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sábado, 4 de maio de 2013

Beto Martins, fotógrafo do documentário “Rio Doce-CDU” recebe Menção Honrosa no Cine PE



No depoimento de uma benzedeira que vende ervas sagradas numa barraca do mercado da Encruzilhada em Recife, aparece uma informação notável, do ponto de vista antropológico: com ou sem intenção de comprar alguma coisa, as pessoas vêm fazer oferendas a uma variante de Exu, a estátua da Pomba Gira que fica na loja. Eis aí uma manifestação espontânea de fetichismo afro-brasileiro, ou seja, um elemento do candomblé se infiltrando numa prática de umbanda. Esse processo de sincretismo poderia ser explicado também pelo nome do local em que a imagem se encontra, ou seja, a encruzilhada como alusão direta ao orixá dos caminhos e da comunicação. O fato enfatiza a irrefreável plasticidade da cultura, ao mostrar a mudança de um significado tradicionalmente atribuído a um objeto, por força do lugar em que ele se encontra, isto é, um ponto pelo qual passam diariamente milhares de passageiros, ávidos por referências afetivas para pontuar o seu trajeto com um mínimo de emoção.

Esse presente do acaso para o repertório do cinema é um dos grandes momentos do filme “Rio Doce-CDU” da pernambucana Adelina Pontual, que registra num tempo próximo ao do real o trajeto de uma linha de ônibus que cruza bairros populares de Recife e Olinda. A sinopse do filme não se estende muito além do que diz essa frase – o que não diminui o seu interesse enquanto tema, até porque há poucos símbolos a exprimir melhor a vida democrática do que esse meio de transporte que pertence a todos. O trabalho apresentado no Cine PE 2013 deu Menção Honrosa do júri oficial a Beto Martins, seu diretor de fotografia. Respeitosa e talvez algo intimidada por essa avalancha de realidade que a viagem proporciona, a diretora se limita a seguir essa máxima do cinema-verdade válida desde os anos de 1960 que é se comportar “como uma mosca na parede”. Com outros exemplos recentes, como “Garapa” (2009 – José Padilha), percebe-se que esse modo de construir documentários como faziam Robert Drew (“Primárias” na foto abaixo) e Don Allan Pennebaker (“Dont Look Back”) na década de 1960 ainda permanece sendo praticado. 

Provavelmente sem querer, entretanto, Adelina Pontual faz de seu filme um espetáculo para poucos, ou seja, para os que vivem em Recife e entendem por completo a fala corrente dos habitantes. Durante e exibição no Cine PE, por inúmeras vezes ouvia-se as risadas da plateia sem que fosse possível compreender o motivo do riso, porque o significado do que fora dito escapava aos forasteiros. Dentro dos parâmetros éticos do cinema-verdade – também chamado pelos francófonos de “en directe” – não se admite que o diretor peça ao entrevistado para repetir a tomada, nem que diga novamente a mesma frase mais pausadamente. Não há nada contra, porém, em acrescentar legendas, como às vezes acontece em filmes portugueses, ou como se faz na França ao exibir-se documentários "en directe" do canadense Pierre Perrault (1927-1999) quase sempre filmados num dialeto local de difícil entendimento.

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