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quinta-feira, 21 de junho de 2012

"Febre do Rato", mais uma brilhante ousadia do cinema pernambucano e de Claudio Assis

O cineasta recifense Cláudio Assis é um animal cinematográfico. Seus dois trabalhos anteriores, “Amarelo manga” (2002) e “Baixio das bestas” (2007) foram premiados como melhor filme no Festival de Brasília. Sendo que esse último também foi considerado o melhor no Festival Internacional de Cinema de Rotterdam. Agora ele lança “Febre do rato”, obra de realização mais trabalhosa e complicada que as anteriores. Principalmente porque se concentra no retrato de um protagonista ao mesmo próximo e distante do mundo real. Trata-se de Zizo (Irandhir Santos – “Tropa de Elite”), um poeta alucinado e anárquico de Recife que publica um tablóide de crítica e poesia chamado Febre do Rato – título que é também uma referência à leptospirose que assombra os habitantes dos mocambos e favelas instaladas nos mangues próximos aos rios Capibaribe, Beberibe e à cidade. Ainda que muito mais complexo, o personagem tem algo do histórico Cuíca de Santo Amaro (José Gomes) falecido em 1964, que lançava em cordel seus versos críticos e satíricos, na Salvador dos anos de 1940 e 50.

Ao dar vida a esse poeta e contestador militante, Claudio Assis e seu roteirista Hilton Lacerda tiveram o cuidado de construir o ambiente que o cerca com riqueza de pormenores: a vizinhança onde se movimenta; um grupo amigos formando uma espécie de tribo de seguidores e até a sua sustentação econômica – ou seja, a mãe amorosa e compreensiva com quem vive e que lhe paga as despesas. Por outro lado, as conexões entre os integrantes desse arremedo de família se mostram bem vivas e costuradas, numa trama que acaba atribuindo credibilidade e concretude àquela figura central, tão pouco provável. Por exemplo, com o amigo Pazinho, vivido por Matheus Nachtergaele (“Cidade de Deus”) ele desenvolve uma relação paternal, enquanto Eneida, a colegial interpretada por Nanda Costa representa a sua Dulcinéia: a amada inacessível que atende à sua necessidade de romantismo.
Apesar da aparente crueza e da improvisação de boa parte das cenas, a incansável verborragia poética do herói adquire solidez e coerência, com tiradas como “até a anarquia precisa de tradição”, ou “enquanto o subúrbio grita de alegria, o planeta chora de medo”. Especialmente na voz de Irandhir Santos – tão expressiva que lhe permitiu apenas com ela, e sempre em off, protagonizar “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (Marcelo Gomes e Karim Ainouz, 2009). Aliás, ele e Nachtergaele – no papel de um coveiro apaixonado por um travesti – provam mais uma vez que se situam na vanguarda da arte dramática abrigada pelo cinema feito por aqui.
Todas as hipérboles, ou excessos da encenação são, por sua vez, harmonicamente integrados ao visual do filme, pela fotografia em branco e preto de Walter Carvalho. Como sempre irretocável, desta vez ele supera o que ofereceu em “Amarelo Manga”, operando travellings memoráveis com a câmara presa ao teto do cenário, ou inserindo os personagens num desfile militar. É justamente esse arranjo entre lucidez e desvario o que dá combustível a esta fábula audiovisual em que se destaca “o grito dos desatinados” e se defende “o direito ao erro”.
Febre do rato
Brasil, 2012, 110 min, 18 anos
estreia 22 06 2012
gênero drama / perfil / fábula
Distribuição Imovision
Direção Cláudio Assis
Com Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Nanda Costa
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO

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