Esse mal estar se amplia com a chegada à cidade da irmã (Carey Mulligan, em notável atuação) uma pessoa tanto ou mais desequilibrada do que ele. É impressionante a cena em que ela entoa o esfuziante hino “New York, New York” num registro oposto ao costumeiro, isto é, de modo melancólico, quase fúnebre e, portanto, irônico. O filme não procura fazer julgamentos morais e nem fornecer explicações psicanalíticas. Apenas descreve o modo como isso impede que o personagem seja minimamente feliz. Ele é um executivo bem sucedido em Nova York, elegante e fisicamente saudável, mas em permanente conflito consigo mesmo. Curiosamente, é interpretado pelo competente ator alemão educado na Irlanda Michael Fassbender, que fará o papel do Dr Carl Jung num filme de David Cronenberg a ser lançado em breve.
“Shame” busca referências nas primeiras obras de Michelangelo Antonioni, que trabalhavam a angustia da incomunicabilidade entre as pessoas. Apresenta pontos de contato com clássicos universais sobre o tema, como “O Último Tango em Paris”, de Bertolucci, ou “Noite Vazia” de Walter Hugo Khoury. Mas, assim como o personagem, carrega uma contradição interna. De um lado, trata essa obsessão como um verdadeiro tormento para ele. Por outro lado, constrói determinadas cenas de sexo com extremo requinte de iluminação, câmara e montagem. Ou seja, aquilo que para o viciado é desonra e degradação, ao diretor Steve Mc Queen serve de pretexto para exibir o seu virtuosismo audiovisual. Talvez seja essa esquizofrenia assumida o que atribua identidade ao filme, diferenciando-o tanto de um realismo moralista quanto da exploração fetichista e estetizada da neurose alheia.
Um comentário:
Filme moralista à la Nelson Rodrigues, nudez frontal desnecessária de Fassbender, o vazio sem qualquer explicação, nada de novo no reino de Hollywood.
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