Antes que a memória sensível de "Baaría" se esvaneça, registro alguns momentos que provocam reflexão. Primeiro a gigantesca elipse em que o protagonista, quando menino, fica de castigo na sala de aula e pega no sono para despertar mais de meio século depois. Caminha atônito pela Bagheria moderna e se pergunta se estava no passado sonhando com o presente, ou vice-versa. Mais que salientar o descompasso entre as épocas, essa operação de montagem nos diz que, mesmo com a inexorável passagem das décadas, o personagem se mantinha ingênuo e cristalino do mesmo jeito que era quando criança. A cena do vendedor de linguiça oferecendo a sua mercadoria enquanto caminhava atrás do líder fascista local é igualmente memorável. A dois passos do "camisa negra" que marcha pela rua principal sob os olhares de todos, o comerciante ergue o produto, gritando: "é puro porco!" Assim, faz marketing para os partidários de Mussolini, ao mesmo tempo que os ridiculariza, para os adversários.
Seguindo a antiga lição de Sergei Eisenstein, por meio da justaposição de representações diversas Tornatore cria imagens de caráter de alta densidade simbólica e carga emotiva. Vejamos, por exemplo, como ele nos diz que o povo siciliano é marcado pela obrigação e pela capacidade de esperar. Numa sequência o pai do protagonista permanece vivo, mesmo contra a expectativa dos médicos, enquanto o filho não chega para se despedir dele. E mais adiante, enquanto ocorre uma passeata de protesto no centro da cidade, a câmara mostra duas mulheres em frente às suas casas. Uma ao lado da outra, esperam tensas e em silêcio por seus maridos: um é da polícia e ou outro é militante comunista. Um deles, ou dos dois voltarão machucados, ou nem voltarão.A majestosa música sinfônica de Ennio Moricone se articula organicamente às dimensões épicas do filme, em que os planos mais abertos correspondem aos acordes mais intensos e conclusivos das sequencias. De resto, a própria musicalidade da fala siciliana se encarrega de colorir de ritmos e melodias a trilha sonora. Como ilustração, note-se o pregão do comprador de dólares, pontuando a narrativa com seu grito, nos momentos mais inadequados. E a cena em que o orador comunista vai declamando o seu discurso ensaiado e, cada parada permitida pelas palmas, pede "água!" Feita com o rosto sempre voltado para o microfone, essa solicitação é também amplificada para o público. De modo que, quando ele repete o pedido pela terceira vez, é a platéia em coro que grita "água!" Pode parecer apenas uma piadinha que empregou milhares de figurantes para ser mostrada, mas a gag exprime com perfeição e ênfase o senso crítico a sensibilidade de todo um povo.







Após o filme, o diretor e a protagonista Maragareth Made participaram de um debate com o público presente. A uma pergunta sobre o seu papel no "atual renascimento do cinema italiano" respondeu que o cinema de seu país jamais esteve morto. Ao contrário, tem demonstrado indiscutível vitalidade e capacidade criativa ao resistir às crescentes dificuldades econômicas, políticas e administrativas enfrentadas nas três últimas décadas. Afirmou que o principal entrave da situação presente é o fato dos avanços tecnológicos terem favorecido a pirataria. Lembrou que "aqui, como na Itália, qualquer criança pode baixar um filme inteiro pela internet antes mesmo de seu lançamento nos cinemas. E isso mostra-se ainda mais perverso agora, que as bilheterias das salas de exibição tornaram-se apenas uma parte marginal das receitas que cada produção deveria obter".

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O tema do substituto aparece em Alexandre Dumas, com “O Máscara de Ferro” (1847) − o herdeiro trocado por um usurpador. Antes disso, Pöe colocava a idéia num plano metafísico no conto "William Wilson" (1839), talvez um desdobranento do doppelgänger narrado por Shelley em 1822. Em “O Principe e o Mendigo” (1882), Mark Twain recicla a mesma idéia. No cinema, Carlitos se coloca no lugar de uma paródia de Hitler em “O Grande Ditador” (1940) e, agora no Brasil, Daniel Filho alcança o mais amplo sucesso explorando o tema sobrenatural do intercâmbio de corpos entre marido e esposa. Num registro digamos, materialista, Kurosawa leva o assunto para a esfera da ação política em "Kagemusha" (1980- ACIMA), em que um sósia, "o duplo" do samurai toma o seu lugar nas batalhas.























