Encontre o que precisa buscando por aqui. Por exemplo: digite o título do filme que quer pesquisar

quarta-feira, 3 de junho de 2009

“Garapa” quer mostrar a fome no Brasil, por meio de três famílias carentes do Ceará

Chama-se “garapa” aquela mistura de água com açucar que as mães sem comida para dar aos filhos usam para “enganar a fome” das crianças. Houve época em que se costumava classificar os filmes inofensivos e melosos, sem qualquer dramaticidade mais forte, de “água-com-açucar”. Como sabemos, essa não é a linha de traballho de José Padilha. Antes de Tropa de Elite, ele já tinha se consagrado como documentarista com Ônibus 174, um soberbo trabalho de reconstituição de um seqüestro urbano que capturou o interesse de todo o país em 12 de junho de 2000 , na zona sul do Rio de Janeiro. O sequestro foi transmitido ao vivo pela televisão e, por isso, Padilha trabalhou com as imagens gravadas e investigou a origem do sequestrador. Por meio de uma reportagem minuciosa, entremeando entrevistas com material de arquivo e tomadas do ambiente, ele descreve o processo de transformação da criança de rua em bandido e especula sobre as causas da violência nas grandes cidades. O impacto dessa obra foi tal que a história foi recentemente adaptada para filme de ficção por Bruno Barreto em Última Parada 174, de 2008 (foto abaixo).
Agora Padilha volta ao documentário, mas abandona o formato “clássico” em que convivem vários recursos heurísticos e expressivos, como a entrevista, os dados estatísticos, a pesquisa de referências (de sons, imagens e idéias), o debate e até a encenação. Em Garapa, ele assume um estilo de documentário, no qual o cineasta se exime absolutamente de manipular e interferir no que é filmado. Na metodologia original do cinema “direto”, inaugurada no final da década de 1950 e no início dos anos 60, a câmara se posiciona como “uma mosca na parede”, apenas observando e registrando, sem jamais interagir com o objeto, para que o epectador possa chegar às suas próprias conclusões. A experiência seminal dessa vertente foi Les Racquetteurs, realizada no Canadá, em 1958: um filme de 17 minutos sobre uma convenção festiva típíca do Québec, que impressiona pela ruidosa euforia de seus participantes (foto abaixo). Eles, aliás, não precisam representar nada para a câmara, porque já estão “encenando” alegria e contentamento uns para os outros.
Garapa não tem nada a ver com festa ou alegria, mas Padilha endossa os princípios éticos e estéticos acima citados, convidando-nos a vivenciar a fome junto com quem a sofre. Ele declara:
“Essa é uma experiência que só pode ser compreendida quando você se cola em pessoas que, efetivamente, passam fome. Só assim é possível ter o entendimento ideal, que vai além do que se lê em estatísticas. Um entendimento emocional, sem nenhum filtro intelectual.”
Mas ele mesmo aplica um “filtro” de elegante branco e preto sobre todas as imagens do filme. Para quê? Para torná-las mais suportáveis − como a própria dor da fome, “enganada” pela água morna açucarada? Não seria isso uma forma gráfica de manipulação e interferência? Se couber ao público elaborar as suas próprias conclusões, como se configura um “entendimento emocional” a respeito do problema? Que efeito poderia resultar dessa overdose de imagens dolorosas, com seres humanos definhando em vida por falta de alimento? Indignação ou amortecimento?
Entre Les Racquetteurs e a de Garapa existem, é claro, diferenças de forma e conteúdo. O primeiro é uma celebração e o segundo um lamento. Um se limita a registrar um evento, ao interromper festivamente o cotidiano de uma cidade canadense, enquanto outro dá voz aos personagens centrais dessa tragédia instalada no dia-a-dia de três famílias. O que estes dizem ou deixam de dizer no filme depende, evidentemente, da edição e esta insinua coisas além do que designam as palavras, como a diferença de comportamento entre os homens e as mulheres. E como um inquietante sorriso estampado quase o tempo todo no rosto de uma moradora da periferia de Fortaleza. (foto acima). Mesmo quando se queixa do marido e quando a assistente social lhe pergunta porque ela não se separa e continua tendo filhos com ele. Será que, como dizia Glauber Rocha, o filme está denunciando os oprimidos para os opressores?
Garapa
Direção José Padilha
Brasil - 2008
Estréia 19/05/2009
Gênero; documentário
Distribuição: Downtown

Nenhum comentário: