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sábado, 29 de setembro de 2012

Premiação: ponto fraco do Festival de Brasília.


FOTOS E TEXTO
DE LUCIANO RAMOS
 
É possível dizer que a premiação seja a essência de qualquer festival competitivo ou, para muitos nele envolvidos, a sua própria razão de ser – por causa dos prêmios em dinheiro e pela visibilidade desfrutada pelos ganhadores – ainda que a mera presença num acontecimento nacional do porte deste 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro já seja de grande valia para a difusão de qualquer imagem, pessoa ou ideia, ligada ou não ao cinema. Na foto acima, determinado movimento social da cidade se utiliza do  filme "A ditadura da especulação" para divulgar o seu protesto. Nesta edição, entretanto, justamente os prêmios representaram os furos nesta complexa e bem costurada rede de atrações oferecida ao público e aos participantes, composta de filmes inéditos, debates, seminários, oficinas, entrevistas coletivas, lançamento de livros, concerto sinfônico (abaixo) e até o patrocínio de uma cuidadosa pesquisa original seguida da publicação de um livro sobre Paulo Emílio Salles Gomes, o célebre crítico paulista que foi seu idealizador. 
Na imagem acima o ator Murilo Grossi interpreta o crítico numa performance na abertura do Festival. A quantidade excessiva de prêmios, porém, causou efeito semelhante ao da inflação no sistema financeiro, ou seja, a desvalorização do símbolo criado para ser o mais importante naquele contexto.
A entrega dos doze troféus atribuídos pela Câmara Legislativa do Distrito Federal aos competidores de uma mostra brasiliense roubou tempo demais da cerimônia da premiação e funcionou como um inoportuno anticlímax para a distribuição dos prêmios principais, ou seja, os da competição nacional. Na foto abaixo, lembrando um bolo de noiva, vemos as dezenas de troféus aguardando para serem distribuídos no Festival. O júri oficial não esteve, por sua vez, à altura da organização geral do evento, mais uma vez primorosa em todos os sentidos. 
Para começar, não demonstrou segurança e discernimento suficientes para escolher o melhor longa-metragem de ficção, optando por decretar um absurdo “empate” entre duas produções pernambucanas: “Eles voltam” (acima), de Marcelo Lordello e “Era uma vez eu, Verônica”, de Marcelo Gomes – realizadores de gerações e estilos diferentes. Além de reduzir pela metade o prêmio merecido por cada um dos vencedores, tratou-se esta competição como se fosse algo equivalente a uma partida de futebol, em que vale a quantidade de gols marcada por cada equipe. Ambos os trabalhos apresentavam qualidades, mas muito mais acertada foi a decisão do júri da crítica – composto pela ABRACCINE – em ficar com “Eles voltam”, esteticamente mais elaborado e bem resolvido.
Os jurados se esquivaram, assim, do problema enfrentado pela maioria dos certames em que se julga qualidade e não quantidade. Aqueles títulos forçados a dividir o prêmio possuem pouca coisa em comum, aparte o fato de serem rodados em Recife e de centralizarem a trama em figuras femininas. Como melhor atriz foi premiada a que interpretou a figura principal de um desses dois filmes – Maria Luiza Tavares, de “Eles voltam”, uma iniciante de 12 anos que demonstra talento, mas fez uma personagem que, apesar de central, funcionou mais como coadjuvante. Trata-se de uma menina que é abandonada pelos pais à beira de uma estrada e passa quase o tempo todo calada, apenas reagindo às circunstâncias que o acaso lhe oferece, isto é, à deriva – assim como a garota vivida por Laura Neiva no filme “À Deriva” (2009) do igualmente pernambucano Heitor Dhalia. 
O diretor Marcelo Lordello não gostou dessa comparação objetiva entre as duas obras que eu desenvolvi no debate. Mas o fato é que esse ponto diferencia o trabalho dessa futura atriz com o de Hermila Guedes (acima com João Miguel) de “Era uma vez eu, Verônica”. A atriz pernambucana de “O céu de Suely” (2006) e “Boca” (2012) constrói uma personagem contraditória e, portanto, muito mais complexa, e criada em consonância com a ousada proposta do diretor, no sentido de elaborar um retrato feminino naturalista, social e psicologicamente adequado à realidade contemporânea. Na cena abaixo, ela sorri no palco enquanto Gomes e Lordello se abraçam, engolindo a circunstância de dividir o maior prêmio da competição.
Ou seja, o júri oficial errou na premiação de atriz e vacilou também na área dos documentários de longa-metragem, optando aí por uma atitude distributiva. Deu um “Prêmio Especial” para “Um filme para Dirceu”, da paranaense Ana Johann – que, de fato, apesar de sua aparente descontração, foi o documentário mais criativo e consistente do Festival. Mostrou-se, porém, aturdido com o requinte visual de “Otto”, do consagrado Cao Guimarães (“O andarilho” – 2007) e o elegeu como o melhor, descartando a densidade dramática e o esforço narrativo de “Elena”, mas atribuindo o troféu de direção à sua realizadora Petra Costa. Os equívocos continuam no setor de curta-metragem de animação, premiando “Valquíria” de Luiz Henrique Marques – um razoável exercício formal na técnica de stop-motion – e ignorando o sintético e requintado “Linear”, de Amir Admoni, o qual, por meio de diversos procedimentos de animação, em apenas seis minutos sintetiza toda a gigantesca irracionalidade do tráfego em São Paulo. 
Quanto ao documentário de curta metragem, o vencedor foi o vibrante “A Guerra dos gibís” (acima), de Thiago Mendonça e Rafael Terpins, uma bem humorada e oportuna recuperação da memória de um aspecto gráfico e editorial umbilicalmente ligado à “Boca” do cinema paulista, que corria o risco de se perder. Esse foi um prêmio foi merecido, principalmente por que o excelente “A Cidade” (abaixo) de Liliana Sulzbach (“O cárcere e a rua” - 2004) foi apresentado em uma versão reduzida de 15 minutos. Cortado pela metade, o filme perdeu muito do impacto original, responsável por seu sucesso no festival É Tudo Verdade deste ano. 
Mesmo assim, a cineasta gaucha ficou com o prêmio de direção – o que, para esta comissão julgadora, parece ter valido como um atestado de segunda colocação, como também aconteceu na disputa elo melhor documentário de longa metragem. Ironicamente, neste ano a vinheta que antecede à exibição dos filmes documenta e homenageia a confecção física da estatueta do “candango de ouro”, que corporifica a excelência dos artistas e técnicos vitoriosos. No meio da cerimônia de entrega os prêmios, inclusive, duas patinadoras vestidas de colant dourado entraram no palco, deslizando ágeis e sorridentes, como que para lembrar que o candango também simboliza a força da juventude e a energia do trabalho criativo.

Um comentário:

Enaldo Soares disse...

Cara, é tudo muito cômico.