Neste Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, por exemplo, há uma cena na qual uma prostituta é apresentada a um pastor evangélico – encarnados por pai e filha: Antonio Pitanga (Barravento) e Camila Pitanga (Saneamento Básico). Nesse ponto, os diretores autorizam os atores a passar por cima de seus personagens, para fazer uma piadinha com aquela parte da platéia que tem a informação desse parentesco. No longa anterior de Beto Brant (O Amor segundo B. Schiamberg – 2010), feito sem a colaboração de Renato Ciasca, tudo isso se fazia mais marcante, porque as filmagens foram realizadas imitando mesmo uma situação de reality show: Gustavo Machado (Bruna Surfistinha) e a artista plástica Marina Previato trancaram-se num apartamento durante várias semanas, enquanto oito câmaras escondidas gravavam tudo o que seria mais tarde editado. Aquela experiência, aliás, serviu de laboratório para esta produção mais recente, em que a improvisação orquestrada dos intérpretes sob o olhar discreto da câmera é o procedimento fundamental da encenação.
Há um livro de Marçal de Aquino como ponto de partida e um roteiro que dele foi extraído. Mas a montagem final é tudo o que recebemos dele e, conforme as decisões dos irrequietos diretores, os personagens são exibidos vivenciando de cara a essência de seus conflitos, sem aquela preparação há séculos recomendada pela dramaturgia. Inicialmente, pouco ou nada sabemos acerca de sua gênese, ou de suas motivações, ainda que vez por outra um deles coloque a cabeça para fora do virtual aquário e fale de si. É o que vemos acontecer com o personagem de Zecarlos Machado (A Casa de Alice): um pastor evangélico tentando explicar como a bíblia o salvara da degradação. Com jeito de discurso ensaiado, essa fala visa persuadir uma mulher de lindos lábios a experimentar o mesmo tratamento. Caída de bêbada e drogada no meio da rua, ela é Camila Pitanga representando uma prostituta urbana. Após uma cena de exorcismo, tão convincente que credenciaria Machado dedicar-se ao ofício de pregador, a moça aceita se casar e mudar com ele para uma missão religiosa no oeste do Pará.
O empenho dos intérpretes nos leva a acreditar que aquelas piedosas palavras ditas e ouvidas foram os instrumentos da mudança. Mas a competência deles nos deixa a suspeita de que, para o homem, tudo não passasse de uma cantada exemplar enquanto, para a mulher, seria a oportunidade de arranjar marido, comida e roupa lavada. Já na remota Santarém, em vez de montar outro aquário, os diretores nos apresentam dois peixes fora d’água, isto é, um jornalista e um fotógrafo sofisticadamente pervertidos pela civilização sulista, na pele de Gero Camilo e Gustavo Machado. Este, mesmo sem isca nem anzol, logo captura o peixão que é a personagem de Camila Pitanga em estado de múltipla abstinência. Parece, entretanto que em lugar de se esconder, os amantes procuram tornar público o seu amor proibido e nem se preocupam em fechar a janela.
De fato, o vidro do aquário não é sequer arranhado pelas arestas do velho triângulo amoroso. O que o fará rachar, esparramando a tragédia pelo chão do roteiro é, como veremos, o cerne da estrutura dramática inventada por Brant e Ciasca. Ou seja, a estratégia de incluir no filme cenas quase documentais referentes a um problema social típico da região − um comício contra o desmatamento, uma barcaça escandalosamente repleta de toras de madeira nativa – e outras de puro simbolismo, como a performance musical de uma espécie de ritual xamânico encenado uma mulher branca. Essas intromissões do mundo presente funcionando como enunciações da desgraça teriam outro peso na narrativa se o pastor e marido traído não tivesse se tornado uma liderança popular tipo Chico Mendes ou Dorothy Stang.
EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS
LÁBIOS
Brasil, 2012, 100 min, 16 anos
estréia 20 04 2012
gênero drama / social
Distribuição Columbia
Direção Beto Brant e Renato Ciasca
Com Camila Pitanga, Zecarlos Machado,
Gustavo Machado, Gero Camilo
Brasil, 2012, 100 min, 16 anos
estréia 20 04 2012
gênero drama / social
Distribuição Columbia
Direção Beto Brant e Renato Ciasca
Com Camila Pitanga, Zecarlos Machado,
Gustavo Machado, Gero Camilo
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO
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ÓTIMO
3 comentários:
Caramba, Luciano, sua resenha bate de lavada o filme em matéria de qualidade. Que belo texto!
Já o filme não achei grande coisa. Lembra do novelão "Pantanal"? Foi dele que me lembrei enquanto via Pitanga nua (protesto, porque também queria ver nu o galã dela - mas as mulheres não têm vez em filmes feitos pelo e para o olhar fetichista dos homens...), ou enquanto via o antigo "misticismo" que circunda a região norte ressuscitado dentro de um triângulo amoroso bastante tradicional. A história me pareceu solta demais, carecia de pontuar melhor os pontos de inflexão para não passar batida pelos olhos do público. Seu texto precisa acompanhá-la pra ela fazer sentido!
Bjs e inté logo
Dani
Obrigado. Vc tem razão, mas eu gosto do filme mesmo assim...
Ótima resenha. Achei um bom filme, com cenas boas e intensas, mas, mesmo assim, sem o timing pra acabar.
Ele me venceu pelo cansaço. Inda assim, um filme recomendável, principalmente pelo poemas recitados dentro da piscina! Grande abraço.
http://salpage.blogspot.com
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