Talvez o maior desafio que se apresenta ao roteirista seja o de promover a identificação entre o público e o personagem central, isto é, criar e manter o interesse acerca de suas ações, dentro da trajetória para ele desenhada. No caso de “OsVingadores”, o próprio diretor Joss Whedon (“Toy Story” – 1995) precisou se apoiar na experiência de Zack Penn (“O Incrível Hulk” - 2008 e “X-Men” - 2003) para lidar com sete protagonistas. Foi um trabalho diferente, por exemplo, do que se fizera com os sete anões na animação Branca de Neve, na qual todos eles são coadjuvantes. E mesmo com “Os Sete Samurais” (Akira Kurosawa – 1954) em que o protagonista é o líder, interpretado por Takashi Shimura.

Não há fórmulas para garantir a mencionada identificação, mas existem alguns cuidados básicos a serem tomados, especialmente quando se trata de figuras quase indestrutíveis como os super-heróis. Vários séculos antes de Cristo, Homero já tomava o cuidado redigir a lenda de Aquiles, dotando-o de um calcanhar onde sua invulnerabilidade não funcionava. Ou seja, sem uma fratura interior, ou um ponto fraco que o torne semelhante aos humanos, não há como o expectador manter a curiosidade por alguém cuja vitória é inevitável.
Neste filme, portanto, Whedon e Penn, se encarregam de orquestrar uma coleção de fragilidades psíquicas e contradições internas que acabam por se tornar a verdadeira história a ser contada. O argumento que lemos na sinopse serve apenas para alinhavar esse coquetel de conflitos: Loki, o semideus nórdico e contraparte maligna de Thor ativa um portal cósmico para permitir a invasão da terra por uma raça de seres míticos e mortíferos. Como esse ataque se inicia por Nova York, foi notada aí uma alusão ao dia 11 de setembro. Pode ser, mas a essência do espetáculo se encontra na arena em que se defrontam os hiper superegos e as formidáveis neuroses de cada um.
Foi preciso estabelecer, no entanto, uma hierarquia entre os protagonistas, tal como aparece no cartaz do filme: em primeiro plano, estão os antagônicos – Thor e o Homem de Ferro. Em segundo plano, vemos o Falcão e a Viúva Negra, ambos perigosamente próximos do mal e, por isso, os mais ambíguos. Ela uma ex-espiã russa e ele que teve a mente temporariamente controlada pelos inimigos. Ao contrário do que ocorre na obra citada de Kurosawa, Nick Fury o líder do grupo, se situa atrás dos demais.
Acertadamente, porém, todos os elementos do espetáculo, inclusive as passagens de pura ação e efeitos especiais, se colocam em função desse núcleo dramático, como meros efeitos de seu desenvolvimento. Uma das sequencias mais visualmente arrebatadoras obedece rigorosamente a essa norma: do topo de seu edifício em Manhattan Tony Stark se atira ao ar sem armadura, mas, ela se instala em seu corpo, à medida que ele vai caindo e passando pelos pavimentos do prédio. Originário do mundo sobrenatural, em outra cena Thor entra em choque com os valores terrenos do Homem de Ferro, numa sarabanda de marteladas verbais que confirmam o nosso ponto de vista. Ele pergunta: “o que seria você, se não fosse essa armadura?”. Ao que Tony Stark responde: “Apenas um bilionário, playboy, gênio e filantropo”. Em resumo o que salva o mundo dos super-heróis, pelo menos neste filme, é o roteiro de Whedon e Penn, com seus diálogos saborosos e cortantes – como o escudo do Capitão América
EUA, 2012, 136 min, 12 anos
estreia 27 04 2012
gênero / aventura / ficção / quadrinhos
Distribuição Disney
Direção Joss Whedon
com Robert Downey Jr., Chris Evans, Scarlett Johansson,
Mark Ruffalo, Jeremy Renner e Chris Hemsworth
COTAÇÃO
* * * *
ÓTIMO



































UM MÉTODO PERIGOSO


Chegam a cinco, portanto, esses tremendos antagonistas, de modo que eles poderiam formar um time de futebol de salão. Mas o oponente que de fato o derrotou era um só e se escondia dentro dele mesmo. Falo de um ego tão inquebrável e desmesurado que o impedia de enxergar as coisas em sua configuração real e o levava se julgar invencível, mesmo quando já se achava a beira do abismo. Nesse sentido a equipe de roteiristas, na qual se inclui o argentino Fernando Castets − aplaudido por filmes como “O Filho da Noiva” (2001) – falhou em não trabalhar mais com esse conflito interno do personagem. No entanto, “Heleno” tem menos erros do que acertos. Como por exemplo, um intérprete perfeccionista − que veste a aparência física, o gestual e até alma do jogador − e a reconstituição do Rio anterior à Segunda Guerra, fotografado pela luxuosa lente de Walter Carvalho. Mas infelizmente não deixa que nos identifiquemos com o protagonista, porque afinal, ninguém consegue torcer por um chato, monolítico e invariável que se considera o máximo, acima de tudo e de todos.