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sábado, 29 de setembro de 2012

Premiação: ponto fraco do Festival de Brasília.


FOTOS E TEXTO
DE LUCIANO RAMOS
 
É possível dizer que a premiação seja a essência de qualquer festival competitivo ou, para muitos nele envolvidos, a sua própria razão de ser – por causa dos prêmios em dinheiro e pela visibilidade desfrutada pelos ganhadores – ainda que a mera presença num acontecimento nacional do porte deste 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro já seja de grande valia para a difusão de qualquer imagem, pessoa ou ideia, ligada ou não ao cinema. Na foto acima, determinado movimento social da cidade se utiliza do  filme "A ditadura da especulação" para divulgar o seu protesto. Nesta edição, entretanto, justamente os prêmios representaram os furos nesta complexa e bem costurada rede de atrações oferecida ao público e aos participantes, composta de filmes inéditos, debates, seminários, oficinas, entrevistas coletivas, lançamento de livros, concerto sinfônico (abaixo) e até o patrocínio de uma cuidadosa pesquisa original seguida da publicação de um livro sobre Paulo Emílio Salles Gomes, o célebre crítico paulista que foi seu idealizador. 
Na imagem acima o ator Murilo Grossi interpreta o crítico numa performance na abertura do Festival. A quantidade excessiva de prêmios, porém, causou efeito semelhante ao da inflação no sistema financeiro, ou seja, a desvalorização do símbolo criado para ser o mais importante naquele contexto.
A entrega dos doze troféus atribuídos pela Câmara Legislativa do Distrito Federal aos competidores de uma mostra brasiliense roubou tempo demais da cerimônia da premiação e funcionou como um inoportuno anticlímax para a distribuição dos prêmios principais, ou seja, os da competição nacional. Na foto abaixo, lembrando um bolo de noiva, vemos as dezenas de troféus aguardando para serem distribuídos no Festival. O júri oficial não esteve, por sua vez, à altura da organização geral do evento, mais uma vez primorosa em todos os sentidos. 
Para começar, não demonstrou segurança e discernimento suficientes para escolher o melhor longa-metragem de ficção, optando por decretar um absurdo “empate” entre duas produções pernambucanas: “Eles voltam” (acima), de Marcelo Lordello e “Era uma vez eu, Verônica”, de Marcelo Gomes – realizadores de gerações e estilos diferentes. Além de reduzir pela metade o prêmio merecido por cada um dos vencedores, tratou-se esta competição como se fosse algo equivalente a uma partida de futebol, em que vale a quantidade de gols marcada por cada equipe. Ambos os trabalhos apresentavam qualidades, mas muito mais acertada foi a decisão do júri da crítica – composto pela ABRACCINE – em ficar com “Eles voltam”, esteticamente mais elaborado e bem resolvido.
Os jurados se esquivaram, assim, do problema enfrentado pela maioria dos certames em que se julga qualidade e não quantidade. Aqueles títulos forçados a dividir o prêmio possuem pouca coisa em comum, aparte o fato de serem rodados em Recife e de centralizarem a trama em figuras femininas. Como melhor atriz foi premiada a que interpretou a figura principal de um desses dois filmes – Maria Luiza Tavares, de “Eles voltam”, uma iniciante de 12 anos que demonstra talento, mas fez uma personagem que, apesar de central, funcionou mais como coadjuvante. Trata-se de uma menina que é abandonada pelos pais à beira de uma estrada e passa quase o tempo todo calada, apenas reagindo às circunstâncias que o acaso lhe oferece, isto é, à deriva – assim como a garota vivida por Laura Neiva no filme “À Deriva” (2009) do igualmente pernambucano Heitor Dhalia. 
O diretor Marcelo Lordello não gostou dessa comparação objetiva entre as duas obras que eu desenvolvi no debate. Mas o fato é que esse ponto diferencia o trabalho dessa futura atriz com o de Hermila Guedes (acima com João Miguel) de “Era uma vez eu, Verônica”. A atriz pernambucana de “O céu de Suely” (2006) e “Boca” (2012) constrói uma personagem contraditória e, portanto, muito mais complexa, e criada em consonância com a ousada proposta do diretor, no sentido de elaborar um retrato feminino naturalista, social e psicologicamente adequado à realidade contemporânea. Na cena abaixo, ela sorri no palco enquanto Gomes e Lordello se abraçam, engolindo a circunstância de dividir o maior prêmio da competição.
Ou seja, o júri oficial errou na premiação de atriz e vacilou também na área dos documentários de longa-metragem, optando aí por uma atitude distributiva. Deu um “Prêmio Especial” para “Um filme para Dirceu”, da paranaense Ana Johann – que, de fato, apesar de sua aparente descontração, foi o documentário mais criativo e consistente do Festival. Mostrou-se, porém, aturdido com o requinte visual de “Otto”, do consagrado Cao Guimarães (“O andarilho” – 2007) e o elegeu como o melhor, descartando a densidade dramática e o esforço narrativo de “Elena”, mas atribuindo o troféu de direção à sua realizadora Petra Costa. Os equívocos continuam no setor de curta-metragem de animação, premiando “Valquíria” de Luiz Henrique Marques – um razoável exercício formal na técnica de stop-motion – e ignorando o sintético e requintado “Linear”, de Amir Admoni, o qual, por meio de diversos procedimentos de animação, em apenas seis minutos sintetiza toda a gigantesca irracionalidade do tráfego em São Paulo. 
Quanto ao documentário de curta metragem, o vencedor foi o vibrante “A Guerra dos gibís” (acima), de Thiago Mendonça e Rafael Terpins, uma bem humorada e oportuna recuperação da memória de um aspecto gráfico e editorial umbilicalmente ligado à “Boca” do cinema paulista, que corria o risco de se perder. Esse foi um prêmio foi merecido, principalmente por que o excelente “A Cidade” (abaixo) de Liliana Sulzbach (“O cárcere e a rua” - 2004) foi apresentado em uma versão reduzida de 15 minutos. Cortado pela metade, o filme perdeu muito do impacto original, responsável por seu sucesso no festival É Tudo Verdade deste ano. 
Mesmo assim, a cineasta gaucha ficou com o prêmio de direção – o que, para esta comissão julgadora, parece ter valido como um atestado de segunda colocação, como também aconteceu na disputa elo melhor documentário de longa metragem. Ironicamente, neste ano a vinheta que antecede à exibição dos filmes documenta e homenageia a confecção física da estatueta do “candango de ouro”, que corporifica a excelência dos artistas e técnicos vitoriosos. No meio da cerimônia de entrega os prêmios, inclusive, duas patinadoras vestidas de colant dourado entraram no palco, deslizando ágeis e sorridentes, como que para lembrar que o candango também simboliza a força da juventude e a energia do trabalho criativo.

AQUI NÃO SE TOCA! -- em Brasília, o cinema já grita em idioma nativo.


Nas longas sessões do 45º Festival de Brasília, houve espaço para o confronto das diversas tendências que se manifestam atualmente no cinema brasileiro. De modo geral e em polos por vezes opostos, aparecem propostas comprometidas com algum tipo de engajamento ideológico e outras, mesmo abordando problemas sociais, se destacam pelo seu aspecto formal. Entre os curtas, a primeira postura é mais comum, liderada pelo brasiliense “A ditadura da especulação” (acima), feito pelo coletivo Zé Furtado. Para reforçar o seu efeito mobilizador, este filme-panfleto trouxe uma equipe de dezenas de jovens e indígenas que ocupou o palco para protestar contra a construção de um condomínio de luxo dentro e um parque que abriga uma comunidade indígena. (abaixo)
Foi emocionante ver novamente a indignação nos rosto dos estudantes. Entre os competidores de longa-metragem o vitorioso foi aquele cinema que já foi chamado de poético, feito só de imagens e sons, e tão narrativo quanto pode ser uma pintura abstrata, se situa “Otto” (abaixo), de Cao Guimarães – quase um filme familiar que registra imagens referentes à gestação de seu filho, não fosse ele o esteta que nos deu obras como “O Andarilho” (2007). Enquanto os estudantes colocam na tela toda a sua ira cidadã registrada por meio de filmagens precárias, feitas no sufoco do protesto com qualquer tipo de câmara, incluindo celulares, Cao Guimarães se esmera em esculpir fotogramas de cristalina beleza, para emoldurar a esposa e o filho recém-nascido, provavelmente os seres por ele mais amados. É justamente essa exuberante diversidade que agora marca o cinema brasileiro.
Os curtas de animação mais interessantes do 45º Festival de Brasília chegam de São Paulo e Minas Gerais, enquanto a maioria dos documentários de curta e longa metragem vem do sul e sudoeste do país. Isso não quer dizer muita coisa, porque a elenco de filmes selecionados sempre depende dos títulos disponíveis no momento da seleção. De qualquer modo, os desenhos animados “Phantasma”, do mineiro Alessandro Correia e “Linear” do paulista Amir Admoni, se revelam os melhores em competição, mostrando estilos e técnicas completamente diversos. Enquanto “Linear” parte para o stop-motion, numa vertente surrealista, ou seja, uma fantasia apoiada na impressão de realidade, “Phantasma” nos oferece uma versão a um só tempo caricatural, humorística e poética da tão conhecida história do Fantasma da Ópera. Os jurados, porém, premiaram o mineiro “Valquíria” de Luis Henrique Marques, um dos menos expressivos da competição. 

Entre os documentários longos, o melhor fica entre a paranaense iniciante Ana Johan, com o seu adorável “Um filme para Dirceu” (Prêmio especial do júri) e “Olho nu”, uma feérica cinebiografia de Ney Matogrosso, inteiramente desprezada pelo júri. Sua produtora é Paloma Rocha e o diretor é o veterano Joel Pizzini (“500 Almas” – 2004), nascido no Rio, mas também marcado por seu trabalho no Paraná. Neste filme a montagem adquire especial importância, tanto que ficou a cargo de vários profissionais liderados por Idê Lacreta e Ricardo Miranda, com a dura missão de selecionar trechos a partir de uma coleção de 300 horas de material de arquivo. Nos longas de ficção, duas gerações competiram pelo prêmio: Marcelo Lordello, com o minimalista “Eles Voltam” (acima), e Marcelo Gomes, o celebrado criador de “Cinema, Aspirinas e Urubus”, com o retrato sociológico “Era uma vez eu, Verônica” (abaixo). No final, como uma espécie de consenso político bem ao gosto de determinados parlamentares, as duas ganharam. 

Qual dessas imagens há de ficar como ícone desta edição do Festival? Esses dois rostos felizes de mulher, iluminando o caminho e dando um novo corpo para o cinema. Ou a santa indignação, inflamando novamente a alma da juventude, para fazer do cinema sua pintura de guerra, seu arco e sua flecha.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

De Brasília: mais um boletim sobre o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro


O Festival de Cinema de Brasília começou muito bem, com uma noite em que se manifestaram pelos menos 4 obras primorosas. O documentário curto “Câmara Escura”, do pernambucano Marcelo Pedroso; o curta de animação “Linear” do paulista Amir Admoni; os dois longas: “Um filme para Dirceu” da paranaense Ana Johann e o de ficção “Eles Voltam”, do pernambucano Marcelo Lordello. Todos revelam a elevação do nível artesanal, estilístico e cultural dos jovens realizadores brasileiros. “Câmara Escura” consiste numa ousada experimentação na qual o diretor solta a sua câmara no mundo, mais ou menos como alguém que abre a porta da gaiola para que o passarinho possa sair voando. Na verdade, procura colocar em prática uma das ambições essenciais do gênero, que é a criação de uma imagem do real produzida pela câmara de modo indicial, ou seja, sem interferência significativa de seu operador. No caso, a máquina seria manipulada pelas próprias pessoas escolhidas para aparecer diante dela. Já o curta paulista de animação é tecnicamente impressionante e o impacto que causa é inversamente proporcional à sua duração de apenas 6 minutos (acima). Imagine um ponto produzindo uma linha corporificada numa faixa de trânsito riscada sobre uma rua de São Paulo. 
A sequencia do festival promete trazer boas surpresas, como “Um filme para Dirceu”, documentário da paranaense Ana Johann. A linha do filme é a do documentário participativo, em que a realizadora se coloca como uma das personagens deste filme que tem como diretriz filmar o cotidiano de Dirceu Cieslinski, um jovem sanfoneiro dedicado à música sertaneja de raiz e que também se mostra um humorista nato (fotos abaixo e acima). O filme é recheado de passagens cômicas, principalmente nas cenas em que aparecem os amigos do personagem. A cineasta empregou três anos nesse projeto, acompanhando o rapaz que, de certa forma, ia colaborando com a captação dos recursos e direcionado as entrevista com muito humor. Um dado de curiosidade é que a diretora só aparece de costas para uma câmara de vigilância instalada em seu escritório, de onde conversa com o Dirceu por meio do Skype. Com isso ela faz piada com um dos conceitos mais marcantes do chamado cinema verdade que é o de que a câmara deveria permanecer, como uma mosca na parede, sem interferir em seu objeto. Aliás, este não é um filme sobre Dirceu, mas para ele, como diz o título. Porque o seu tema é, na verdade, o próprio filme. 
Neste ano, a maioria dos títulos em competição no 45º Festival de Brasília vem de Pernambuco. Um jornalista comentou que, se de fato esse festival for uma amostra no nosso cinema atual, poderíamos supor que o cinema brasileiro seja agora majoritariamente pernambucano. Nos últimos anos o cinema daquele estado tem sido marcado por filmes agitados e violentos, no trabalho de gente como Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Claudio Assis e Heitor Dahlia. Mas os novos realizadores estão nos oferecendo a alternativa de modalidades mais intimistas, com dramas mais interiorizados. É o caso do cativante do “Eles Voltam”, do recifense Marcelo Lordello. Um carro para numa estrada e dois irmãos, uma moça de 12 anos e um rapaz de 15, são deixados ali sozinhos. (foto abaixo)
As horas passam sem que os pais voltem para apanhá-los. O garoto se desespera e manda que a irmã o espere enquanto ele vai ao posto mais próximo. Nada acontece e ela passa a noite à beira da estrada. No dia seguinte um menino que passa de bicicleta a leva para a casa de sua família, dentro de um assentamento de “sem-terras” instalado na região. Assim se inicia a saga daquela menina de classe média alta que passa a experimentar coisas e conhecer pessoas que nunca tinha imaginado e que a transformariam por completo. O que mais impressiona no filme de Lordello (de costas abaixo) é a elegância e a discrição com que tudo é narrado, com uma coerência de estilo só vista em grande mestres do passado, como Antonioni, ou do presente como a argentina Lucrecia Martel. 
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Direto do Distrito Federal: boletim do Festival de Brasília do Cinema Brasilero


Hoje à noite começa a mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de número 45, de fato o mais antigo, hoje o mais importante do país. Por que? Em primeiro lugar, porque é o mais abrangente. Só aceita filmes inéditos. Ou seja, nenhum dos que concorrem já estiveram em outros festivais. São 6 filmes de ficção e 6 documentários, fora 18 curtas concorrendo a 635 mil reais em prêmios. Isto é, a partir de 600 filmes inscritos, 30 títulos foram selecionados para competir. Não só pelo dinheiro, mas também pela visibilidade que a obra adquire no mercado. Além disso, o Festival de Brasília acredita que o evento não pode ter o mesmo esquema de um campeonato esportivo e desenvolve uma programação cultural muito oportuna e significativa. Talvez por conta da sua ligação umbilical com a Universidade. Por exemplo, durante três tardes, os mais importantes críticos e pesquisadores de cinema do país se reúnem para reverenciar a memória de Paulo Emílio Salles Gomes, o crítico paulista que ajudou a fundar o festival há 45 anos. Isso será feito por meio do lançamento de um livro sobre ele e de um seminário em que se discutirão os rumos do cinema brasileiro e o pensamento a respeito dele, bem como o papel da crítica nos dias de hoje.
Na sessão de abertura do Festival de Brasília, foi exibido fora de concurso o filme “A Última Estação” do produtor e diretor radicado em Brasília Marcio Curi, cujas imagens ilustram  esta matéria. O roteiro do paulistano Di Moretti focaliza um imigrante libanês (Munir Maasri) e muçulmano que veio para o Brasil em 1950 e que em 2001, enquanto as torres gêmeas de Nova York eram derrubadas pelos terroristas, ele resolve procurar seus velhos amigos de infância pelo país. Cinco jovens árabes e muçulmanos que, junto com ele no mesmo navio, vieram em busca de prosperidade. De fato, seus descendentes entre nós (um deles é prefeito e outro concorre à Prefeitura de São Paulo) hoje formam uma população maior do que a de muitos países do Oriente Médio, um destes certamente é o próprio Líbano, de onde veio, aliás, a maior parte do capital aplicado na produção do projeto.
Trata-se, portanto, de um caso inédito de co-produção Líbano/Brasil que mostra o quanto a sociedade brasileira está aberta apara a diversidade cultural e religiosa. Assim como a do Líbano, cujo povo aceita e celebra a convivência harmoniosa entre cristãos, judeus e muçulmanos. No elenco se misturam atores árabes e brasilienses com destaque para Elisa Lucinda e o veterano Munir Maasri. Antes da apresentação do filme, o Festival de Brasília colocou em prática uma excelente ideia: chamou a orquestra sinfônica do Teatro Nacional Nacional para executar ao vivo o principal do tema do filme. Em suma, os militantes islâmicos que estão revoltados com um determinado filme americano deveriam assistir este de Marcio Curi, para se acalmarem em relação ao cinema ocidental, com este filme que homenageia a tolerância étnica e religiosa.
O filme se refere com profunda ternura a todos esses homens e mulheres que abandoram com tristeza a sua terra e que, no entanto, se integraram com impressionante rapidez à cultura do país que os acolheu. E tudo isso é dito com humor. Logo ao desembarcar em 1950, por exemplo, um personagem libanês pergunta ao patrício que o recebe: "por que os brasileiros estão chorando". O outro explica que é por terem perdido a Copa do Mundo de futebol, mas que tentarão a revanche 4 anos mais tarde. O comentário risada na certa: "então eles só poderão voltar a ser felizes daqiui a 4 anos?"
 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Lançamentos da semana 14 09 2012


Nesta semana estreia um dos melhores documentários musicais brasileiros dos últimos tempos: TROPICÁLIA (acima), de Marcelo Machado. Por contribuir com entrevistas e imagens inéditas de Caetano e Gil e novas visões sobre a história do Tropicalismo, com trechos captados, por exemplo, nos arquivos das TVs da França, Inglaterra e Portugal. E também por inovar em termos de linguagem no gênero. 
Ainda no campo musical, mas sem o mesmo interesse para nós, MY WAY – O MITO ALÉM DA MÚSICA: a história de Claude François, ícone da música popular francesa, um dos autores da canção “My Way”.
Há também mais uma edição de RESIDENT EVIL, a de número 5: A RETRIBUIÇÃO, com a Mila Jojovich ainda em luta com mortos-vivos que estão destruindo a humanidade.
E uma comédia de ficção cientifica: VIZINHOS IMEDIATOS DE 3º GRAU, com os engraçados Ben Stiller e Vince Vaughn. Cidadãos entediados formam um grupo de vigilância comunitária, uma desculpa escapar cotidiano, até que a cidade é invadida por extraterrestres de verdade...
E finalmente outro filme brasileiro de temática espiritualista: E A VIDA CONTINUA, com Lima Duarte e Ana Rosa, baseado num livro escrito em 1968 por Chico Xavier. Por meio de vários personagens inter-relacionados, o filme elabora a mais clara e completa explicação acerca da doutrina espírita mostrada pelo cinema.
Acontece também o relançamento do clássico CABRA MARCADO PARA MORRER (abaixo)de Eduardo Coutinho: o documentário sobre a história de um líder camponês assassinado que começou em 1964, foi interrompido pela ditadura, e só foi concluído em 1984.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"Cara ou Coroa": memória de um tempo em que eramos felizes, apesar de tudo...


A memória do que vivemos não vem a nós formatada em sequencias de cinema. Ainda assim, alguns dizem se lembrar de um acontecimento como se ele passasse como um filme em sua cabeça. Deve haver aí um exagero, porque os registros individuais do passado costumam nos atingir sob a forma de flashes, sensações difusas, fragmentos de situações, frases soltas – ou seja, um repertório fragmentado de imagens e informações, entre as quais as dores e o sofrimento tendem a se esmaecer, ou ganhar a moldura compensatória das racionalizações. Por isso, escrever um roteiro de cinema em primeira pessoa deve ser penoso, como um tratamento psicanalítico em que dezenas de sessões acontecem condensadas numa só. Isto é, por mais coerente e organizado que possa parecer, um conjunto de recordações e um roteiro de filme histórico constituem duas coisas absolutamente diversas. 
Ao assistirmos um filme como “Cara ou Coroa”, por exemplo, é possível experimentar uma enganosa sensação de que aquela narrativa tivesse baixado por inteiro, como um download, na mente do roteirista. O cineasta paulista Ugo Giorgetti tinha 29 anos quando atravessou a época abordada no longa por ele lançado em 07 de setembro de 2012. O ano era precisamente 1971, quando o grupo teatral americano The Living Theatre foi preso em Ouro Preto pela ditadura militar. Este é o fato histórico que serve de baliza cronológica para a o filme e, em torno do qual, se elabora um quadro social e dramático capaz de representar aquele período. 
Construídos com matéria prima historicamente real, uma série de personagens dará corpo à trama: um grupo teatral financiado pelo PCB prepara uma peça politicamente engajada. O diretor do espetáculo (Emílio de Mello) e seu irmão (Geraldo Rodrigues) são convencidos pelo dirigente do partido a conseguir um esconderijo para dois companheiros que agiam na clandestinidade. Namorada de um deles, uma estudante (Julia Ianina) resolve escondê-los no porão da casa onde vive com o avô, um general da reserva (Walmor Chagas). Como anteparo cômico e afetivo dessa quase talvez desgraça, há um chofer de praça (Otávio Augusto), tio dos rapazes, e a sua abnegada esposa (Thaia Perez). 
O filme é essencial para quem quiser partilhar sentimentos e sensações sobre os chamados “anos de chumbo” com aqueles indivíduos. Ou, para quem não consegue mais se lembrar dos nomes, ou da aparência dos que fizeram parte da sua experiência real. Nenhum dos que aparecem no filme teve seu rosto estampado nos cartazes pelos quais o regime divulgava os seus “procurados” e nem foi trocado por embaixadores sequestrados. Eles apenas davam uma força para quem “pegara em armas” e assistiam apavorados à escalada da tortura e da violência por parte da repressão. E por isso, representam a maioria dos jovens que, assim como eu e, talvez, o diretor e roteirista do filme, testemunhamos o que se passou. É impossível esquecer tudo aquilo. E mais ainda, que seja lembrado do mesmo modo por todos nós. 
CARA OU COROA 
Brasil, 2012, 110 min, 12 anos
estreia 07 09 2012
gênero história / política
Distribuição Vinny Filmes
Direção Ugo Giorgetti 
Com Walmor Chagas, Otávio Augusto, Thaia Perez, 
Emilio de Mello, Julia Ianina, Geraldo Rodrigues
COTAÇÃO
* * * * 
ÓTIMO



"Abraham Lincoln: caçador de vampiros" nos ajuda a entender a história dos EUA.


Mesmo correndo o risco de aparentar uma bobagem oportunista, “Abraham Lincoln: caçador de vampiros” merece atenção. Primeiro porque significa uma ousada experiência de crossover entre gêneros cinematográficos que nunca se misturam: o drama histórico e a fantasia de horror, com pitadas de kung fu chinês. A legitimidade desse procedimento se encontra na própria essência da ficção, ou seja, é lícito ao escritor imaginar a respeito do que não se acha documentado sobre um personagem real, desde que o inventado se mostre coerente com a documentação – ainda que, neste caso, essa coerência esteja enraizada nos próprios domínios da narrativa fantástica. 
Isso tem acontecido em filmes como “O segredo de Beethoven” (2006), em que uma assistente teria lhe servido de “regente fantasma” na estreia da Nona Sinfonia, ou “O Corvo” (2012), no qual Edgar Allan Pöe teria atuado como detetive pouco antes de morrer. Há também neste filme produzido por Tim Burton a construção de uma metáfora ambiciosa e radical, associando o escravismo ao vampirismo, a ponto de pintar a Guerra da Secessão como um confronto entre vampiros e seres humanos. 
A própria irracionalidade da batalha de Gettysburg (julho de 1863), na qual o sulista General Lee ordenou um ataque frontal de 15 mil soldados contra os nortistas em maioria, serve de reforço ao desvario dessa pirueta de ficção. Nesse processo, temos um roteiro estruturado com precisão e lances de humor – como, por exemplo, uma projeção de imagens na base de um fenacistoscópio – além de um diálogo bem cuidado, incluindo frases que poderiam ter sido de fato pronunciadas pelo presidente, como “o poder real não vem do ódio, mas da verdade”, ou “a história registra os fatos, mas se esquece do sangue”. 
E finalmente, o mérito da sofisticada direção a cargo do russo Timur Bekmambetov (“Os Guardiões do dia”, 2006 e “O Procurado”, 2008) que nos oferece um tratamento visual exuberante, em que se destaca uma inacreditável perseguição em meio ao estouro de uma tropa de cavalos. Enfim, por caminhos, tortuosos e inesperados, “Abraham Lincoln: caçador de vampiros” nos ajuda a entender melhor a história dos Estados Unidos. 
ABRAHAM LINCOLN: CAÇADOR DE VAMPIROS 

Abraham Lincoln: Vampire Hunter
estreia 07 09 2012
gênero história / fantasia / horror 
EUA, 2012, 105 min, 12 anos.
Distribuição Fox Filmes 
Direção Timur Bekmanbetov 
Com Dominic Cooper, Mary Elizabeth Winstead, Alan Tudyk
COTAÇÃO
* * *
B O M

domingo, 9 de setembro de 2012

Semana 07 09 2012. Os primeiros lançamentos de setembro: inverno quente

No feriadão da Independência, um bom cardápio de estreias: Não perca o emocionante CARA OU COROA do mestre Ugo Giorgetti, ambientado em 1971 – uma visão muito pessoal e inédita do período da ditadura militar em São Paulo. (foto acima)
Outro brasileiro é a curiosa experiência de uma paródia de filme policial ambientado na favela, e feita para jovens. A violência parece real, mas fica na linha do videogame. Repare n
o título: TOTAMENTE INOCENTES, com Fábio Assunção e o competente cômico Fabio Porchat.
O LEGADO BOURNE é a boa notícia de que a envolvente série de Tony Gilroy continua com a direção dele, mesmo sem Matt Damon, agora com Jeremy Renner, Rachel Weisz e Edward Norton.
Não se assuste com o título porque este filme é bom: ABRAHAM LINCOLN: CAÇADOR DE VAMPIROS. Pode parecer um besteirol, mas, além do impacto visual a cargo do diretor russo Timur Bekmanbetov, o filme elabora uma curiosa analogia entre o vampirismo e o escravismo.
Outro lançamento francês que não é filme-cabeça: OS INFIÉIS -- várias situações cômicas com 7 diretores diferentes. No elenco, gente como Jean Dujardin (de “O Artista”)
Você lembra do “Coraline”? O pessoal que vez aquela apavorante e surrealista animação sotp motion agora traz PARANORMAN, sobre um menino que fala com os mortos e desarma os piores feitiços.
A decepção da semana fica por conta de COSMÓPOLIS do cultuado David Cronenberg, estrelado pelo célebre Robert Pattinson ("Crepúsculo), no papel de um jovem magnata entediado, até porque passa o filme todo trancado em sua limousine. Nós pobres preferimos imaginar que os ricos morrem de tédio. (foto abaixo)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O drama histórico "A Rebelião" é um excelente exemplo no novo cinema francês.


Mathieu Kassovitz é uma das personalidades mais ativas do atual cinema francês. Aos 45 anos, ele já trabalhou como ator em 35 filmes (foi protagonista em “O Fabuloso destino de Amelie Pulain” - 2001) e dirigiu 12. Entre os quais, títulos de ação como “Rios Vermelhos” (2000) e de temática social, como “O Ódio” (1995). Agora ele nos oferece “A Rebelião”, um primoroso docudrama escrito, dirigido e interpretado por ele mesmo. Aborda  um acontecimento especialmente polêmico da história política da França, ocorrido em 1988, na Nova Caledônia – uma ilha da Melanésia francesa. Em abril daquele ano, um grupo de separatistas tomou como reféns 27 soldados, nas imediações da cidade de Ouvea, capital da colônia. Nas altas esferas do governo, passou-se a discutir se deveria haver uma negociação ou se os rebeldes seriam eliminados sumariamente, como criminosos. 
Reconstituir um fato histórico recente é às vezes mais complicado do que trabalhar com uma data mais remota, porque ainda não há aquele afastamento cronológico, depois do qual as dúvidas e perplexidades costumam ser decantadas. O título original da obra é L’ordre et La Morale, ou seja, “A Ordem e a Moral” – já indicando o tipo de enfoque adotado pelo diretor para a descrição e a análise daquele episódio. Com muita competência, aliás, ele interpreta o papel central: um militar especializado em negociação, nos casos daquela natureza, e que chegou a articular com seus contatos socialistas na presidência da república para evitar a mortandade, que passaria para a história como “O Massacre de Ouvea”. 
O fato mais curioso e significativo é que, na ocasião, a presidência da república experimentava o raro caso de “coabitação” num sistema democrático, isto é, o presidente era o socialista François Mitterand, mas o primeiro ministro era o conservador Jacques Chirac. Numa debate pela TV, que é incluído de modo estratégico na narrativa, o esquerdista defende os revoltosos em seus motivos, enquanto o direitista os classifica como selvagens e terroristas. Mas, para ver o que realmente ocorreu e se escandalizar mais uma vez com o cinismo de determinados políticos, é preciso ver “A Rebelião” que, a propósito, adota o estilo do suspense, evitando as cansativas discussões ideológicas que poderiam prejudicar a fluência do roteiro. Este filme é mais uma comprovação de que o cinema francês vive uma nova era em sua trajetória.
A REBELIÃO 

L’ordre et La Morale
estreia 31 08 2012
gênero docudrama / história /política/ 
 França, 2011, 136 min, 14 anos.
Distribuição Imovision 
Direção Mathieu Kassovtiz 
Com Mathieu Kassovitz, Iabe Lapacas, Malik Zidi
COTAÇÃO

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ÓTIMO

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"Os Intocáveis" pode marcar o reencontro do cinema francês com o grande público.


O milagre da simplicidade gerando sofisticação. É o que poderia explicar o encanto de “Os intocáveis” e decifrar um pouco o seu inesperado sucesso de público. Com apenas dois atores e uma única situação dramática, o filme de Eric Toledano e Oliver Nakache produz uma multiplicidade de efeitos, que variam do riso à reflexão, do suspense à empatia com os personagens. Estes resultam da observação direta do mundo real, mas levaram anos para serem construídos e ganharem forma no roteiro. A partir de uma notícia de jornal, os autores foram montando essa dupla de seres desiguais, obrigados a conviver em absoluta intimidade: por causa de um acidente, um aristocrata francês riquíssimo e intelectualmente refinado (François Cluzet) torna-se paraplégico e precisa contratar alguém que cuide dele em tempo integral. 
Na falta de um candidato mais adequado, o escolhido é um ex-presidiário senegalês meio arrogante e sem qualquer habilitação profissional para a tarefa (Omar Sy). Mas naturalmente expansivo e de fácil comunicação, tendo a franqueza como principal qualidade. Seria fácil imaginar que, na convivência, o rapaz adquirisse certo verniz cultural, numa rotina já vista em filmes como “Tarzan” ou “My Fair Lady”. Mas acontece justamente o oposto e o ranço passadista de certos hábitos da elite tornam-se evidentes no confronto com o gosto popular. 
É muito divertida a passagem em que o personagem de Omar Sy vai desmontando as peças clássicas que o patrão lhe apresenta, na tentativa de catequizá-lo para a música clássica. Para ele, Bach devia ter composto tanto, só para conquistar mulheres, enquanto Mozart lhe faz lembrar um desenho de Tom e Jerry. Diante da falta de cerimônia, as máscaras sociais acabam desabando e tudo fica mais fácil. Mas essa mágica só foi possível com o talento de dois grandes atores: Cluzet (“Até a eternidade” – 2010) e Omar Sy (“Micmacs – um plano complicado”, 2009).
É possível que a interpretação de que o filme tenha desenvolvido uma metáfora sobre o relacionamento da França com as suas antigas colônias esteja correta. Mas aí vale imaginar outra analogia, isto é, a de que o cinema francês esteja finalmente se libertando do peso há décadas exercido pela memória da nouvelle vague, com tudo o que ela teve de positivo e negativo.
INTOCÁVEIS 

Intouchables
França, 2011, 112 min, 14 anos
estreia 31 08 2012
gênero comédia / social 
Distribuição Califórnia Filmes
Direção Eric Toledano, Oliver Nakache
Com François Cluzet e Omar Sy
COTAÇÃO
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ÓTIMO