Textos de Luciano Ramos (jornalista, sociólogo e escritor paulista) sobre crítica de filmes nacionais e internacionais, reflexão a respeito da arte cinematográfica, notícias sobre o mundo do cinema, inserção do cinema na história da cultura, patrimônio histórico e cultural.
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Capa da mais nova edição da coleção lançada pela Versátil Filmes
Se existe um tipo de espetáculo cinematográfico
que evoluiu de modo impressionante nos últimos tempos é, sem dúvida, o
gênero da ficção científica. É inegável o resultado das transformações na
tecnologia de produção de imagens. Uma parcela importante do público,
entretanto, se lembra com saudade dos clássicos daquele gênero cuja
criatividade, associada a certa ingenuidade narrativa, compensavam a ausência dos
recursos atuais.
Acaba de ser lançada a "Clássicos Sci-fi Vol.3", 3º volume de uma coletânea de clássicos do cinema de ficção científicas, com 3 DVDs que reúne 6 cultuados filmes, incluindo versões inéditas e restauradas e contendo uma hora
e meia de extras, com documentários e entrevistas. No primeiro disco temos "Repo Man - Onda Punk" (cujo trailer pode ser visto acima), de 1984. O diretor é o inglês Alex Cox que, em 1986, ganhou o
prêmio da crítica na Mostra Internacional de São Paulo, com o filme “Sid e
Nancy”, sobre o baixista da banda inglesa Sex Pistols. “Repo Man” é o papel de Emilio
Estevez, um jovem cujo trabalho é recuperar carros que não foram pagos. Ele
conhece um cientista louco que sequestrou alienígenas.
Cena do filme "Colossus 1980"
Nos anos de 1970, a ideia da inteligência artificial alimentava filmes que se
nutriam do receio quanto ao futuro da tecnologia. É o caso de "Colossus 1980",
obra que o detentor de vários prêmios Emmy Joseph Sargent fez em 1970. Para
evitar novas guerras, o governo dos EUA oferece a um supercomputador o controle
total sobre suas armas nucleares. Mas o resultado não deu certo. Trata-se de um
bom exemplo desse subgênero que é o do “computador fora de controle”.
Cena do filme "Fase IV: Destruição"
Na década de 1970, um dos mais admirados artistas gráficos que atuavam no
cinema era Saul Bass. Ele cuidou, por exemplo, do design da obra prima de
Hitchcock “Um Corpo que Cai”. Nesta caixa de DVDs ele apresenta "Fase IV: Destruição", de 1974. Uma dupla de cientistas investiga os efeitos de um
fenômeno cósmico que pode ter transformado as formigas do deserto em criaturas
inteligentes. O título foi cultuado nos anos de 1970, no entanto o que mais o
distingue é ter sido único longa dirigido por Saul Bass.
Outra curiosidade é "Pânico no Ano Zero", de 1962, dirigido por Ray Milland. Ele trabalhou
como ator em mais de 170 filmes e ganhou o Oscar em 1945 por “Farrapo Humano”.
E neste longa foi um dos seus raros longas-metragens como diretor. É
também um dos primeiros filmes pós-holocausto da história do cinema. Para
sobreviver, uma família sai de Los Angeles, pouco antes de uma bomba nuclear
destruir a cidade.
Um dos exemplos mais típicos da ficção científica clássica é "Daqui a Cem Anos" –
o famoso “Thingsto Come”, de 1936, dirigido por William Cameron Menzies. A
narrativa se estende de 1940 a 2036, abordando a história da humanidade
destruída pela guerra e reconstruída pela ciência. O roteiro foi escrito pelo
próprio autor do livro, o lendário H. G. Wells, criador de “Guerra dos Mundos”.
Também faz parte dessa coleção, o divertido filme B de Roger Corman "O Emissário de Outro Mundo", sobre um alienígena enviado à Califórnia, para
extrair o sangue dos humanos.
Gaspar Ulliel é o protagonista do novo longa do diretor canadense
Neste ano, lá em Cannes, o filme “É Apenas o Fim do Mundo” ganhou o Grande Prêmio do Júri, que equivale a um segundo colocado na
disputa pela Palma de Ouro. O jovem diretor Xavier Dolan, de 28 anos, ficou inconformado
com o fato de alguns membros do júri terem preferido o filme “Nascido Para Lutar”, com Sylvester Stalone. Para ele é isso o que significa, na verdade, o
fim do mundo.
Acima de tudo, o cineasta franco-canadense Xavier Dolan é apaixonado por Marion
Cotillard. A paixão do controvertido autor de “Eu Matei Minha Mãe” por esta que
é, de fato, uma das mais talentosas atrizes francesas do momento é tão grande
que, para contracenar com ela, ele convocou outros nomes de primeira grandeza
no cinema francês atual: Vincent Cassel e Lea Sidoux. Sem falar da célebre
Natalie Baye, uma das preferidas de François Truffaut, que já atuou em 99
filmes. O protagonista, porém, não é nenhuma dessas estrelas, mas o emergente
Gaspar Ulliel, que vimos recentemente na pele de Yves Saint Laurent.
O detalhe é que todos personagens se acham em cena durante o filme inteiro e
sempre com a lente da câmera colada em seus rostos. São raras as cenas em que
os intérpretes são filmados de corpo inteiro, de modo que Dolan pratica o que
poderia ser chamado de uma dramaturgia do olhar ou, melhor dizendo, da
expressão facial. Os diálogos dizem muito, em função mesmo do roteiro: um
escritor não vê a mãe e os irmãos há 12 anos. Ao se saber contaminado pela
AIDS, ele vai visitá-los para comunicar que está prestes a morrer. A
intensidade das conversas é tanta que, numa das passagens mais longas e
contundentes, o diretor decide filmar Gaspar Ulliel e Vincent Cassel de costas.
Marion Cotillard encena uma das cenas mais belas do cinema recente
Há alguns poucos flashbacks, mas é no confronto direto entre personalidades
tão distintas que o filme se constrói. Ulliel interpreta um dramaturgo bem
sucedido que deixa para trás o provincianismo de sua terra natal e de seus
parentes. Cassel, é o irmão recalcado e embrutecido, Sidoux, a irmã reprimida e
viciada em drogas e Baye a mãe alienada pela ausência do marido. A única
figura que se comunica humanamente com o personagem central é Cotillard,
responsável por um dos diálogos mais tocantes do cinema atual – até porque as
falas se colocam sempre na contra mão dos olhares. “É Apenas o Fim do Mundo” acaba
de chegar ao mercado, mas, desde já, tem seu lugar reservado entre os melhores
da temporada.
Xavier Dolan dirige cena de "É Apenas o Fim do Mundo", melhor filme desta semana
É possível que o mercado das salas de cinema
esteja começando a se auto regular, porque nesta semana temos apenas cinco
filmes novos. Mas essa aparente racionalidade talvez seja apenas fruto da
prudência diante do principal concorrente que é "Animais Fantásticos e Onde Habitam". Líder absoluto de
bilheterias no Brasil, em seu primeiro final de semana em cartaz,o filme já foi
visto por mais de 1,3 milhão de pessoas. Para enfrentá-lo, o cinema brasileiro
escalou uma cantora apelidada de Pimentinha.
Com direção de Hugo Prata, apoiado por um elenco que tem Caco Ciocler e Gustavo
Machado,o filme “Elis” é protagonizado por Andreia Horta, no papel daquela que
foi a mais importante e mais querida cantora brasileira dos últimos tempos. O
filme ganhou o prêmio de público no último Festival de Gramado e, neste que é o
seu primeiro longa, o diretor traz como credencial o fato ter sido diretor da
premiada serie de TV “O Castelo Ratimbum”.
Alguns críticos, no entanto, não aprovaram o roteiro assinado por Vera Egito e
Luis Bolognesi, por ser demasiadamente didático e linear. Ou seja, por ter
reproduzido a biografia da cantora de maneira simples, um tanto burocrática –
no sentido de ter dado importância aos seus cacoetes para caracterizá-la, como a
abertura do sorriso e o movimento frenético dos braços. Mas observações como
esta não derrubam a qualidade do filme que, em menos de duas horas, conseguiu
sintetizar uma biografia tão rica como foi a de Elis Regina.
No campo do cinema internacional, a maior atração é Tom Cruise, do personagem
título de “Jack Reacher: Sem Retorno”. Mais uma vez, ele interpreta um herói
solitário dedicado a desvendar uma conspiração que envolve a sua trajetória.
Ele é um militar que retorna à base onde serviu e lá encontra uma amiga presa,
acusada de ter vazado informações confidenciais do exército.
O diretor é o talentoso Edward Zwick, premiado pelo Oscar por seu trabalho em
“Shakespeare Apaixonado” de 2003. E assinou 22 títulos como diretor, alguns
deles de ação como “O Último Samurai” também de 2003.
Mas o melhor lançamento da semana tem como título "É Apenas o Fim do Mundo", do canadense Xavier Dolan, baseado
na peça “Juste la fin du monde” de Jean-Luc Lagarce. O filme mereceu o Prêmio Especial do Júri no
Festival de Cannes neste ano. O elenco é todo formado por estrelas do cinema
francês, como Vincent Cassel, Marion Cotillard e Léa Seydoux; além do
protagonista Gaspard Ulliel, que vimos recentemente no papel de Yves Saint
Laurent.
Após doze anos de ausência, um escritor volta a sua cidade-natal, com a
intenção de anunciar para a família a morte que se aproxima. Mas a reunião
familiar não acontece conforme o planejado...
Estreia também um filme de horror dos mais costumeiros, ainda que o seu diretor
seja o DJ Caruso, um especialista na modalidade. Chama-se “O Quarto dos
Esquecidos”. Esquecidos... Assim como será o filme muito em breve.
Impossíveis de serem esquecidos, na verdade, são os filmes de Brian de Palma,
cuja voz estamos ouvindo na trilha do filme chamado “De Palma”. Trata-se de um
documentário sobre ele e sua obra, dirigido pelo nova-iorquino Noah Baumbach, que
recentemente fez o bem sucedido “Frances Ha”
Trata-se de um raro caso de documentário desenvolvido na primeira pessoa.
Porque é o próprio cineasta que vai conduzindo essa exibição da vida dele e da
sua própria obra. Tendo como matéria prima os filmes que ele fez, como “Carrie,
a Estranha”, “Vestida para Matar”, “Um Tiro na Noite”, “Dublê de Corpo”, “Os
Intocáveis” e tantos outros.
Joseph Gordon-Levitt vive o ex-agente da CIA Edward Snowden
Deste os tempos de Aristóteles que, lá no século
4 a.C., foi um primeiros sábios a teorizar sobre a mecânica da
dramaturgia, os que escrevem sobre personagens em conflito sabem que os
espectadores preferem acompanhar aqueles que têm uma trajetória clara e
definida. Os escritores podem variar em torno desse princípio e os críticos até
aplaudem quando um autor consegue fugir dessa linha e, mesmo assim, fazer um
filme interessante. Mas o público, sem dúvida, prefere se envolver com uma
narrativa em que se conhece e se compreende o objetivo do protagonista.
É justamente nesse aspecto que se questiona “Snowden – Herói ou Traidor”, o
filme mais recente de Oliver Stone - aquela celebridade premiada com Oscars por “Platoon” e “Nascido a 4 de julho. Ao
longo de sua história como realizador, é fácil notar que ele tem preferência
por obras construídas em torno de personagens fortes, ou seja, figuras cuja
meta todos identificam facilmente – não apenas o espectador, mas todos os seus
contemporâneos.
Assim, em “Poder e Cobiça”, Gordon Geko só pensava em ganhar dinheiro, muito
dinheiro. É evidente que “Nixon” e George Bush do filme “W” fariam de tudo
para se manter na presidência da republica. Por sua vez, “Alexandre” queria
dominar o mundo – aliás, por coincidência, aquele conquistador era uma figura
muito ligada ao próprio Aristóteles, de quem ele foi aluno. E que, no filme
“Alexandre”, de 2004 foi interpretado por Christopher Plummer.
O diretor Oliver Stone (último à direita) dirige seus atores em cena de "Snowden"
Essa preocupação dos roteiristas de cinema em deixar evidente e bem explicada a
intenção dos protagonistas talvez tenha alcançado o auge no gênero do faroeste.
No recente “7 Homens e Um Destino”, por exemplo, a maior parte do tempo é gasta
na descrição dos motivos de cada um dos 7 pistoleiros em participar da batalha
que só acontece nos momentos finais. No filme “Snowden”, com certeza o
personagem central não tem o tipo físico de caubói, mas de um “nerd” tímido e
introvertido. Mesmo assim se esforça para ser aceito no exército e ser escalado
para combater no Iraque. Mas seu talento para informática lhe abre as portas da
CIA, onde vai trabalhar como espião, assim como todos os seus colegas.
Sem o menor talento para James Bond, ele vai se aprofundar em criptologia,
desvendando códigos e algoritmos para combater os hackers a serviço da China,
da Coria do Norte e demais países perigosos para os Estados Unidos. Quando ele
descobre que as nações amigas, como o próprio Brasil, também estão espionadas,
ele então vira a mesa e revela tudo para a imprensa mundial. E nós
espectadores? O que fazemos com o resto do filme? Como se explica aquela
ascensão de meteoro se, o rapaz não tivesse provado a sua fidelidade ao
sistema? Em suma, em “Snowden – Herói ou Traidor” Oliver Stone descreve os
fatos com precisão mas não nos explica direito, em termos de dramaturgia,
porque eles aconteceram.
Cena do acre drama de Kim Ki Duk, bem recebido na Mostra de SP desse ano
Aos 56 anos, o cineasta sul coreano Kim Ki Duk é
um dos criadores mais importantes do cinema oriental. Nesta 40ª Mostra, ele nos
apresentou um filme de grande impacto humano e político: “A Rede”. Deverá
ser um dos 24 sucessos que ele obteve em sua carreira, durante a qual
colecionou 48 prêmios em festivais internacionais - dos quais se salientam
Berlim, Cannes, Veneza e Chicago. Menos de meia dúzia, porém foram lançados
comercialmente no Brasil, como “O Arco”, “Casa Vazia” e “O Amor Contra a Passagem do Tempo”
Neste filme mais recente, Kim Ki Duk surpreende ao narrar um drama tão doloroso
quanto imprevisível. Um humilde pescador vive na Coreia do Norte, á beira de um
lago que a separa da Coreia do Sul. Mora em ma casinha paupérrima e só tem de
seu um decrépito barquinho movido a motor de popa. Um dia a rede de pesca fica
presa na hélice, o motor enguiça e ele vai parar no território da Coreia do
Sul.
Depois de capturado, o pescador é detido e tratado como se fosse um espião.
Enviado para a capital do país, a moderna e progressista Seul, ele se recusa a
até mesmo abrir os olhos. No trajeto em direção à policia, ele tem medo de ver
qualquer coisa que mais tarde o incrimine. Seu medo é ser suspeito de
espionagem, mas é exatamente isso que acontece em seguida. Por azar, pouco
tempo antes os sulistas tinham capturado um nortista que fingira ter se
convertido ao regime de Seul, causando constrangimento às autoridades locais.
O diretor Kim Ki Duk ostenta seu Leão de Ouro do Festival de Veneza
Mesmo assim, elas insistem para que o pescador “se converta” à ideologia
democrata. Mas ele se recusa porque, para isso, seria necessário abandonar a
esposa e a filha na Coreia do Norte. Aí se inicia um processo de tortura física
e psicológica extremamente cruel, no qual ele luta para manter a sanidade
mental e se escandaliza com determinas coisas que observa no país vizinho, como
a prostituição e o desperdício de bens e riquezas de todo o tipo.
Nesta parte do filme o protagonista critica o capitalismo e a democracia, mas
ao regressar para o norte, depois de uma campanha promovida pela imprensa
sulista, ele terá a oportunidade de sentir na carne a rigidez em vigor na sua
terra natal. Em termos estruturais, o drama narrado em “A Rede” lembra o
primeiro artigo acadêmico escrito em 1945, pelo sociólogo Florestan Fernandes. Contava
a triste história de Tiago Marques Aipobureu, um índio bororo que ao retornar à tribo, após habituar-se com o modo de vida urbano e ocidentalizado, não foi mais aceito
pela comunidade.
Cena do documentário "Martírio", aplaudido em Berlim
No recente Festival de Brasília, o documentário“Martírio” de Vincent Carelli foi várias vezes aplaudido em cena aberta, mas
ganhou apenas um Prêmio Especial do Júri. Isso pode não significar muita coisa,
mas assume grande importância, se entendermos que os jurados não quiserem
premiar este ou aquele aspecto desse documentário – fotografia, roteiro,
pesquisa etc – e preferiram premiar o todo, isto é, o conjunto daquela obra
monumental de 2 horas e 40 minutos assinada por Vincent Carelli - aliás premiado
pelo filme “Corumbiara” em Gramado, no ano de 2009.
“Martírio” é considerado monumental, porque aborda a trajetória dos Guarani
Caiová, desde o início da trágica história de seu relacionamento com os
brancos, ainda no tempo do Marechal Rondon. Mas essa dimensão totalizante do
filme desperta curiosidade acerca das outras histórias, provavelmente mais
curtas e não menos interessantes, que devem ter marcado todo esse longo
processo. Devem ter acontecido muitas. E algumas podem ter sido filmadas,
porque faz tempo que os índios vêm registrando a sua experiência por meio do
audiovisual. Uma das mais interessantes poderá ser vista agora.
No dia 17 de novembro foi lançado um primoroso documentário que é “O Mestre e
o Divino”, do antropólogo mineiro Tiago Campos, todo filmado no projeto Vídeo
nas Aldeias. No mesmo filme, outros dois cineastas retratam o cotidiano na
aldeia e na missão de Sangradouro, no Mato Grosso: são eles Divino Tserewahú e
Adalbert Heide, um dedicado missionário católico alemão. Logo após o contato inicial com os índios, em 1957, esse missionário começou a
filmar tudo o que via na aldeia com sua câmera Super-8. E assim construiu um
precioso acervo histórico de imagens e sons impressionantes e absolutamente
inéditos, que poderemos admirar nesse filme.
Por sua vez, um jovem cineasta Xavante chamado Divino Tserewahú, vinha
produzindo vídeos para a televisão e festivais de cinema desde os anos de 1990.
O interesse maior de “O Mestre e o Divino” está no surpreendente relacionamento
entre os dois. Professor e discípulo, eles competem entre si diante das lentes
de um terceiro cineasta que é o Tiago Campos. Brincam um com o outro, trocam
ironias e até críticas. Dessa forma, eles dão vida a seus registros
etnográficos, revelando bastidores comoventes e bem humorados da convivência
com os índios no Brasil. Não perca “O Mestre e o Divino”.
Benedict Cumberbatch interpreta o mago nesse novo filme da Marvel
O Doutor Estranho é um herói de quadrinhos que já
estreia nos cinemas esbanjando aquilo que poderíamos chamar de “pedigree”, ou
seja, uma linhagem de nobreza que o permite se destacar entre os seus pares.
Foi criado pelo mesmo Stan Lee que deu a luz a figuras como o Homem Aranha, o Thor,
o Homem de Ferro, o Incrível Hulk, o Quarteto Fantástico, o Surfista Prateado,
o Demolidor, o Homem – Formiga - isso para mencionar apenas os mais conhecidos e
publicados.
Agora com 94 anos de idade, Stan Lee continua aparecendo em pequenas pontas nos
filmes dos quais as suas criações participam – como é o caso desta mega
produção com estrelas do porte de Tilda Swinton, Mads Mikelsen e Rachel McAdams.
O que caracteriza mais claramente essa dinastia à qual pertence o Dr. Estranho é
o fato de ele trabalhar mais com a magia do que com a força física. Ele se
inclui, portanto, naquele grupo de tipos aos quais pertencem Harry Potter,
Obi Wan Kenobi, John Constantine, Mandrake, o Mago Merlin e até um feiticeiro homônimo
do século XIX: Jonathan Strange, protagonista de uma bem sucedida série da TV
inglesa em 2014, em que um mágico de nome Strange ajuda o Marechal Wellington a
enfrentar Napoleão.
A lendária Tilda Swinton (acima) interpreta a "Anciã" no longa de super-herói
Mas o que distingue mesmo esse figurão interpretado pelo mesmo Benedict
Cumberbatch de “O Jogo da Imitação” é o fato de usar uma capa, assim como Thor,
Batman, Super Homem e tantos outros. Com todo o respeito à senioridade do
ancião Stan Lee, entretanto, a capa do Dr. Estranho parece ter sido inspirada
naquela que foi criada em 1997, pelo desenhista canadense Todd McFarlane, e
destinada ao uso do personagem Spawn, também chamado “a cria do inferno”. Além
de uma simples peça de vestuário, aquela capa é de fato um personagem à parte,
com vida e vontade próprias, e que interage com o seu usuário. Como vemos em
algumas cenas...
O enredo de Dr. Estranho não traz qualquer novidade: ele é um neurocirurgião
orgulhoso e arrogante que sofre um acidente e perde a mobilidade das mãos. Ao buscar
uma cura num monastério em Katmandu, ele tira o seu doutorado em magia e
volta para salvar o mundo ocidental de uma ameaça mística fabricada em outra dimensão.
Quem de fato ajudou na área criativa de Dr. Estranho foi a cenografia de “A Origem”,
filme de Christopher Nolan. Ele que naquela obra filme traduziu para a linguagem
do cinema os trocadilhos visuais do desenhista holandês Mauritz Escher.
À esquerda, cena do filme "Doutor Estranho"; à esquerda, uma famosa obra de Escher
Cena do filme anti-racista "O Nascimento de uma Nação"
Hoje continuamos a comentar os lançamentos de
filmes novos nesta semana. Um dos méritos da 40ª Mostra de cinema foi a
abundância das várias cinematografias e grandes obras do passado. Provavelmente em
função desse novo interesse que é mundial, o mercado de Hollywood decidiu refilmar este
que é um dos clássicos mais importantes da história: "O Nascimento de uma Nação".
O filme original foi feito em 1915 ainda, portanto, na época do cinema mudo. Seu
diretor David Griffith foi aclamado por ter praticamente criado a linguagem do
cinema com este filme: ele introduziu os closes, a ação paralela, as
panorâmicas e demais movimentos de câmara, além dos principais elementos da
técnica da montagem. No entanto trata-se de uma história de inspiração racista,
em que os membros da Ku Klux Klan eram os heróis.
Mas agora o ator e produtor Nate Parker decidiu refilmar essa mesma história,
evidentemente numa leitura anti-racista. Infelizmente, porém, apesar de bem
aceito no Sundance Festival, o filme teve uma recepção fria e apenas mediana
por parte do público e da crítica nos Estados Unidos – o que talvez já seja um
sinal dos novos tempos.
O que talvez diga alguma coisa sobre os o mundo em que vamos viver é o drama de
suspense “Invasão de Privacidade”. Pierce Brosnan faz o papel de um empresário,
cuja filha começa a ser assediada por um técnico em informática. Extremamente
hábil, esse rapaz já tinha trabalhado para a NSA, que é o maior órgão técnico
de criptologia e espionagem do mundo. Era, portanto um colega de George Snowden
e, assim, será muito complicado para o personagem de Pierce Brosnan se livrar
dele, nessa trama que parece ser uma espécie de “Instinto Selvagem” com o sinal
trocado.
Dirigida pela competente Rebecca Miller, estreia a comédia “Maggie Tem um Plano”,
com um belo elenco liderado por Ethan Hawke, Julianne Moore e pela estrela de “Frances
Há” Greta Gerwig. A jovem Maggiese esforça para sobreviver sozinha na cidade de
Nova Iorque. Para complicar, ela pretende ter um filho, criando-o por conta
própria. Mas o que complica mesmo é que ela se envolve com um homem casado. E
isso promete atrapalhar todo o seu plano.
“Quando o Dia Chegar” é um drama dinamarquês sobre adolescentes num orfanato. O
roteiro se passa nos anos de 1960 e, portanto, o tema central são a injustiças
e os abusos pelos quais passam os jovens internos. O diretor Jesper Nielsen tem
muito prestígio em seu país e já coleciona 8 prêmios ao redor do mundo.
Conhecido em vários festivais internacionais, inclusive em Cannes, o marroquino
Nabil Ayoucha presenta “Much Loved”, sobre quatro prostitutas que se associam para
montar uma família improvisada – o que naquele país parece ser uma tarefa quase
impossível.
Houve um tempo em que filmes do gênero deste – “Horizonte Profundo - Desastre
no Golfo” eram muito apreciados, provavelmente porque e emoção já se achava
instalada no DNA do enredo. Era o chamado “disatermovie”. Este é bastante
caprichado, dirigido por Peter Berg, que é especializado no gênero. E o elenco
ajuda, com as presenças de Mark Wahlberg e Kurt Russell. Baseada em fatos reais,
a história se passa no Golfo do México, durante um desastre numa plataforma de
perfuração marítima de petróleo.
"Pequeno Segredo" estreia envolto de polêmicas de cunho político
As estreias da semana nos cinemas trazem algumas
atrações de certo modo polêmicas. “Pequeno Segredo” do gaúcho David Schürmann
ganhou destaque por ter sido o título brasileiro indicado para concorrer ao
Oscar. Houve muita discussão política na época, porque o favorito era
“Aquarius” de Kleber Mendonça Filho. Estreia também “Snowden - Herói ou Traidor?”,
de Oliver Stone, que mostra uma postura crítica em relação ao governo da
administração Barack Obama.
Em 2013, um funcionário da CIA chocou a opinião pública mundial ao revelar, por
meio da imprensa, a prática ilegal de espionagem promovida pelo governo
norte-americano. No filme “Snowden - Herói ou Traidor?”, Oliver Stone traça um
retrato daquele técnico em computação e mostra os motivos que o levaram a tomar
essa atitude extrema. Atualmente Snowden vive refugiado na Rússia.
Oliver Stone adota uma linha quase documental e objetiva para narrar os fatos
que, por si só, já se mostram eloquentes. O mesmo pode ser dito da atuação de Joseph
Gordon-Levitt no papel do jovem especialista em informática, para quem a
pressão do trabalho que exercia se mostrou demasiada – assim como a voz de sua
própria consciência.
Algum tempo antes de seu lançamento, o filme “Pequeno Segredo” foi arrastado
para uma pequena batalha ideológica, sem que o conteúdo da obra tenha alguma
coisa a ver com política. Trata-se de um melodrama puro sangue. Por força mesmo
dos seus temas mais importantes, sobre os quais não se pode dizer muita coisa –
sob pena de estragarmos uma surpresa que, aliás, consiste na essência do
projeto.
Aspecto central do roteiro é o seu lado autobiográfico. O seu autor é o atual
chefe da primeira família brasileira a dar a volta ao mundo a bordo de seu
próprio veleiro – e que registrou a proeza num documentário especialmente bem
realizado. Na história filmada, porém, a figura mais importante e também protagonista
da história é Heloisa – interpretada com entrega e sensibilidade por Julia
Lemertz. Até porque o drama fundamental se desenvolve num relacionamento entre
mãe e filha. A produção impressiona pela beleza e precisão das imagens. Mas
também pela concisão dos diálogos que evitam o dramalhão em que o filme poderia
ter desabado.
Aos 76 anos, Walter Lima Jr. permanece honrando o seu passado como um dos
líderes do movimento inovador do Cinema Novo. Ou seja, ele continua dirigindo
obras de alto nível e forte personalidade, como a mais recente “Através da
Sombra”, baseada numa novela de Henry James, escritor americano naturalizado
inglês e falecido há 100 anos.
Seguindo uma linha de inclinação poética que ele já experimentou em obras
anteriores
ele constrói um drama intimista e cheio de mistério. Trata-se de um espetáculo de
época, ambientado numa fazenda de café do século XIX, que abriga uma narrativa de
mistério. Como sempre Walter Limareúne um elenco de alta qualidade, desta vez
com Domingos Montagner, Ana Lucia Torree Virginia Cavendish, que é aprotagonista
e também produtora do filme.
Cena do filme "Canção da Volta", brilhantemente estrelado por Marina Person
Após o encerramento da 40ª Mostra, o mercado
exibidor de filmes novos regressa ao seu ritmo normal de obras importantes, estreando
ao lado de outras bem menos expressivas. Mas, talvez por influência da
proximidade do Festival internacional de cinema, o nível dos títulos lançados
nesta semana se mostra acima da média.
Destaca-se a novíssima cinematografia brasileira. A começar pelo documentário
“Cinema Novo” dirigido por Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha. A obra se
apresenta como um ensaio poético, ou seja, um olhar aprofundado, ou um retrato
íntimo daquele movimento que colocou o Brasil no conjunto do cinema mundial.
Repleto de imagens e depoimentos inéditos, o filme contou com o apoio dos
herdeiros dos principais realizadores do grupo, como Joaquim Pedro, Gustavo
Dahl e Paulo Cesar Saraceni, além de Luis Carlos Barreto, Carlos Diégues e
Nelson Pereira dos Santos. Trata-se de um obra indispensável para a compreensão
da nossa história
Uma das surpresas do documentário “Cinema Novo” foi o fato do diretor Eryk
Rocha ter incluído naquele movimento a figura do paulista Luis Sergio Person e
seu filme, o clássico “São Paulo SA”. Agora, 80 anos depois de seu nascimento e
40 depois da morte, a filha Marina - amplamente conhecida como apresentadora de
TV, roteirista e até diretora - se consolida como atriz de cinema.
Após dirigir "Califórnia", Marina Person estrela “Canção da Volta”, numa referência a uma comovente composição
de Dolores Duran. A direção é de Gustavo Rosa de Moura e o elenco conta com a
presença de João Miguel e Marat Descartes. Mas a grande figura em cena é da
própria Marina Person, num trabalho de impressionante densidade dramática.
Extremamente triste e cruel é o documentário “Curumim”, que tem direção de
Direção Marcos Prado. O filme documenta as últimas horas de Marco Archer, um
cidadão brasileiro que foi condenado à pena de morte por tráfico de drogas,
após ser capturado pela polícia tailandesa na Indonésia.
Desde “O Complexo de Portnoy” lançado no final dos anos de 1960, o nome do
escritor Phillip Roth é lembrado pelos produtores de filmes, como um autor
cujos textos sempre funcionam bem ao serem adaptados para o cinema. Esse é um
hábito, aliás, que deveria ser seguido mais frequentemente pelos produtores
brasileiros e que traria para nós um acréscimo de qualidade. Agora é lançado
“Indignação”, roteiro baseado em livro de Roth e que tem a direção de James
Schamus – o prestigiado produtor de filmes como O “Segredo de Brokeback
Mountain”. “Indignação se passa em 1951, numa universidade de Ohio, quando um
estudante tem problemas com o anti-semitismo.
Editor Geral Doutor em Cinema pela Unicamp. Crítico de cinema da Rádio Cultura FM, no programa CINEMA FALADO. Exerceu a crítica de cinema na Rádio USP, no Jornal da Tarde e na Folha de São Paulo. Dirigiu o Departamento de cinema da Rede Bandeirantes. Roteirista das minisséries "Avenida Paulista" e "Moinhos de Vento", bem como da novela "Champanhe" da Rede Globo.
Todos os textos aqui presentes no blog são de sua autoria.