Somente agora entra em cartaz "O Céu sobre os Ombros" que foi premiado como melhor filme no Festival de Brasília de 2010. Essa demora deve-se provavelmente à dificuldade dos exibidores em definir a obra como ficção ou como documentário. Ela é assinada por Sérgio Borges, mas foi produzida por um grupo de Minas Gerais chamado de o “Coletivo Teia”. Por isso teve o escandaloso custo de 200 mil reais, dinheiro que seria insuficiente até para realizar uma reportagem de casamento e que, no entanto, obteve o máximo da qualidade técnica que um simples equipamento digital poderia alcançar. O mais curioso a respeito do filme é que podemos acreditar quando ele se apresenta como um “híbrido” entre ficção e documentário − mesmo que esse conceito não tenha consistência no campo da teoria do cinema. projeto tem como ponto de partida a pesquisa para um documentário sobre três indivíduos − “não-atores” − de Belo Horizonte que tivessem trajetórias de vida tão diferenciadas que parecessem personagens de ficção: um transexual intelectual que se prostitui em tempo parcial; um angolano que se considera escritor, mas não consegue concluir um texto sequer; e um devoto de Krishna que, além dos empregos de cozinheiro e atendente de telemarketing, participa de uma torcida organizada de futebol. Em seguida os escolhidos interpretam a si mesmos em seus cotidianos. Sabe-se que quem não é ator profissional tem tanta dificuldade para “fazer o papel” de si mesmo quanto o de Hamlet. Há momentos, porém, de uma impactante impressão de realidade. Quando por exemplo, o angolano brinca com seu filho, ou na cena em que o transexual conversa com um cliente na rua. Na apresentação do “Hare Krishna”, por outro lado, percebe-se que uma pessoa pode passar o dia inteiro sem pensar, isto é, quase em estado de meditação: quando não está entoando um mantra (no templo ou ao telefone), ele está fritando pastéis ou gritando pelo seu time num estádio, em comunhão mental com a massa.
O resultado é de fato impressionante porque, para garantir a aparência de uma narrativa ficcional, a edição final tenta eliminar uma das marcas menos óbvias ainda que mais importantes para caracterizar o gênero documentário. Segundo o teórico Bill Nichols, na ficção (e no filme de Sergio Borges) é mais comum a montagem em continuidade, que opera para tornar “invisíveis” os cortes entre as tomadas. Já no documentário, predomina uma montagem de evidência, em que os cortes seguem a lógica de uma argumentação e não se acham presos à necessidade de dar a impressão de uma unidade temporal e espacial. Em suma, O CÉU SOBRE OS OMBROS nos mostra o comovente retrato de três personalidades estranhíssimas, que chamam atenção pela diferença, mas que têm um pouco de cada um de nós.
estreia 18 11 2011
Distribuição Vitrine Filmes
Direção Sérgio Borges
Com Everlyn Bardin, Edjucu Moio,
Murari Krishna, Grace Passô
COTAÇÃO
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B O M
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