O milagre da simplicidade gerando sofisticação. É o
que poderia explicar o encanto de “Os intocáveis” e decifrar um pouco o seu
inesperado sucesso de público. Com apenas dois atores e uma única situação
dramática, o filme de Eric Toledano e Oliver Nakache produz uma multiplicidade
de efeitos, que variam do riso à reflexão, do suspense à empatia com os personagens.
Estes resultam da observação direta do mundo real, mas levaram anos para serem
construídos e ganharem forma no roteiro. A partir de uma notícia de jornal, os
autores foram montando essa dupla de seres desiguais, obrigados a conviver em
absoluta intimidade: por causa de um acidente, um aristocrata francês
riquíssimo e intelectualmente refinado (François Cluzet) torna-se paraplégico e
precisa contratar alguém que cuide dele em tempo integral.
Na falta de um
candidato mais adequado, o escolhido é um ex-presidiário senegalês meio
arrogante e sem qualquer habilitação profissional para a tarefa (Omar Sy). Mas
naturalmente expansivo e de fácil comunicação, tendo a franqueza como principal
qualidade. Seria fácil imaginar que, na convivência, o rapaz adquirisse certo
verniz cultural, numa rotina já vista em filmes como “Tarzan” ou “My Fair Lady”.
Mas acontece justamente o oposto e o ranço passadista de certos hábitos da
elite tornam-se evidentes no confronto com o gosto popular.
É muito divertida a
passagem em que o personagem de Omar Sy vai desmontando as peças clássicas que o
patrão lhe apresenta, na tentativa de catequizá-lo para a música clássica. Para
ele, Bach devia ter composto tanto, só para conquistar mulheres, enquanto Mozart
lhe faz lembrar um desenho de Tom e Jerry. Diante da falta de cerimônia, as
máscaras sociais acabam desabando e tudo fica mais fácil. Mas essa mágica só
foi possível com o talento de dois grandes atores: Cluzet (“Até a eternidade” –
2010) e Omar Sy (“Micmacs – um plano complicado”, 2009).
É possível que a
interpretação de que o filme tenha desenvolvido uma metáfora sobre o
relacionamento da França com as suas antigas colônias esteja correta. Mas aí
vale imaginar outra analogia, isto é, a de que o cinema francês esteja
finalmente se libertando do peso há décadas exercido pela memória da nouvelle vague, com tudo o que ela teve de
positivo e negativo.
INTOCÁVEIS
Intouchables
França, 2011, 112 min, 14 anos
estreia 31 08 2012
gênero comédia / social
Distribuição Califórnia Filmes
Direção Eric Toledano, Oliver Nakache
Com François Cluzet e Omar Sy
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO
Um comentário:
Depois de O Artista mais um filme francês que ser estadunidense.
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