Na abertura de “Xingu”, com o entusiasmo de adolescentes os Villasboas sujam a própria roupa e o rosto com o barro do chão para não despertar suspeita acerca de sua posição social. Como que se pintando para a guerra, os três irmãos ingressam como simples peões na expedição Xingu-Roncador organizada em 1943 pelo Estado Novo, com o objetivo de dar início à ocupação do Brasil Central. Não há aí qualquer informação quanto aos motivos pelos quais os rapazes, todos com mais de 25 anos, tomaram aquela decisão. O fato é que, na sequencia seguinte, eles já se acham em pleno Xingu, como líderes de uma primeira missão de contato com índios isolados. O confronto entre uma cena e outra na mente do espectador já diz muito sobre os personagens, mais do que poderia a voz de um narrador, porque esta usaria palavras em lugar de imagens.
Essa forma de narrar caracteriza o cinema épico, tal como era denominado pelo soviético Sergei Eisentein, justamente na época em que Leonardo, Claudio e Orlando vieram ao mundo. Era a chamada montagem intelectual, em que idéias poderiam ser sugeridas por meio do choque dialético entre figuras filmadas. E o filme prossegue nessa linha, com um mínimo de diálogos e conceituações verbais, deixando que o fluxo dos fatos se encarregue da narrativa. Já mais perto do ponto culminante do roteiro, por exemplo, vemos uma conversa entre Orlando e um político para o qual basta uma frase para ser identificado como Jânio Quadros. Logo em seguida, junto com os xavantes, ele ouve pela Voz do Brasil a notícia de que o presidente da república acabara de decretar a criação do Parque Nacional do Xingu, salvando dezenas de nações indígenas da extinção pelo contato com os brancos.
Ao longo do filme, aparecem conflitos entre os protagonistas, fruto de suas contradições interpessoais e internas, lembrando-nos de que eles são simples humanos e não heróis, no sentido mitológico do termo que os antigos gregos usavam para designar os semideuses. Leonardo foi afastado da expedição pelos irmãos porque se envolvera com uma índia, dando motivo a um escândalo divulgado nacionalmente pela imprensa e que teria lhe abreviado a vida. Cláudio criticava a atuação política de Orlando e ambos se culpavam pela morte do irmão.
Mas, com tantos acontecimentos para contar, nessa saga que envolve a consolidação da maior reserva natural e indígena das Américas, o filme parece evitar a armadilha do palavreado folhetinesco que veio do teatro e ganhou plena acolhida nas novelas de televisão. Pode ser que futuramente, em sua versão para mini-série televisiva, o diretor Cao Hamburger acrescente mais informações pontuais àquela história, mas, em 102 minutos de filme durante os quais há pouca oportunidade para pestanejar, predomina a concisão. Nesse quesito, o diretor contou com o apoio de Ana Muylaert -- ela mesma uma cineasta iniciada na arte de informar o máximo com um mínimo de recursos. E, é claro com a inspiração e o traquejo de Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat que deram corpo à lembrança daqueles irmãos, heróis brasileiros do século XX.
2 comentários:
O antropólogo, professor e filósofo francês, Claude Lévi-Strauss foi,também um grande pioneiro neste quesito. Não podemos esquecer do grande Darci Ribeiro. As culturas indígenas e o material coletado por todos estes citados acima e pelos irmãos Villas Boas são exuberantes. Belo texto. Irei vê-lo com muito prazer. Até a próxima...
Olá Maxwell, obrigado pela confiança na indicação. Acho que o Levi Strauss merecia tb um longa. E o Darcy já teve uma série de documentários de TV sobre a obra dele, acho que em 2002...
Caro Lê, vou curtir o teu blog...
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