A personagem de Irma Brown é confrontada pelos prédios e condomínios de Recife
Hoje vamos comentar o filme “O Som ao Redor”,
exibido pela primeira vez entre nós em janeiro de 2013. É possível que essa
revisão nos ajude a ver melhor “Aquarius”, a obra atual de Kleber Mendonça
Filho que se acha em cartaz.
Houve época em que os filmes brasileiros
se dividiam em duas categorias: urbanos e rurais. De modo geral, aqueles
ambientados no campo concentravam-se nas questões sociais, enquanto os situados
em cidades privilegiavam os temas de cunho psicológico ou existencial. Essa
fronteira, entretanto, vem sendo questionada pelo cinema
pernambucano.Concretamente, na história do país, litoral e sertão representam
duas faces da mesma moeda – inseparáveis em qualquer tentativa de compreender a
nossa realidade.
Em “O Som ao Redor”, tudo acontece numa
rua de Recife, onde os condomínios vêm tomando o lugar das casas. A cena se
inicia num play-ground de prédio, enquanto a câmera passa para uma rua
deserta. De repente, dois automóveis se chocam na esquina. Ou seja, o filme
acontece num mundo em que as crianças vivem presas nos pátios dos edifícios.
O ator Gustavo Jham em cena do filme
Ao redor do quê esse som do título se
manifesta? A resposta vem com o arrepio provocado pela chave de um vigia
riscando a pintura do automóvel cujo dono lhe pagara para proteger. Com vemos,
os ruídos não se resumem a acompanhar as falas e os gestos. Eles funcionam como
as vozes dos objetos. Esse é o caso da máquina de lavar e do aspirador, com os
quais uma das personagens costuma se relacionar fisicamente.
Por sua vez, os diálogos adquirem baixa
definição. As pessoas quase sempre falam baixo, sem impostação e nem brilho.
Isso, entretanto, não se aplica a dois personagens cujo discurso reproduz a
aspereza do relacionamento arquetípico entre um coronel e seu jagunço. A partir
desse antagonismo, o filme se desloca no tempo e no espaço, passando a
trabalhar com elementos míticos da cultura brasileira. Um deles é o
proprietário da maior parte dos imóveis da rua, enquanto o outro interpreta o
chefe de uma firma de segurança que chega para tomar conta do lugar. Por meio
dessas figuras tão comuns nas cidades modernas, até a derradeira cena do filme,
aquele bairro praiano de Recife terá se transformado na sucursal de um antigo
engenho sertanejo. Vale mesmo a pena ver e rever “O Som ao Redor”.
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