Textos de Luciano Ramos (jornalista, sociólogo e escritor paulista) sobre crítica de filmes nacionais e internacionais, reflexão a respeito da arte cinematográfica, notícias sobre o mundo do cinema, inserção do cinema na história da cultura, patrimônio histórico e cultural.
Encontre o que precisa buscando por aqui. Por exemplo: digite o título do filme que quer pesquisar
Filme narra a infância de um garoto - inspirado no escritor - durante os anos 30
Neste ano de 2016 foi lançado o filme brasileiro
“O Escaravelho do Diabo”, que pertence a um gênero raro entre nós que é o filme
juvenil. Como a gente não tem parâmetros para a comparação, vamos sugerir a
revisão de um belo exemplo lançado em 2014 que foi "O Menino no Espelho" - filme o qual pode ser visto em DVD ou na TV a cabo.
Quem viu os filmes mineiros "Cinco Frações
de uma Quase História", "Batismo de Sangue"e "Depois daquele Baile" percebeu que havia um capricho a mais
naquelas produções de Guilherme Fiuza Zenha. Pois aquela qualidade adquire
agora um grau superlativo, com esta obra de puro encantamento.
É a adaptação de um romance autobiográfico de Fernando Sabino que faleceu há 10
anos, sobre a sua infância em Belo Horizonte por volta de 1938, época do levante
dos integralistas – que aliás aparece no personagem muito bem trabalhado de
Ricardo Blat. Assim como todo os interpretes, principalmente os infantis,
Mateus Solano está excelente como o pai. Mas quem brilha mesmo é o novo astro Lino
Facioli – que nasceu em Ribeirão Preto e, desde os 7 trabalha no cinema na
Inglaterra, onde já fez 7 filmes e 6 episódios da série "The Game of Thrones". O garoto é de fato um fenômeno em termos de
comunicabilidade e simpatia...
Guilherme Fiuza Zenha, o diretor de "O Menino no Espelho"
O roteiro consegue se fazer ao mesmo tempo fantástico e realista, educativo e
divertidíssimo, irreverente e filosófico ao abordar a inevitável dualidade das
crianças sempre em confronto com a sociedade dos adultos. Mas um dos pontos
altos de "O Menino no Espelho" é a direção de arte que nos permite viajar para o
Brasil, bem mais simples e tão belo, como era há 80 anos.
"Minha Mãe É uma Peça 2" traz Paulo Gustavo de volta aos cinemas
Nesta semana vivemos um acontecimento raro.
Trata-se do número 1000, agora aplicado à quantidade de salas de cinema em que
estreia um filme brasileiro. Você pode não acreditar, ou julgar que estamos
falando de uma reedição do fenômeno “10 Mandamentos”. Mas na verdade é uma nova
comédia de Paulo Gustavo, o grande nome atual do humorismo televisivo: “Minha
Mãe é uma Peça 2”
A equipe e o elenco são os mesmos, sempre girado em torno da protagonista, a
Dona Hermínia – livremente inspirada na própria mãe do cômico, que Paulo
Gustavo caracteriza principalmente por meio da voz. É um tom cortante e um
tanto rude, no mínimo firme e afirmativo.
Agora ela está financeiramente mais resolvida, porque passou a fazer um
programa de TV. Continua cheia de problemas com a família e falando no mesmo
tom. Mas isso é quase inevitável para os humoristas populares. Lembremos dos
astros do cinema no século passado como, por exemplo, Zé Trindade e Ronald
Golias. O fato é que o humorismo no cinema brasileiro descende diretamente do
rádio. É dessa mídia que migraram os comediantes mais famosos. Daí a
importância da voz.
Mas a maior aposta do cinema adulto e natalino é “Capitão Fantástico”,
protagonizado por Vigo Mortensen – esse nova-iorquino com pinta de dinamarquês,
que já fez mais de 30 filmes e, no entanto, prossegue mais conhecido como um dos
heróis de “O Senhor dos Anéis”.
Ele faz o papel de um pai de seis crianças, que se afasta da cidade e resolve criar
os filhos numa floresta, longe da escola e da civilização. O roteiro
constrói a sua história como uma metáfora da trajetória de Cristo. Ele é o
mestre de seus filhos que, na verdade, reluta em se tornar adulto.
"O Lamento", inquietante filme
de horror e suspense sul coreano, tem como diretor Hong-Jin Na, um
cineasta de prestígio no oriente. A história é sobre uma misteriosa epidemia
que vem matando os moradores de um vilarejo, na Coreia, é claro.
Da França, chega “O Que Está Por Vir”, que é como foi feita a tradução do
título original L'Avenir -que significa, simplesmente, “O Futuro”. Todavia, o
filme trata apenas sobre o presente. Ou seja, do cotidiano triste e desinteressante
da personagem interpretada por Isabelle Huppert. A direção é de Mia Hansen-Løve
que, aos 35 anos começou como assistente de Olivier Assayas e já fez dois
longas.
Isabelle Hupert desenvolve aqui uma personagem que é o oposto daquela criada
por Paul Verhoven para o filme “Elle”. Trata-se, provavelmente, de uma febre de
minimalismo que começa a tomar conta de alguns realizadores do cinema
francês...
Porém o espetáculo mais atraente e encantador da semana é um filme musical de
animação, "Sing - Quem Canta Seus Males Espanta". A proposta do diretor e roteirista inglês Garth Jennings é montar uma
história em que cantores e músicos são animais. Tudo gira em torno de um
concurso de canto patrocinado por um coala. A caracterização dos animais é tão
bem feita que ficamos na dúvida se eles são bichos mesmo ou se são gente como
a gente.
Na competição, uma menina porco espinho é roqueira, um gorila é um cantor
romântico, uma elefanta é a cantora pop e um rato mal caráter e ligado aos
gangsters tem uma voz sensacional – talvez numa alusão a Frank Sinatra. Com
humor, emoção e suspense servindo de tempero, o filme significa diversão mais
do que garantida.
Tony Gilroy, diretor de "Conduta de Risco" e "Duplicidade"
As pessoas estranham ao ver o nome de Tony Gilroy
como roteirista da aventura espacial “Rogue One - Uma História Star Wars”. Hoje de 60 anos, o novaiorquino vem consolidando a posição de um dos mais respeitados
cineastas da indústria desde o final dos anos 1990, quando surpreendeu o
mercado com o texto de “O Advogado do Diabo”, no qual criticava o sistema
jurídico norte americano. Ao longo da carreira, ele produziu 5 títulos, entre
os quais a prestigiada série “The House of Cards”. Escreveu 19 roteiros e dirigiu
apenas 4. Entre eles, “O Legado Bourne”, no qual formatou esse personagem que
protagonizou cinco filmes. Por isso é interessante rever os outros dois que ele
escreveu e dirigiu, ou seja, os seus trabalhos mais autorais. São eles “Conduta
de Risco”, de 2007, e “Duplicidade”, de 2009.
A
ideia para “Conduta de Risco” (trailer acima) deve ter surgido quando Gilroy pesquisava as
grandes firmas de advocacia para “O Advogado do Diabo”. Ele imaginou um
executivo que resolve se contrapor à própria empresa em que trabalha. Mais
ou menos como o personagem Bourne – o agente da CIA que se transforma em
inimigo n. 1 da instituição. Neste seu primeiro trabalho como diretor, ele mostra
a enrascada em que se envolve um advogado que era do bem, mesmo sem sabê-lo.
Assim como o herói de “Rede de Intrigas”, que Sidney Lumet fez em 1976, o
principal advogado de uma grande firma vivido por Tom Wilkinson enlouquece e
começa a revelar os podres de seu maior cliente. Mas o protagonista do
espetáculo é o personagem de George Clooney, seu colega e amigo que, por sua
vez, vive uma dolorosa crise pessoal. Até para tentar se manter vivo ele não
tem outra saída a não ser virar a mesa também. Como boa parte dos outros
trabalhos de Tony Gilroy, “Conduta de Risco” reedita a luta de Davi contra
Golias.
Já em
“Duplicidade” (trailer acima) ele traz Clive Owen e Julia Roberts, além de Paul Giamatti e Tom
Wilkinson. A trama até caberia na classificação de comédia de suspense, se não
puxasse mais pelo sarcasmo do que pela comicidade. E se não apresentasse uma
estrutura que joga com as expectativas que ela mesma vai oferecendo ao
espectador. O casal de protagonistas se conhece em campos opostos, um trabalhando
para a CIA e o outro para o serviço secreto britânico.
Anos depois se reencontram, agora empregados no ramo de espionagem industrial,
outra vez para patrões diferentes e que competem furiosamente entre si. O
prazer da trama é ser enganado e desenganado sucessivamente pelas reviravoltas
espiraladas com que Gilroy constrói o roteiro. Seu pano de fundo é guerra
quente travada pelas indústrias farmacêuticas e a reflexão de como o
futurologista italiano Roberto Vacca estava correto em seu livro “Il
Mediovo Prossimo Venturo” (A Idade Média do Futuro, lançado em 1971). Ele dizia que
a meta principal das grandes empresas seria a de se tornarem inexpugnáveis, assim
como os feudos medievais. Dois filmes para ver e rever: “Conduta de risco” e
“Duplicidade”.
Luis Gnecco vive o poeta revolucionário, Mercedes Moran interpreta sua amante
Em 2008, o cineasta
chileno Pablo Larraín se tornou conhecido com o filme “Tony Manero”, sobre um
psicopata que era obcecada por John Travolta. Em 2012, ficou famoso pelo
docudrama “No”, no qual reconstituía a batalha publicitária que envolveu o
plebiscito pelo fim do governo Pinochet. Em 2015 Larrain fez “O Clube”, sobre
uma casa de praia para a qual os padres pecadores eram exilados. Por este trabalho,
ele foi premiado nos festivais de Berlin, Havana, Lima, Chicago, Austin, Mar
del Plata e Montreal. Com essa coleção de prêmios, ele ganhou fôlego para fazer
“Neruda” que está em cartaz nos cinemas da cidade
A ação se inicia em 1948, quando o poeta e senador do Partido Comunista Pablo
Neruda se acha numa sessão do Senado chileno. Era uma situação semelhante ao
líder do Partido Comunista Brasileiro, Luis Carlos Prestes, que antes de ser cassado, foi
senador da República entre 1946 e 1948. Numa amostra do que seria o resto do
filme, Pablo Larraín situou primeira cena no banheiro do Senado. Quer dizer,
mais do que uma reflexão histórica sobre aquele episódio, a proposta é reunir
cenas de impacto envolvendo Pablo Neruda, um astro da poesia internacional, e o
mexicano Gael Garcia Bernal, um astro do cinema, no papel do policial que o
persegue.
Com exceção do clássico “O Carteiro e o Poeta” de 1994, o poeta agraciado com o
Prêmio Nobel em 197 1não tem a sorte com o cinema que de fato merecia. O filme
anterior sobre a sua biografia, feito por Manuel Basoalto em 2014, foi apenas
sofrível, porque submetia a ordem dramática da narrativa a um discurso que
Neruda fez no dia de sua posse como senador. Mas é possível que este trabalho
de Pablo Larraín seja ainda mais frustrante. Limita-se a uma perseguição, ou
seja, o policial interpretado por Gael Garcia correndo atrás de Neruda que
ingressara na clandestinidade e permanecia por certo tempo no país, se mudando
de um esconderijo para outro.
Gael García Bernal, que já viveu Che Guevara, agora é o tirano à caça dos comunistas
Nesse processo totalmente linear, quase não há conflito e o filme se ocupa em
levantar curiosidades sobre o protagonista – como por exemplo a sua vaidade e o
gosto pela bebida e pelas mulheres. Ou seja, o filme “Neruda” é um bom exemplo
de confusão entre a ação física e a ação dramática.
Fábio Porchat (esq.) e Leandro Soares (dir.) em cena do longa
Logo
nas primeiras imagens e diálogos do filme, já se escutam as primeiras
gargalhadas. Isso não determina, mas indica para a comédia “Tamo Junto”
que se inicia uma possibilidade de acerto. Os momentos seguintes mostram-se
ainda mais promissores. É quando os tipos principais do enredo começam a ser
apresentados: um rapaz simpático e boa pinta, mas incompetente por inteiro, e
seu amigo de infância. Esse então uma nulidade completa, que tem aquele garotão
como ídolo e modelo de virilidade. Não estamos falando da dupla Jerry Lewis e Dean Martin, mas de comediantes brasileiros da nova geração.
E essa
nova dupla é formada pelo digamos... “galã” Leandro Soares e pelo clow e também
diretor do filme Matheus Souza. Esse então é uma figura notável porque, além de
ser naturalmente engraçado, é capaz de elaborar um texto cômico e inteligente,
em especial por evitar clichês e lugares comuns. Aliás, a comparação com Jerry
Lewis não se aplica inteiramente, porque o humor de Matheus Souza é mais verbal
do que físico. Ele faz o tipo do sujeito inadequado ao mundo real: um nerd de
quase 30 anos que ainda guarda os videogames com os quais brincava na infância.
Em 2008 Matheus teve um sinal claro de reconhecimento, quando o seu trabalho “Apenas
o Fim” ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular no Festival do Rio. Ou
seja, teve a aprovação de um público bem volumoso. E em seguida, trabalhando
com Domingos de Oliveira em “BR 716”, recebeu do mestre um elogio igualmente de
peso. Para Domingos, Matheus é o melhor ator e autor de sua geração. A
propósito há vários elementos comuns entre “Tamo Junto” e o último filme de
Domingos, que é “BR 716”.
Matheus Souza, Alice Wegmann, Sophie Charlotte e Leandro Soares formam o elenco
Se nos anos de 1960, Domingos de Oliveira se valia do encanto de Leila Diniz,
Matheus investe na beleza e na comunicabilidade de Sophie Charlotte. Ao lado
dela, aliás, ele começou a carreira ainda muito jovem no Teatro Tablado. A
propósito, a atuação de Matheuz lembra um pouco a de Woody Allen, no começo da
carreira, e a de Paulo José, em clássicos como “Todas as Mulheres do Mundo”. Ambos
os filmes giram em torno do apartamento dos pais, em que os personagens
aprontam as peripécias que fazem o roteiro do filme. Em resumo: há esperança
para a comédia brasileira.
Viggo Mortensen (de amarelo) é o protagonista deste filme
Houve época em que o natal pautava diretamente a
programação dos cinemas. Mais precisamente, entre os anos de 1950 e 1970,
quando os adultos de hoje ainda eram jovens, sempre havia filmes natalinos em
cartaz.
Alguns títulos eram reprisados todos os anos, como o lacrimoso melodrama espanhol
“Marcelino Pão e Vinho”. Ou os épicos “Os 10 Mandamentos” (trailer acima) e “Ben Hur”. No
entanto, o maior interesse ficava com filmes sobre a vida de Cristo. “O Rei dos
Reis”, de Nicholas Ray, rivalizava com “A Maior História de Todos os Tempos”, de
George Stevens. O mais incrível é essa tradição continua, ainda que disfarçada em
roteiros de histórias recentes.
Por exemplo, no próximo dia 22, em estreia internacional, será lançado “Capitão Fantástico”, com Viggo Mortensen no centro do elenco, ele que foi um
dos heróis em “O Senhor dos Anéis”. Ambicioso, esse título teve destaque nos
festivais de Cannes e Sundance deste ano. Provavelmente não houve essa
intenção, mas ele funciona quase como uma parábola da trajetória de Jesus
Cristo. Viggo Mortensen interpreta um visionário que vive afastado do mundo
urbano, em companhia de seus 6 filhos. Na verdade seus discípulos, porque as
crianças não frequentam a escola e o pai lhes ensina tudo o que elas precisam
saber e que está contido na biblioteca de uma casinha no meio da floresta.
Num dos exageros de caracterização em que o filme às vezes escorrega, vemos que
ele não ensina apenas o conteúdo dos livros, mas faz de seus filhos especialistas
em Yoga e caçadores com treinamento militar. E todos são marxistas, oscilando
entre o trotskismo e o maoísmo. Todos menos um, que se encanta com as benesses
do capitalismo, na casa dos primos. E porque o roteiro precisava que um deles cumprisse
a função de Judas.
Ficção narra a história de uma família bem distante dos padrões
Apesar de todas as boas intenções, a realidade cobra o seu preço e o nosso
herói vai enfrentar a família do poderoso sogro. Esse é o papel de Frank Langella,
atuando aqui como um misto de Nixon e Poncius Pilatus. Este é o primeiro longa
dirigido pelo ator Math Ross, que, aliás,
já trabalhou em 44 filmes. Imitando um
parlamentar politiqueiro, ele tentou contentar todas as tribos da plateia, de
velhos hippies a novos republicanos. E assim, num esquema “self service” o
filme “Capitão Fantástico” nos oferece dois finais... Nenhum dos dois satisfatórios.
Para muita gente o lançamento mais importante da
semana, talvez de toda a temporada, seja “Rogue One - Uma História Star Wars”.
É a primeira produção da franquia com um elenco diferente da formação
original. O diretor é o jovem inglês Ben Mendelsohn, especialista em efeitos
visuais - até porque o forte do filme é a quantidade de criaturas alienígenas
atuando ao lado dos personagens centrais.
A principal figura da equipe, no entanto, é o grande roteirista Tony Gilroy - que inclusive desenvolveu a série de longas do agente Jason Bourne. Mas a sua
credencial mais importante é o drama político “Conduta de Risco” que ele fez em
2008 com George Clooney.
Sob o comando da inglesa Felicity Jones, que vimos em “A Teoria de Tudo”, os
guerreiros rebeldes planejam roubar os planos da Estrela da Morte para derrotar
a opressão do Império.
Para outro tipo de espectador, o filme preferido da semana pode ser “Sully - O
Herói do Rio Hudson”, dirigido pelo eterno caubói Clint Eastwood. Quem assume o
cargo de herói é Tom Hanks, no papel de um comandante que salva uma aeronave
pousando em pleno Rio Hudson.
O ato de heroísmo acontece logo nos começo do filme e até está no trailer. O
drama vem em seguida, com o julgamento do aviador pelas autoridades americanas.
Para aquela parcela mais politizada do público, temos o decepcionante “Neruda”
de Pablo Larraín, que recentemente lotou a sua prateleira de troféus com “O
Clube” e agora tem essa aventura vivida pelo poeta chileno indicada para
concorrer ao Golden Globe de filme estrangeiro. A narrativa não passa de uma
longa perseguição na qual o chefe de polícia vivido por Gael Garcia Bernal
tenta prender o poeta e senador comunista. Nada mais que isso.
Os cinéfilos mais renitentes talvez não deixem escapar esse drama familiar
romeno bastante elogiado que é "Sieranevada". É dirigido por Cristi Puiu, famosos
pela “Morte do Sr. Lazaresco” de 2005 e detentor de 35 prêmios internacionais – a
maioria deles na Europa oriental.
Com o lado positivo de escalar veteranos, como Norival Rizzo, Zecarlos Machado e
Imara Reis, Newton Canito que fazia series policiais de TV, agora lança uma
comédia chamada “Magal e os Formigas”. O astro é Sidney Nagal... É sem dúvida
uma curiosidade.
Quanto a mim não há dúvida que vou assistir novamente a melhor animação da
temporada e talvez do ano: “Sing- Quem Canta Seus Males
Espanta”. O diretor é o criativo inglês Garth Jennings que, em 2005, fez a ficção científica alternativa “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. O filme derruba qualquer baixo
astral e, mesmo em sua cópia dublada, as músicas estão mantidas em sua versão
original. O que é essencial porque o filme “Sing” é uma homenagem à canção
americana.
Isabelle Huppert é a protagonista do novo filme de Verhoeven
Chega aos cinemas mais um controvertido trabalho do
holandês Paul Verhoeven, muito procurado na recente 40ª Mostra internacional de
São Paulo. Há mais de 20 anos aquele cineasta lançava “Instinto Selvagem”, focalizando
uma figura feminina que impactou o publico da época pela agressividade sexual e
por conta de um componente de conotação maligna em sua personalidade. Sharon
Stone cruzava e descruzava as pernas, atribuindo assim uma marca gestual para a
sua personagem demoníaca. Aliás, muito menos ambígua e assustadora do que esta
Michele, interpretada por Isabelle Hupert. Na comparação com a francesa, aquela
mulher fatal americana mais parece uma santinha de colégio interno.
Com o desconcertante “Elle”, o cineasta holandês elaborou uma das maiores
sensações da 40ª Mostra. O filme não permite classificação, embora seja
geralmente rotulado como “de suspense”. No entanto, são tantas as risadas que
ele provoca que se encaixaria também como comédia, ou melhor, uma farsa de
humor negro. Um dos parâmetros trabalhados no roteiro é de fato o cinema de
Hitchcock, numa referencia mais clara pelo uso da trilha sonora e pela
ambientação predominantemente noturna. Mas uma breve reflexão sobre a
protagonista nos leva a concluir que estamos diante de um estudo sobre a
dualidade humana.
No que se refere à Michele, encarnada por Isabelle Hupert, nada é o que parece
ser. Ela é estuprada, dentro de casa, na primeira cena do filme e já surpreende
com a frieza de sua reação. Em vez de se queixar à polícia (o que é o mais devido), faz apenas um exame
de sangue para ver se foi contaminada. Mais tarde, se masturba ao espreitar um
jovem vizinho pela janela. E tem um caso com o marido da melhor amiga, ainda
que mantenha uma aparência diáfana e quase assexuada que, de fato, lembra as
loiras de Hitchcock. É generosa com a mãe e o filho, embora costume humilha-los
diante de todos. E assim por diante, essas oposições reunidas nessa mesma
personagem se sucedem, diversas vezes ao longo do filme. Até alcançar o supremo
e sintético paradoxo de uma pessoa que é, ao mesmo, tempo vítima e agressora.
"Elle" trata da dualidade humana em estilo de lembrar Hitchcock
Por meio desse estratagema ficcional, numa dramaturgia totalmente anti naturalista, a personagem
central do filme “Elle” consiste
numa construção abstrata que exprime os aspectos contraditórios do universo
feminino. Isto é, os arquétipos opostos de Eva e de Lilith.
Capa da mais nova edição da coleção lançada pela Versátil Filmes
Se existe um tipo de espetáculo cinematográfico
que evoluiu de modo impressionante nos últimos tempos é, sem dúvida, o
gênero da ficção científica. É inegável o resultado das transformações na
tecnologia de produção de imagens. Uma parcela importante do público,
entretanto, se lembra com saudade dos clássicos daquele gênero cuja
criatividade, associada a certa ingenuidade narrativa, compensavam a ausência dos
recursos atuais.
Acaba de ser lançada a "Clássicos Sci-fi Vol.3", 3º volume de uma coletânea de clássicos do cinema de ficção científicas, com 3 DVDs que reúne 6 cultuados filmes, incluindo versões inéditas e restauradas e contendo uma hora
e meia de extras, com documentários e entrevistas. No primeiro disco temos "Repo Man - Onda Punk" (cujo trailer pode ser visto acima), de 1984. O diretor é o inglês Alex Cox que, em 1986, ganhou o
prêmio da crítica na Mostra Internacional de São Paulo, com o filme “Sid e
Nancy”, sobre o baixista da banda inglesa Sex Pistols. “Repo Man” é o papel de Emilio
Estevez, um jovem cujo trabalho é recuperar carros que não foram pagos. Ele
conhece um cientista louco que sequestrou alienígenas.
Cena do filme "Colossus 1980"
Nos anos de 1970, a ideia da inteligência artificial alimentava filmes que se
nutriam do receio quanto ao futuro da tecnologia. É o caso de "Colossus 1980",
obra que o detentor de vários prêmios Emmy Joseph Sargent fez em 1970. Para
evitar novas guerras, o governo dos EUA oferece a um supercomputador o controle
total sobre suas armas nucleares. Mas o resultado não deu certo. Trata-se de um
bom exemplo desse subgênero que é o do “computador fora de controle”.
Cena do filme "Fase IV: Destruição"
Na década de 1970, um dos mais admirados artistas gráficos que atuavam no
cinema era Saul Bass. Ele cuidou, por exemplo, do design da obra prima de
Hitchcock “Um Corpo que Cai”. Nesta caixa de DVDs ele apresenta "Fase IV: Destruição", de 1974. Uma dupla de cientistas investiga os efeitos de um
fenômeno cósmico que pode ter transformado as formigas do deserto em criaturas
inteligentes. O título foi cultuado nos anos de 1970, no entanto o que mais o
distingue é ter sido único longa dirigido por Saul Bass.
Outra curiosidade é "Pânico no Ano Zero", de 1962, dirigido por Ray Milland. Ele trabalhou
como ator em mais de 170 filmes e ganhou o Oscar em 1945 por “Farrapo Humano”.
E neste longa foi um dos seus raros longas-metragens como diretor. É
também um dos primeiros filmes pós-holocausto da história do cinema. Para
sobreviver, uma família sai de Los Angeles, pouco antes de uma bomba nuclear
destruir a cidade.
Um dos exemplos mais típicos da ficção científica clássica é "Daqui a Cem Anos" –
o famoso “Thingsto Come”, de 1936, dirigido por William Cameron Menzies. A
narrativa se estende de 1940 a 2036, abordando a história da humanidade
destruída pela guerra e reconstruída pela ciência. O roteiro foi escrito pelo
próprio autor do livro, o lendário H. G. Wells, criador de “Guerra dos Mundos”.
Também faz parte dessa coleção, o divertido filme B de Roger Corman "O Emissário de Outro Mundo", sobre um alienígena enviado à Califórnia, para
extrair o sangue dos humanos.
Gaspar Ulliel é o protagonista do novo longa do diretor canadense
Neste ano, lá em Cannes, o filme “É Apenas o Fim do Mundo” ganhou o Grande Prêmio do Júri, que equivale a um segundo colocado na
disputa pela Palma de Ouro. O jovem diretor Xavier Dolan, de 28 anos, ficou inconformado
com o fato de alguns membros do júri terem preferido o filme “Nascido Para Lutar”, com Sylvester Stalone. Para ele é isso o que significa, na verdade, o
fim do mundo.
Acima de tudo, o cineasta franco-canadense Xavier Dolan é apaixonado por Marion
Cotillard. A paixão do controvertido autor de “Eu Matei Minha Mãe” por esta que
é, de fato, uma das mais talentosas atrizes francesas do momento é tão grande
que, para contracenar com ela, ele convocou outros nomes de primeira grandeza
no cinema francês atual: Vincent Cassel e Lea Sidoux. Sem falar da célebre
Natalie Baye, uma das preferidas de François Truffaut, que já atuou em 99
filmes. O protagonista, porém, não é nenhuma dessas estrelas, mas o emergente
Gaspar Ulliel, que vimos recentemente na pele de Yves Saint Laurent.
O detalhe é que todos personagens se acham em cena durante o filme inteiro e
sempre com a lente da câmera colada em seus rostos. São raras as cenas em que
os intérpretes são filmados de corpo inteiro, de modo que Dolan pratica o que
poderia ser chamado de uma dramaturgia do olhar ou, melhor dizendo, da
expressão facial. Os diálogos dizem muito, em função mesmo do roteiro: um
escritor não vê a mãe e os irmãos há 12 anos. Ao se saber contaminado pela
AIDS, ele vai visitá-los para comunicar que está prestes a morrer. A
intensidade das conversas é tanta que, numa das passagens mais longas e
contundentes, o diretor decide filmar Gaspar Ulliel e Vincent Cassel de costas.
Marion Cotillard encena uma das cenas mais belas do cinema recente
Há alguns poucos flashbacks, mas é no confronto direto entre personalidades
tão distintas que o filme se constrói. Ulliel interpreta um dramaturgo bem
sucedido que deixa para trás o provincianismo de sua terra natal e de seus
parentes. Cassel, é o irmão recalcado e embrutecido, Sidoux, a irmã reprimida e
viciada em drogas e Baye a mãe alienada pela ausência do marido. A única
figura que se comunica humanamente com o personagem central é Cotillard,
responsável por um dos diálogos mais tocantes do cinema atual – até porque as
falas se colocam sempre na contra mão dos olhares. “É Apenas o Fim do Mundo” acaba
de chegar ao mercado, mas, desde já, tem seu lugar reservado entre os melhores
da temporada.
Xavier Dolan dirige cena de "É Apenas o Fim do Mundo", melhor filme desta semana
É possível que o mercado das salas de cinema
esteja começando a se auto regular, porque nesta semana temos apenas cinco
filmes novos. Mas essa aparente racionalidade talvez seja apenas fruto da
prudência diante do principal concorrente que é "Animais Fantásticos e Onde Habitam". Líder absoluto de
bilheterias no Brasil, em seu primeiro final de semana em cartaz,o filme já foi
visto por mais de 1,3 milhão de pessoas. Para enfrentá-lo, o cinema brasileiro
escalou uma cantora apelidada de Pimentinha.
Com direção de Hugo Prata, apoiado por um elenco que tem Caco Ciocler e Gustavo
Machado,o filme “Elis” é protagonizado por Andreia Horta, no papel daquela que
foi a mais importante e mais querida cantora brasileira dos últimos tempos. O
filme ganhou o prêmio de público no último Festival de Gramado e, neste que é o
seu primeiro longa, o diretor traz como credencial o fato ter sido diretor da
premiada serie de TV “O Castelo Ratimbum”.
Alguns críticos, no entanto, não aprovaram o roteiro assinado por Vera Egito e
Luis Bolognesi, por ser demasiadamente didático e linear. Ou seja, por ter
reproduzido a biografia da cantora de maneira simples, um tanto burocrática –
no sentido de ter dado importância aos seus cacoetes para caracterizá-la, como a
abertura do sorriso e o movimento frenético dos braços. Mas observações como
esta não derrubam a qualidade do filme que, em menos de duas horas, conseguiu
sintetizar uma biografia tão rica como foi a de Elis Regina.
No campo do cinema internacional, a maior atração é Tom Cruise, do personagem
título de “Jack Reacher: Sem Retorno”. Mais uma vez, ele interpreta um herói
solitário dedicado a desvendar uma conspiração que envolve a sua trajetória.
Ele é um militar que retorna à base onde serviu e lá encontra uma amiga presa,
acusada de ter vazado informações confidenciais do exército.
O diretor é o talentoso Edward Zwick, premiado pelo Oscar por seu trabalho em
“Shakespeare Apaixonado” de 2003. E assinou 22 títulos como diretor, alguns
deles de ação como “O Último Samurai” também de 2003.
Mas o melhor lançamento da semana tem como título "É Apenas o Fim do Mundo", do canadense Xavier Dolan, baseado
na peça “Juste la fin du monde” de Jean-Luc Lagarce. O filme mereceu o Prêmio Especial do Júri no
Festival de Cannes neste ano. O elenco é todo formado por estrelas do cinema
francês, como Vincent Cassel, Marion Cotillard e Léa Seydoux; além do
protagonista Gaspard Ulliel, que vimos recentemente no papel de Yves Saint
Laurent.
Após doze anos de ausência, um escritor volta a sua cidade-natal, com a
intenção de anunciar para a família a morte que se aproxima. Mas a reunião
familiar não acontece conforme o planejado...
Estreia também um filme de horror dos mais costumeiros, ainda que o seu diretor
seja o DJ Caruso, um especialista na modalidade. Chama-se “O Quarto dos
Esquecidos”. Esquecidos... Assim como será o filme muito em breve.
Impossíveis de serem esquecidos, na verdade, são os filmes de Brian de Palma,
cuja voz estamos ouvindo na trilha do filme chamado “De Palma”. Trata-se de um
documentário sobre ele e sua obra, dirigido pelo nova-iorquino Noah Baumbach, que
recentemente fez o bem sucedido “Frances Ha”
Trata-se de um raro caso de documentário desenvolvido na primeira pessoa.
Porque é o próprio cineasta que vai conduzindo essa exibição da vida dele e da
sua própria obra. Tendo como matéria prima os filmes que ele fez, como “Carrie,
a Estranha”, “Vestida para Matar”, “Um Tiro na Noite”, “Dublê de Corpo”, “Os
Intocáveis” e tantos outros.
Joseph Gordon-Levitt vive o ex-agente da CIA Edward Snowden
Deste os tempos de Aristóteles que, lá no século
4 a.C., foi um primeiros sábios a teorizar sobre a mecânica da
dramaturgia, os que escrevem sobre personagens em conflito sabem que os
espectadores preferem acompanhar aqueles que têm uma trajetória clara e
definida. Os escritores podem variar em torno desse princípio e os críticos até
aplaudem quando um autor consegue fugir dessa linha e, mesmo assim, fazer um
filme interessante. Mas o público, sem dúvida, prefere se envolver com uma
narrativa em que se conhece e se compreende o objetivo do protagonista.
É justamente nesse aspecto que se questiona “Snowden – Herói ou Traidor”, o
filme mais recente de Oliver Stone - aquela celebridade premiada com Oscars por “Platoon” e “Nascido a 4 de julho. Ao
longo de sua história como realizador, é fácil notar que ele tem preferência
por obras construídas em torno de personagens fortes, ou seja, figuras cuja
meta todos identificam facilmente – não apenas o espectador, mas todos os seus
contemporâneos.
Assim, em “Poder e Cobiça”, Gordon Geko só pensava em ganhar dinheiro, muito
dinheiro. É evidente que “Nixon” e George Bush do filme “W” fariam de tudo
para se manter na presidência da republica. Por sua vez, “Alexandre” queria
dominar o mundo – aliás, por coincidência, aquele conquistador era uma figura
muito ligada ao próprio Aristóteles, de quem ele foi aluno. E que, no filme
“Alexandre”, de 2004 foi interpretado por Christopher Plummer.
O diretor Oliver Stone (último à direita) dirige seus atores em cena de "Snowden"
Essa preocupação dos roteiristas de cinema em deixar evidente e bem explicada a
intenção dos protagonistas talvez tenha alcançado o auge no gênero do faroeste.
No recente “7 Homens e Um Destino”, por exemplo, a maior parte do tempo é gasta
na descrição dos motivos de cada um dos 7 pistoleiros em participar da batalha
que só acontece nos momentos finais. No filme “Snowden”, com certeza o
personagem central não tem o tipo físico de caubói, mas de um “nerd” tímido e
introvertido. Mesmo assim se esforça para ser aceito no exército e ser escalado
para combater no Iraque. Mas seu talento para informática lhe abre as portas da
CIA, onde vai trabalhar como espião, assim como todos os seus colegas.
Sem o menor talento para James Bond, ele vai se aprofundar em criptologia,
desvendando códigos e algoritmos para combater os hackers a serviço da China,
da Coria do Norte e demais países perigosos para os Estados Unidos. Quando ele
descobre que as nações amigas, como o próprio Brasil, também estão espionadas,
ele então vira a mesa e revela tudo para a imprensa mundial. E nós
espectadores? O que fazemos com o resto do filme? Como se explica aquela
ascensão de meteoro se, o rapaz não tivesse provado a sua fidelidade ao
sistema? Em suma, em “Snowden – Herói ou Traidor” Oliver Stone descreve os
fatos com precisão mas não nos explica direito, em termos de dramaturgia,
porque eles aconteceram.
Cena do acre drama de Kim Ki Duk, bem recebido na Mostra de SP desse ano
Aos 56 anos, o cineasta sul coreano Kim Ki Duk é
um dos criadores mais importantes do cinema oriental. Nesta 40ª Mostra, ele nos
apresentou um filme de grande impacto humano e político: “A Rede”. Deverá
ser um dos 24 sucessos que ele obteve em sua carreira, durante a qual
colecionou 48 prêmios em festivais internacionais - dos quais se salientam
Berlim, Cannes, Veneza e Chicago. Menos de meia dúzia, porém foram lançados
comercialmente no Brasil, como “O Arco”, “Casa Vazia” e “O Amor Contra a Passagem do Tempo”
Neste filme mais recente, Kim Ki Duk surpreende ao narrar um drama tão doloroso
quanto imprevisível. Um humilde pescador vive na Coreia do Norte, á beira de um
lago que a separa da Coreia do Sul. Mora em ma casinha paupérrima e só tem de
seu um decrépito barquinho movido a motor de popa. Um dia a rede de pesca fica
presa na hélice, o motor enguiça e ele vai parar no território da Coreia do
Sul.
Depois de capturado, o pescador é detido e tratado como se fosse um espião.
Enviado para a capital do país, a moderna e progressista Seul, ele se recusa a
até mesmo abrir os olhos. No trajeto em direção à policia, ele tem medo de ver
qualquer coisa que mais tarde o incrimine. Seu medo é ser suspeito de
espionagem, mas é exatamente isso que acontece em seguida. Por azar, pouco
tempo antes os sulistas tinham capturado um nortista que fingira ter se
convertido ao regime de Seul, causando constrangimento às autoridades locais.
O diretor Kim Ki Duk ostenta seu Leão de Ouro do Festival de Veneza
Mesmo assim, elas insistem para que o pescador “se converta” à ideologia
democrata. Mas ele se recusa porque, para isso, seria necessário abandonar a
esposa e a filha na Coreia do Norte. Aí se inicia um processo de tortura física
e psicológica extremamente cruel, no qual ele luta para manter a sanidade
mental e se escandaliza com determinas coisas que observa no país vizinho, como
a prostituição e o desperdício de bens e riquezas de todo o tipo.
Nesta parte do filme o protagonista critica o capitalismo e a democracia, mas
ao regressar para o norte, depois de uma campanha promovida pela imprensa
sulista, ele terá a oportunidade de sentir na carne a rigidez em vigor na sua
terra natal. Em termos estruturais, o drama narrado em “A Rede” lembra o
primeiro artigo acadêmico escrito em 1945, pelo sociólogo Florestan Fernandes. Contava
a triste história de Tiago Marques Aipobureu, um índio bororo que ao retornar à tribo, após habituar-se com o modo de vida urbano e ocidentalizado, não foi mais aceito
pela comunidade.
Cena do documentário "Martírio", aplaudido em Berlim
No recente Festival de Brasília, o documentário“Martírio” de Vincent Carelli foi várias vezes aplaudido em cena aberta, mas
ganhou apenas um Prêmio Especial do Júri. Isso pode não significar muita coisa,
mas assume grande importância, se entendermos que os jurados não quiserem
premiar este ou aquele aspecto desse documentário – fotografia, roteiro,
pesquisa etc – e preferiram premiar o todo, isto é, o conjunto daquela obra
monumental de 2 horas e 40 minutos assinada por Vincent Carelli - aliás premiado
pelo filme “Corumbiara” em Gramado, no ano de 2009.
“Martírio” é considerado monumental, porque aborda a trajetória dos Guarani
Caiová, desde o início da trágica história de seu relacionamento com os
brancos, ainda no tempo do Marechal Rondon. Mas essa dimensão totalizante do
filme desperta curiosidade acerca das outras histórias, provavelmente mais
curtas e não menos interessantes, que devem ter marcado todo esse longo
processo. Devem ter acontecido muitas. E algumas podem ter sido filmadas,
porque faz tempo que os índios vêm registrando a sua experiência por meio do
audiovisual. Uma das mais interessantes poderá ser vista agora.
No dia 17 de novembro foi lançado um primoroso documentário que é “O Mestre e
o Divino”, do antropólogo mineiro Tiago Campos, todo filmado no projeto Vídeo
nas Aldeias. No mesmo filme, outros dois cineastas retratam o cotidiano na
aldeia e na missão de Sangradouro, no Mato Grosso: são eles Divino Tserewahú e
Adalbert Heide, um dedicado missionário católico alemão. Logo após o contato inicial com os índios, em 1957, esse missionário começou a
filmar tudo o que via na aldeia com sua câmera Super-8. E assim construiu um
precioso acervo histórico de imagens e sons impressionantes e absolutamente
inéditos, que poderemos admirar nesse filme.
Por sua vez, um jovem cineasta Xavante chamado Divino Tserewahú, vinha
produzindo vídeos para a televisão e festivais de cinema desde os anos de 1990.
O interesse maior de “O Mestre e o Divino” está no surpreendente relacionamento
entre os dois. Professor e discípulo, eles competem entre si diante das lentes
de um terceiro cineasta que é o Tiago Campos. Brincam um com o outro, trocam
ironias e até críticas. Dessa forma, eles dão vida a seus registros
etnográficos, revelando bastidores comoventes e bem humorados da convivência
com os índios no Brasil. Não perca “O Mestre e o Divino”.
Benedict Cumberbatch interpreta o mago nesse novo filme da Marvel
O Doutor Estranho é um herói de quadrinhos que já
estreia nos cinemas esbanjando aquilo que poderíamos chamar de “pedigree”, ou
seja, uma linhagem de nobreza que o permite se destacar entre os seus pares.
Foi criado pelo mesmo Stan Lee que deu a luz a figuras como o Homem Aranha, o Thor,
o Homem de Ferro, o Incrível Hulk, o Quarteto Fantástico, o Surfista Prateado,
o Demolidor, o Homem – Formiga - isso para mencionar apenas os mais conhecidos e
publicados.
Agora com 94 anos de idade, Stan Lee continua aparecendo em pequenas pontas nos
filmes dos quais as suas criações participam – como é o caso desta mega
produção com estrelas do porte de Tilda Swinton, Mads Mikelsen e Rachel McAdams.
O que caracteriza mais claramente essa dinastia à qual pertence o Dr. Estranho é
o fato de ele trabalhar mais com a magia do que com a força física. Ele se
inclui, portanto, naquele grupo de tipos aos quais pertencem Harry Potter,
Obi Wan Kenobi, John Constantine, Mandrake, o Mago Merlin e até um feiticeiro homônimo
do século XIX: Jonathan Strange, protagonista de uma bem sucedida série da TV
inglesa em 2014, em que um mágico de nome Strange ajuda o Marechal Wellington a
enfrentar Napoleão.
A lendária Tilda Swinton (acima) interpreta a "Anciã" no longa de super-herói
Mas o que distingue mesmo esse figurão interpretado pelo mesmo Benedict
Cumberbatch de “O Jogo da Imitação” é o fato de usar uma capa, assim como Thor,
Batman, Super Homem e tantos outros. Com todo o respeito à senioridade do
ancião Stan Lee, entretanto, a capa do Dr. Estranho parece ter sido inspirada
naquela que foi criada em 1997, pelo desenhista canadense Todd McFarlane, e
destinada ao uso do personagem Spawn, também chamado “a cria do inferno”. Além
de uma simples peça de vestuário, aquela capa é de fato um personagem à parte,
com vida e vontade próprias, e que interage com o seu usuário. Como vemos em
algumas cenas...
O enredo de Dr. Estranho não traz qualquer novidade: ele é um neurocirurgião
orgulhoso e arrogante que sofre um acidente e perde a mobilidade das mãos. Ao buscar
uma cura num monastério em Katmandu, ele tira o seu doutorado em magia e
volta para salvar o mundo ocidental de uma ameaça mística fabricada em outra dimensão.
Quem de fato ajudou na área criativa de Dr. Estranho foi a cenografia de “A Origem”,
filme de Christopher Nolan. Ele que naquela obra filme traduziu para a linguagem
do cinema os trocadilhos visuais do desenhista holandês Mauritz Escher.
À esquerda, cena do filme "Doutor Estranho"; à esquerda, uma famosa obra de Escher
Cena do filme anti-racista "O Nascimento de uma Nação"
Hoje continuamos a comentar os lançamentos de
filmes novos nesta semana. Um dos méritos da 40ª Mostra de cinema foi a
abundância das várias cinematografias e grandes obras do passado. Provavelmente em
função desse novo interesse que é mundial, o mercado de Hollywood decidiu refilmar este
que é um dos clássicos mais importantes da história: "O Nascimento de uma Nação".
O filme original foi feito em 1915 ainda, portanto, na época do cinema mudo. Seu
diretor David Griffith foi aclamado por ter praticamente criado a linguagem do
cinema com este filme: ele introduziu os closes, a ação paralela, as
panorâmicas e demais movimentos de câmara, além dos principais elementos da
técnica da montagem. No entanto trata-se de uma história de inspiração racista,
em que os membros da Ku Klux Klan eram os heróis.
Mas agora o ator e produtor Nate Parker decidiu refilmar essa mesma história,
evidentemente numa leitura anti-racista. Infelizmente, porém, apesar de bem
aceito no Sundance Festival, o filme teve uma recepção fria e apenas mediana
por parte do público e da crítica nos Estados Unidos – o que talvez já seja um
sinal dos novos tempos.
O que talvez diga alguma coisa sobre os o mundo em que vamos viver é o drama de
suspense “Invasão de Privacidade”. Pierce Brosnan faz o papel de um empresário,
cuja filha começa a ser assediada por um técnico em informática. Extremamente
hábil, esse rapaz já tinha trabalhado para a NSA, que é o maior órgão técnico
de criptologia e espionagem do mundo. Era, portanto um colega de George Snowden
e, assim, será muito complicado para o personagem de Pierce Brosnan se livrar
dele, nessa trama que parece ser uma espécie de “Instinto Selvagem” com o sinal
trocado.
Dirigida pela competente Rebecca Miller, estreia a comédia “Maggie Tem um Plano”,
com um belo elenco liderado por Ethan Hawke, Julianne Moore e pela estrela de “Frances
Há” Greta Gerwig. A jovem Maggiese esforça para sobreviver sozinha na cidade de
Nova Iorque. Para complicar, ela pretende ter um filho, criando-o por conta
própria. Mas o que complica mesmo é que ela se envolve com um homem casado. E
isso promete atrapalhar todo o seu plano.
“Quando o Dia Chegar” é um drama dinamarquês sobre adolescentes num orfanato. O
roteiro se passa nos anos de 1960 e, portanto, o tema central são a injustiças
e os abusos pelos quais passam os jovens internos. O diretor Jesper Nielsen tem
muito prestígio em seu país e já coleciona 8 prêmios ao redor do mundo.
Conhecido em vários festivais internacionais, inclusive em Cannes, o marroquino
Nabil Ayoucha presenta “Much Loved”, sobre quatro prostitutas que se associam para
montar uma família improvisada – o que naquele país parece ser uma tarefa quase
impossível.
Houve um tempo em que filmes do gênero deste – “Horizonte Profundo - Desastre
no Golfo” eram muito apreciados, provavelmente porque e emoção já se achava
instalada no DNA do enredo. Era o chamado “disatermovie”. Este é bastante
caprichado, dirigido por Peter Berg, que é especializado no gênero. E o elenco
ajuda, com as presenças de Mark Wahlberg e Kurt Russell. Baseada em fatos reais,
a história se passa no Golfo do México, durante um desastre numa plataforma de
perfuração marítima de petróleo.
Editor Geral Doutor em Cinema pela Unicamp. Crítico de cinema da Rádio Cultura FM, no programa CINEMA FALADO. Exerceu a crítica de cinema na Rádio USP, no Jornal da Tarde e na Folha de São Paulo. Dirigiu o Departamento de cinema da Rede Bandeirantes. Roteirista das minisséries "Avenida Paulista" e "Moinhos de Vento", bem como da novela "Champanhe" da Rede Globo.
Todos os textos aqui presentes no blog são de sua autoria.