Não há dúvida quanto ao esmero da produção de “Quincas Berro d’Água” e nem quanto ao conhecimento cinematográfico do diretor Sérgio Machado, extremamente hábil em manejar atores e locações. Tudo se inicia com uma citação visual de “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder, e uma narração em off por parte do protagonista − que diferencia o filme do texto original de Jorge Amado, narrado na terceira pessoa. Essa opção se mostrou bastante adequada à versão cinematográfica que, deve ter sido mais complicada do que a princípio pode parecer. Até porque se trata de acompanhar um morto sequestrado do velório pelos amigos: um grupo de bêbados que o carrega pelos becos e bordéis do centro velho de Salvador, até o cais do porto.
Com todo o seu talento, Paulo José teria pouco a fazer interpretando um defunto, se não pudesse contribuir com a sua voz na trilha sonora, comentando aqui e ali os acontecimentos. E também interpretasse uma ou outra passagem em flashback, como ele era em sua fase de farrista e um pedaço de sua vida de chefe de família e funcionário exemplar, antes de largar tudo para se tornar o maior beberrão do Pelourinho e adjacências. Para acrescentar mais material cinematográfico a essa singela trajetória, Sergio Machado ampliou a participação da filha, vivida com vitalidade por Mariana Ximenes, tornando-a a antagonista daquela turma de cachaceiros que arrastava o cadáver do pai pela noite baiana.
Com ajuda de um delegado encarnado por Milton Gonçalves, ela faz de tudo para recuperar os paternos restos mortais. Nesse afã de manter o tom de comédia, o clima e o ritmo do filme se aproximam um pouco das velhas chanchadas da Atlântida, contando inclusive com a indispensável pancadaria coletiva que era quase uma obrigação nos filmes de Oscarito e Grande Otelo. E como elas, “Quincas Berro d’Água” resulta num entretenimento familiar, sem uma única cena de nudez. Isto é, quase familiar, por conta do saboroso palavreado de baixa extração, que não poderia faltar numa história como esta. Mas, apesar dessa decisão racional, que vem da engenharia narrativa de Sergio Machado como roteirista, o espetáculo se sustenta pela carga emocional do conjunto.
Palmas para o mestre Adrian Cooper, o diretor de arte, que fez o espírito da eterna Bahia de Jorge Amado baixar como um orixá no set de filmagem. Aliás, poucas vezes no cinema uma casa de Candomblé foi representada tão viva e fielmente como ele conseguiu. E palmas para o elenco afiadíssimo, em que se destacam Irandhir Santos e Marieta Severo – atriz responsável pela cena carregada de ambigüidade, em que ela dança com o falecido, uma passagem desde já destinada a ocupar as futuras antologias de atuações memoráveis.
QUINCAS BERRO D’ÁGUAestreia 21 05 2010
Brasil - 2010 – 104 min. - 14 anos
Gênero Comédia
Distribuição Columbia
Direção Sérgio Machado
Com Paulo José, Marieta Severo, Mariana Ximenes,
Luis Miranda, Irandhir Santos, Wladmir Brichta
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ÓTIMO

Como no campo da ficção história é lícito inventar, desde que não se contrarie o que esteja documentado, Scott fez do herói um arqueiro do exército com o qual Ricardo Coração de Leão foi lutar na Terceira Cruzada. Um personagem que esteve presente no cerco à fortaleza de Chalus-Chabrol, na França, onde o monarca morreu por meio de uma flecha disparada por um cozinheiro – mostrado, aliás, em close, porque o diretor costuma destacar a participação dos trabalhadores na ação dramática. Observado do ângulo em que Robin se situa, o cotidiano da batalha se assemelha à rotina dos operários numa fábrica. Em compensação, um letreiro comete a impropriedade de dizer que, após seu regresso do oriente, de passagem pela França e sem dinheiro, Ricardo resolveu saquear alguns castelos pelo caminho.



ROBIN HOOD



No filme, por meio de um abundante material dos ensaios arquivados, vemos como essas trucagens foram idealizadas, recorrendo apenas a mudanças de luz e jogos de espelhos, com resultados impressionantes para aquele período muito anterior à computação gráfica. Curiosamente, muitas delas operando em continuidade com as experiências óticas inauguradas por Dziga Vertov nos anos 1920. Como a célebre sequência de "O Homem com Câmera" (1929) com uma locomotiva se aproximando em alta velocidade do cinegrafista e a câmera depositada sobre o trilho de trem.
Serge Reggiani interpreta um gerente de hotel alucinado de ciúmes pela esposa vivida por Romy Schneider. Depois de três semanas, Reggiani abandonou as filmagens, o projeto foi interrompido e as imagens permaneceram inéditas por mais de 40 anos. O documentário de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea investiga o que teria acontecido, por meio de cenas reconstituídas, entrevistas com artistas e técnicos que participaram daquela aventura e leituras dramáticas do roteiro. Em crise pessoal e profissional, depois disso Clouzot (na foto abaixo) ficou 4 anos sem filmar, até “A Prisioneira”, o seu derradeiro trabalho.

Vivido pelo veterano Christopher Plummer, o protagonista é um contador de histórias imortal porque há séculos fizera um pacto com o demônio. Este é interpretado pelo também cantor Tom Waits − numa atuação surpreendente e muito engraçada, sempre tramando para mandá-lo de vez para o inferno. Como exemplo de sofisticação visual, destaca-se o figurino que dá ao demônio a roupa ascética de Carlitos, com seu singelo chapéu-coco, enquanto veste o Dr. Parnassus com uma incrível mistura de trajes e adereços que ele teria trazido de todas as épocas e lugares do planeta.
Mas o destaque do elenco é Heath Ledger (Austrália, 1979 – 2005), o inesquecível Coringa de “O Cavaleiro das Trevas” (Dark Knight” - 2008) que lhe valeu o Oscar de coadjuvante. O ator (na foto acima) morreu durante as filmagens, mas, para não perder o que já tinha filmado, Gilliam resolveu a questão convocando outros três intérpretes para dar continuidade ao papel dele: Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell. E isso enriqueceu bastante o personagem, que tinha a função de representar o mundo real e prosaico, junto à surrealista caravana do Dr. Parnasus. Alguns críticos reclamam que o filme não tem uma unidade de estilo e cada uma das partes funciona como um espetáculo isolado. Mas, no meu entender, essa diversidade é mais um de seus muitos predicados. Depois de desfrutá-l0, é dicifil não se tornar "parnasiano".
"Viajo porque preciso, volto porque te amo" é uma inacreditável experiência que bombardeia a fronteira entre o documentário e a ficção. Assinado por dois diretores Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, o filme ganhou os prêmios de Melhor Direção e Melhor Fotografia do Festival do Rio 2009 e também participou do Festival de Veneza. Foi quase inteiramente montado a partir de filmagens operacionais realizadas para a pesquisa de locações para “O Céu de Suely” ( exibido na mostra Orizzonti – Veneza 2006), de Karim Aïnouz, e de “Cinema, Aspirinas e Urubus” (premiado na mostra ‘Um Certo Olhar’ do festival de Cannes em 2005), de Marcelo Gomes. Trata-se de um caso talvez inédito de desenvolvimento de uma narrativa ficcional em função de um conjunto heterogêneo de imagens disponíveis.
Em outras palavras, aquelas imagens que em sua captação original eram estritamente documentais foram inseridas num contexto ficcional e ganharam outro significado. Mais ou menos como fazia Duchamp com objetos prosaicos e utilitários que ele transformava em elementos de um discurso estético. E aí ocorre um rompimento com uma das principais características praticamente exclusivas do cinema documentário e que vem servindo inclusive para diferenciá-lo do filme de ficção, ou seja, a continuidade entre o universo que se posiciona à frente e o outro, que se se situa por atrás da câmera. Numa filmagem de ficção, por mais simples que seja, sempre há um conjunto de coisas e pessoas que pode ser chamado de bastidores, ou “backstage”. Isso também existia no chamado “documentário clássico”, que frequentemente recorria à encenação. Mas quando a câmara se coloca diretamente no mundo, desprovida da mencionada parafernália, é muito provável que ela esteja a serviço de um documentário, como vem acontecendo desde os anos 1960, graças ao advento do som direto e da crescente mobilidade das máquinas de filmar. Em suma, VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO prova que ainda há espaço criativo para o cinema experimental.








