Mais do que a dupla biografia de dois artistas,
“Gonzaga, de pai pra filho”, o filme de Breno Silveira (“Dois filhos de
Francisco”) é um drama sobre o tumultuado relacionamento entre pai e filho –
quase uma especialidade desse diretor que recentemente abordou temática
semelhante em “À beira do caminho”. Esse conflito entre Gonzaguinha e
“Gonzagão”, aliás, mostra-se também representativo de um choque entre gerações
e até entre tendências musicais. Nas décadas de 1940 e 1950, o “rei do baião”
transformou radicalmente a música popular brasileira e tornou-se um ídolo do
rádio e dos filmes musicais.
Quem se destacou na época dos festivais, no
entanto, por meio de uma canção comprometida com a problemática da juventude e
considerada “de protesto” foi seu filho Gonzaguinha. Nessa época, o velho sanfoneiro
vivia uma fase de ostracismo e não reconhecia e nem aceitava a arte do filho,
que considerava “coisa de comunista”. Existia nesse aspecto, inclusive, uma
desavença de cunho claramente ideológico, mas que tinha origem no abandono
sofrido pelo filho durante a maior parte da sua existência. Foram dez anos trancado
num colégio interno, o resto da juventude morando com uma madrinha no Morro de
São Carlos e, durante a vida inteira, a sombra de uma humilhação: Gonzaga era
estéril e, por isso, sempre duvidou que fosse o pai biológico do menino.
Sabiamente,
porém, o roteiro não toma partido e mostra com generosidade as razões de cada
um dos lados. Quem lucra com isso é o público que ganha um espetáculo cheio de
música, humor e fortes cargas de emoção. Além de grandes interpretações, como a
de Claudio Jaborandy fazendo o velho Januário e de Julio Trindade encarnando
Gonzaguinha de corpo e alma. Já o velho Luis ficou a cargo de três atores
diferentes – um deles, o Chambinho do Acordeon é músico de verdade e ajudou a
recriar o clima do baião em seu início, quando foi formatado por Gonzaga e
Humberto Teixeira. Há nesse ponto uma curiosa similaridade com o abismo que separava
esse letrista autor de “Asa Branca” e sua filha, a atriz Denise Dumont, tal
como vimos no documentário “O Homem que engarrafava Nuvens”, do qual ela foi
produtora.
Mesmo com a voz um pouco mais aguda do que a do personagem real, Chambinho
dá conta do recado, principalmente nos números musicais, que acabam funcionando
como atrações à parte – especialmente “Que nem Jiló” e “Respeita Januário”,
esse um dos grandes momentos do filme. Nele tudo funciona, com destaque para a
direção de arte de Claudio Amaral Peixoto, que deu vida a paisagens tão
distintas como o sertão pernambucano dos anos 1930, a era de ouro do rádio, no
Rio de Janeiro dos anos 1950, e a favela do morro de São Carlos nos anos 1970.
E para a fotografia de Adrian Teijido, que se harmonizou com as imagens de
arquivo tão bem integradas à narrativa pela montagem de Vicente Kubrusly. Neste
filme diversas pontas ficam finalmente amarradas: o nordeste e o sul do país; os
mundos rural e urbano; folclore e cultura pop; melodrama e comédia; a narrativa
social e a intimista; enfim, cinema para o grande público, mas também para as
plateias mais exigentes.
GONZAGA DE PAI PRA FILHO
Brasil, 2012, 130 min, 12 anos
estreia 26 10 2012
gênero musical/ drama/ história
Distribuição Downtown Filme, Paris
Direção Breno Silveira
Com Júlio Trindade, Chambinho do Acordeon,
Claudio Jaborandy, João Miguel
COTAÇÃO
* * * *
Ó T I M O
Um comentário:
Luciano, quero primeiramente lhe parabenizar pelo espaço lúcido, inteligente e bem interessante sobre a arte do cinema. Eu estou te lendo, aos poucos, mas já gostei do que vi e percebi.
Vou te adicionar ao meu hall de blogs amigos, certo? gostaria de um melhor contato e troca cinéfila. Abraço
Postar um comentário