qualquer momento Wagner Moura carrega no rosto todas as contradições deste personagem quase trágico, que parece se debater com forças cada vez mais incontornáveis: “tudo o que tentei construir resultou no oposto do que eu planejava”.
Se “Tropa de Elite 2” fosse apenas isso, poderia até ser acusado de didático ou panfletário, mas tudo o que explica e denuncia se mostra integrado ao drama pessoal do Coronel Nascimento. O refém da primeira sequência (Irandhir Santos) é um militante em prol dos Direitos Humanos que, por coincidência, se casara com a sua ex-mulher. Portanto, o filho desse casal separado cruza a adolescência dividido entre dois modelos antagônicos de figura paterna. Essa estratégia narrativa perigosamente limítrofe ao melodrama pode não ser rigorosamente verossimilhante, mas tem a vantagem de aguçar os conflitos, fazendo-os convergir de maneira explosiva numa elipse de tempo que focaliza a situação alguns anos mais tarde: o filho já o despreza explicitamente, o padrasto se elege deputado e procura a imprensa para desmascarar o “sistema”. Só que este se acha plenamente consolidado − a ponto de usar o próprio BOPE como instrumento em seus projetos de poder e ampliação. Esses são os dados que Padilha e seus personagens lançam à mesa para provocar as incômodas emoções de um encerramento que nada tem de apaziguador para as nossas consciências.
Começa com um motim no presídio do Bangu no Rio de Janeiro. Os presos fazem reféns e o BOPE é chamado para intervir, com o coronel Nascimento (Wagner Moura) no comando da operação. Ele se posiciona numa sala em que todas as câmeras de vigilância do presídio são monitoradas e, de lá, comunica-se por rádio com o encarregado do ataque, que é seu pupilo, o capitão Matias (André Ramiro), enquanto vai pedindo ao operador de vídeo as precárias movimentações de ângulo e enquadramento que as tais câmeras podem realizar. Nessa posição que, aliás, foi escolhida para ilustrar a capa do livro e o pôster, é como se ele estivesse dirigindo um filme dentro do filme, manipulando atores e equipamento de som e imagem.
O clima remete de imediato ao curioso thriller espanhol “Cela 211” (Daniel Monzón, 2009), que foi lançado no Brasil apenas em DVD. Na linha de frente, os soldados já têm os amotinados sob a mira dos fuzis quando, por telefone, o Secretário de Segurança Pública ordena ao coronel: “Não quero outro Carandiru!”. É claro que ele se refere à carnificina ocorrida no presídio paulista em 1992, durante uma rebelião. Numa outra leitura, entretanto, poderíamos ouvir aí a voz dos produtores advertindo o diretor José Padilha quanto à necessidade de se diferenciar claramente da premiada obra “Carandiru”, lançada em 2003. Segundo Eduardo Escorel (Revista Piauí #27, 2009), apesar da sua indiscutível qualidade cinematográfica, aquele filme de Hector Babenco se encerrava com um plano documental registrando a implosão do presídio e que, assim tão concretamente conclusivo, eliminaria a ambiguidade do espetáculo. Ou seja, procurava “causar impacto cuidando, ao mesmo tempo, de apaziguar o espectador”.
É exatamente isso que “Tropa de Elite 2” busca evitar o tempo todo. Se o primeiro da série chegou a ser tachado de desenhar uma apologia da violência policial, a proposta agora é apontar todos os integrantes de uma corrente perversa aqui chamada de “o sistema”. Ainda que a cúpula desse organismo seja formada pelos líderes da corrupção – tais como determinados policiais e políticos – todos nós fazemos parte dele. Isto é, traficantes e demais bandidos justificam a existência dos milicianos mantidos pela população, que julgam ser por eles protegidos. Estes se organizam numa espécie de máfia que oferece sustentação e se apoia em autoridades públicas eleitas pelo povo. Quando não são cúmplices, por consumirem os produtos do tráfico, os cidadãos pecam por omissão ou incompetência. Assim, voltando ao motim que abre filme, quando o subalterno do Coronel Nascimento faz exatamente aquilo para o que fora treinado e mata diante das câmaras de TV o bandido que apontava uma arma para um refém, verifica-se uma primeira fratura no andamento da narrativa.
A propósito, há um incidente dessa mesma natureza no encerramento do memorável documentário “Ônibus 174” (2002), com o qual José Padilha dava início à carreira de cineasta. Aqui, porém, essa cena funciona como gatilho da história. Nascimento é afastado do comando do batalhão e assume a Subsecretaria de Inteligência do Estado do Rio de Janeiro, de onde passa a observar melhor e a interagir com o crime organizado. Por causa dele, o BOPE é militarmente fortalecido, a ponto de diminuir a força dos traficantes. Em consequência, os rendimentos destes e dos policiais por eles subornados diminuem sensivelmente. Como resultado, essa banda podre da polícia passa a ser o fundamento das milícias, ainda mais nocivas e violentas. Ao se associar com políticos e até com figuras da mídia, elas criam uma organização mais letal que aquela máfia mostrada nos filmes americanos.
Por meio de um travelling aéreo da Esplanada dos Ministérios à Praça dos Três Poderes, Padilha generaliza a abrangência do conceito de “sistema”. E sublinha o enunciado com falas do personagem central, como “no Brasil, eleição é negócio”, ou “os políticos não dependem do sistema para ganhar dinheiro, mas para se eleger”. É inegável a sintonia entre essas imagens e o noticiário político atual, cada vez mais abundante em ternos de escândalos e falcatruas. Contido e amargurado, mas a ponto de desabar a qualquer momento Wagner Moura carrega no rosto todas as contradições deste personagem quase trágico, que parece se debater com forças cada vez mais incontornáveis: “tudo o que tentei construir resultou no oposto do que eu planejava”.
Se “Tropa de Elite 2” fosse apenas isso, poderia até ser acusado de didático ou panfletário, mas tudo o que explica e denuncia se mostra integrado ao drama pessoal do Coronel Nascimento. O refém da primeira sequência (Irandhir Santos) é um militante em prol dos Direitos Humanos que, por coincidência, se casara com a sua ex-mulher. Portanto, o filho desse casal separado cruza a adolescência dividido entre dois modelos antagônicos de figura paterna. Essa estratégia narrativa perigosamente limítrofe ao melodrama pode não ser rigorosamente verossimilhante, mas tem a vantagem de aguçar os conflitos, fazendo-os convergir de maneira explosiva numa elipse de tempo que focaliza a situação alguns anos mais tarde: o filho já o despreza explicitamente, o padrasto se elege deputado e procura a imprensa para desmascarar o “sistema”. Só que este se acha plenamente consolidado − a ponto de usar o próprio BOPE como instrumento em seus projetos de poder e ampliação. Esses são os dados que Padilha e seus personagens lançam à mesa para provocar as incômodas emoções de um encerramento que nada tem de apaziguador para as nossas consciências.
TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO
Direção: José Padilha
Brasil - 2010 – 118 min. - 16 anos
estreia 08 10 2010
Gênero Policial / Política
Distribuição Zazen Produções
Com Wagner Moura, André Ramiro,
Irandhir Santos, Maria Ribeiro, Milhen Cortaz
COTAÇÃO
* * * *
Ó T I M O
Direção: José Padilha
Brasil - 2010 – 118 min. - 16 anos
estreia 08 10 2010
Gênero Policial / Política
Distribuição Zazen Produções
Com Wagner Moura, André Ramiro,
Irandhir Santos, Maria Ribeiro, Milhen Cortaz
COTAÇÃO
* * * *
Ó T I M O
4 comentários:
Tanta gente falando bem de Tropa 2 e eu não consegui ingresso para o fim de semana. "Será que é uma dar um pulo no centro?", me pergunto, "Lá, as salas são maiores". Preciso ver!
Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com
indispensável para quem gosta de cinema. Falo do filme mas plrincipalmente do blog, que nos dá outros filmes e outros angulos.
Tá indicado.
Abçs
Realmente é muito melhor do que o primeiro. Excelente.
EU ASSISTI!
Realmente muito melhor que o primeiro ...
roteiro 10.
E de certa forma um filme ,corajoso..."digamos assim"
Pelo fato,de abordar assuntos complexos...como (MILÍCIA)..e outras cositas mas ...
muito bom .
E vc caro ... blogueiro intermediador de informações .
Adoro suas descrições sobre os filmes .
bejus Cósmicos
e, até a proxima...
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